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Clássico da programação pascal, A Paixão de Cristo, de 2004, é uma das mais fiéis e impactantes adaptações bíblicas da crucificação de Jesus. Agora disponível na Netflix, o filme produzido por Mel Gibson traduz essa história sagrada em uma experiência cinematográfica visceral e inesquecível. Com realismo e fidelidade bíblica, a obra não apenas revive as últimas horas de Jesus, mas convida à reflexão profunda sobre a face repugnante do pecado e a imagem do verdadeiro amor divino.
Para os cristãos, a Paixão de Cristo é o cerne da fé. O nascimento de Jesus é importante, mas encontra pleno sentido apenas em seu sacrifício. Afinal, Jesus nasceu para morrer como vítima pelos pecados pretéritos e futuros de todos os seres humanos. Mas por quê?
Desde o pecado cometido por Adão e Eva, a humanidade se rebelou contra o Criador. Em um único ato, o primeiro casal pecou por desobediência, movido pela gula, soberba, vaidade e prazer, enganado por uma mentira inverossímil: a promessa de que comer uma fruta os tornaria iguais a Deus. A gravidade desse erro foi tão profunda que o próprio Deus decidiu separar uma linhagem dentro do povo judeu para, por meio dela, anunciar profetas e preparar a vinda do Messias.
O que eles não esperavam era que esse Salvador fosse o próprio Deus que se fez homem. Jesus Cristo, sendo verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, foi o único com dignidade divina para pagar pela humanidade a pena devida. Seu sofrimento no Calvário pagou o preço do pecado de origem, mas não somente: ao ver o povo chorando sua flagelação, Cristo exortou cada um a lamentar, antes de tudo, os próprios pecados, e pediu que todos carregassem suas cruzes e o seguissem.
Realismo sem concessões
Estrelado por Jim Caviezel no papel de Cristo, o filme narra com realismo as doze últimas horas da vida de Jesus, a partir do Jardim das Oliveiras, intercalando com cenas da Última Ceia, onde o Salvador dá sentido ao que ocorre no Calvário. “Isto é o meu corpo, que será entregue por vós”, explica Jesus, enquanto parte o pão e o distribui aos discípulos.
A narrativa começa com a traição de Judas (Luca Lionello), segue pela prisão de Jesus por soldados romanos sob o comando dos líderes religiosos hebreus — entre eles, Caifás (Matti Sbragia) — e culmina com a condenação de Jesus por Pilatos, que, mesmo sem compreender o motivo do clamor popular por sua morte, cede à pressão e o entrega à crucifixão. Com atuações de destaque de Maia Morgenstern, Monica Bellucci e outros nomes importantes, a produção se baseia nos relatos do Novo Testamento para conduzir o espectador pelo percurso doloroso da Via Sacra, que, sem a compreensão necessária da redenção humana, pareceria apenas um espetáculo sangrento.
Com pouco mais de duas horas de duração, A Paixão de Cristo foi indicada a três categorias do Oscar: Melhor Cinematografia, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Maquiagem. O filme custou 30 milhões de dólares, mas arrecadou US$ 612 milhões no mundo inteiro (R$ 3,6 bilhões na cotação atual), tornando-se o filme independente de maior sucesso da história até hoje. Também foi o mais bem-sucedido entre os filmes classificados nos EUA como R (restricted: menores de 17 anos podem assistir apenas acompanhados de adultos) e entre os filmes religiosos. Ainda assim, A Paixão de Cristo também acumulou controvérsias.
Provações reais e a fidelidade do sofrimento de Cristo
A interpretação de Jim Caviezel é uma entrega literal: além de aprender aramaico, latim e hebraico, o ator enfrentou lesões durante as filmagens — deslocou o ombro ao carregar a cruz, foi realmente atingido por chicotadas, sofreu com hipotermia, pneumonia e, impressionantemente, chegou a ser atingido por um raio sem se ferir. Mesmo diante dos alertas médicos, Caviezel decidiu continuar.
Essa entrega física também deu força à encenação da dor de Cristo. Como afirmou Olavo de Carvalho sobre o filme: “A ênfase, ali, não está na dor enquanto tal, mas no contraste entre a humilhação brutal e a nobreza divina do Corpo de Cristo”. O filósofo comentou também que as expressões de dor de Jim Caviezel são discretas, sutis, comedidas, para que ofereçam um efeito dramático, não um “exibicionismo fisiológico”.

Ainda assim, a violência explícita causou desconforto em parte da crítica. Alguns espectadores consideraram que o excesso de cenas brutais poderia desviar o foco da mensagem espiritual, ou que conteria heresias por ser baseado nas controversas visões da beata Anna Katharina Emmerick, cuja obra possui elementos esotéricos. Contudo, o filme retrata com fidelidade o sofrimento de Cristo, expondo com honestidade o custo do amor incondicional que não foi retribuído. “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem”, repete Jesus, lembrando que a cruz nos revela o quão abjeto é o pecado diante de Deus. Dessa maneira, a desfiguração do homem e a invisibilidade da glória divina na Paixão dão lugar à imagem do amor em sua forma mais verdadeira: o sofrimento.
Cresce o interesse por obras de cunho religioso
Em um contexto global marcado por ataques à fé cristã, processos judiciais contra quem reza o Rosário diante de clínicas de aborto e restrições à liberdade de consciência, é notável como o interesse por obras com temáticas religiosas cresce. Hollywood e plataformas de streaming percebem essa força espiritual crescente. Com razão, a Netflix incorporou o filme A Paixão de Cristo ao catálogo exatamente na Semana Santa.
Assim, com sua densidade espiritual, fidelidade aos Evangelhos e estética cinematográfica poderosa, o filme de Mel Gibson continua sendo uma obra indispensável para todos os que buscam sentido na dor redentora de Jesus Cristo. Assistir ou revisitar A Paixão de Cristo a cada Semana Santa ajuda a compreender que essa não é somente uma história qualquer, mas diz respeito a cada um — servindo como verdadeiro exercício de conversão.
- A Paixão de Cristo
- 2004
- 121 minutos
- Indicado para maiores de 14 anos
- Disponível na Netflix