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Ronnie Wood, Mick Jagger e Keith Richards, os membros remanescentes do Rolling Stones
Ronnie Wood, Mick Jagger e Keith Richards, os membros remanescentes do Rolling Stones| Foto: Divulgação

“A pressa é inimiga da perfeição.” Esse ditado popular cabe como uma luva para descrever a labuta de três senhores britânicos que lançaram neste mês seu primeiro álbum de músicas inéditas em 18 anos. Grupo que tem em seu núcleo Mick Jagger, Keith Richards e Ronnie Wood, o Rolling Stones passou a maior parte deste século criativamente estagnado. Com a exceção de dois singles (Doom and Gloom Living in a Ghost Town) lançados de 2005 para cá, os roqueiros não indicavam interesse em gastar tempo no estúdio apenas para cumprir tabela. Algo mudou após a morte de seu colega e fiel baterista Charlie Watts, em 2021. O trio remanescente decidiu que era a hora de tirar a poeira dos instrumentos e entregou ao mundo o seu 24º disco, Hackney Diamonds.

Em um cenário desses, com quase duas décadas de espera, tudo poderia dar errado para os autores de hinos como Gimme Shelter, (I Can't Get No) Satisfaction Start Me Up. Mas a calma para a composição das 12 novas faixas ajudou o Stones a alcançar um nível de qualidade dificilmente atingido por demais formações contemporâneas.

“Gastamos apenas três semanas em estúdio. Não é difícil. Mas muita angústia esteve envolvida antes da gravação”, disse Jagger, em entrevista ao jornal The Guardian. O cantor então explicou que muitas músicas foram cortadas a partir da seguinte política: “se essa faixa não funcionar, outra funcionará”.

Esse cuidado cirúrgico na seleção das músicas não quer dizer que  Hackney Diamonds é perfeito ou figura num top 5 com os principais trabalhos da banda. No entanto, é inegável que ele caiu bem com os fãs ansiosos. O êxito do disco pode ser resumido a quatro itens, listados a seguir.

Respeito à tradição  

Recentemente, o ex-baixista do Pink Floyd, Roger Waters, deu um péssimo exemplo de como estragar o legado de uma banda atemporal. Regravar músicas perfeitas ou criticar o bom trabalho de colegas não são bons exemplos para um artista lendário. E os Stones que sobraram buscaram o caminho oposto nesse novo disco.

Para homenagear Watts e toda sua história, o grupo reaproveitou gravações do baterista falecido para criar duas músicas novas, Mess It Up Live by the Sword. Nesta última, convidaram o baixista original da formação, Bill Wyman, para remeter ao Stones dos primórdios da década de 60 por uma última vez em estúdio. A reunião é surpreendente, considerando que Wyman saiu brigado da banda, em 1992, e retrata como até roqueiros malucos conseguem ter um espírito nobre quando o assunto é o respeito à tradição.

Sangue novo  

Um dos ingredientes importantes para o sucesso de Hackney Diamonds foi a escolha de Andrew Watt como produtor. Com apenas 33 anos, mas com vasta experiência no mundo pop, o americano tem sido contratado por artistas veteranos que buscam um som renovado, mas com alicerces em seus grandes momentos. Nomes como Ozzy Osbourne, Iggy Pop e até Morrissey gravaram álbuns com o produtor, colhendo singles bastante atraentes – no caso de Morrissey, seu trabalho acabou engavetado pela gravadora após o lançamento de uma única música.

Agora, na vez do Rolling Stones, Watt também se destacou por ajudar na composição de três das faixas e por dar algumas ideias de convidados, incluindo o encontro com Wyman. “É um amálgama de cada época da banda: os anos 60, 70, a música dançante que eles faziam nos anos 80 e até a música crua e simples de Muddy Waters”, definiu o produtor sobre o resultado final, após ter de escolher 12 dentre 80 canções levadas ao estúdio por Jagger e Richards.

Um Beatle (e outros convidados)  

Antes do anúncio oficial do trabalho, o principal burburinho a respeito do que viria ser Hackney Diamonds era sobre a participação de Paul McCartney em uma das faixas, levado ao estúdio por Watt. Muitos mencionaram que seria a primeira vez de um Beatle gravando com o Rolling Stones. Mas McCartney e seu parceiro John Lennon já haviam emprestado seus vocais à We Love You, lançada em 1967.  Independentemente do ineditismo ou não, a participação do baixo distorcido de Sir Paul traz vida à faixa Bite My Head Off, que tem uma pegada surpreendentemente punk. 

Além do Beatle, outros participantes ilustres floreiam faixas do disco. Elton John empresta seu piano a Get Close Live by the Sword. Já Stevie Wonder e Lady Gaga estão em Sweet Sounds of Heaven, marcada por uma performance vocal competente da cantora famosa por suas esquisitices no mundo pop.

Boas canções  

Hackney Diamonds parece fruto de momentos friamente calculados para agradar aos fãs da banda e de rock clássico. Mesmo que seja verdade, afinal isso tem sido uma marca registrada nos discos produzidos por Andrew Watt, o trabalho é acima da média graças ao poder imaculado do grupo para compor boas músicas. Não à toa, o disco tem sido tratado pela crítica especializada como o seu mais forte desde os anos 1980.

Sweet Sounds of Heaven é uma faixa que facilmente poderia ter sido gravada para o Let It Bleed, LP de 1969. Jagger e Richards, os compositores dela, provam que ainda dominam a mistura do rock and roll com a música gospel, fusão que marcou um avanço para a banda em You Can't Always Get What You Want. Já o riff de guitarra em Whole Wide World não deixa nada a desejar quando comparado ao de faixas mais dançantes como  Shattered She’s so Cold, de 1978 e 1980, respectivamente

Essas duas composições inéditas são completamente diferentes entre si, mas resumem bem como o 24º trabalho de estúdio possui músicas para fãs de todas as fases da banda. Caso Hackney Diamonds venha a ser o último disco de Jagger, Richards e Wood, o lançamento entrará para a história como uma bela homenagem aos mais de 60 anos em que esses músicos permaneceram na estrada.

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