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Jeffrey Wright, que concorre ao Oscar por "Ficção Americana"
O ator Jeffrey Wright, que concorre ao Oscar pelo papel de Thelonious “Monk” Ellison em “Ficção Americana”| Foto: Divulgação Prime Video

Último dos grandes concorrentes ao Oscar a pintar no Brasil, Ficção Americana está desde a semana passada disponível no streaming do Prime Video, sem passar pelos cinemas. Trata-se de um dos filmes mais interessantes da temporada, indicado à principal categoria da premiação e também a Melhor Ator (Jeffrey Wright), Ator Coadjuvante (Sterling K. Brown), Roteiro Adaptado e Trilha Sonora Original. Pode até não ganhar nada. Mas, só por criticar com sarcasmo o cenário das editoras de livros nos Estados Unidos, o longa-metragem do estreante Cord Jefferson já merece aplausos.

A ação é centrada em Thelonious “Monk” Ellison, um professor de literatura e autor de livros com algum prestígio e nenhum sucesso comercial. Após um entrevero com uma estudante woke que não aceita ler a palavra nigger no quadro negro durante uma aula, Monk é forçado a se afastar das tarefas acadêmicas. A pausa é salutar, pois assim ele pode passar um tempo com sua mãe, então nos estágios iniciais da Doença de Alzheimer. Sua mente, no entanto, não consegue se desligar das questões profissionais.

Após receber mais um não de uma editora, o refinado Monk deixa de lado sua prosopopeia esnobe para iniciar um novo projeto, usando um pseudônimo (Stagg R. Leigh, que seria um fugitivo do sistema prisional), no estilo das obras de autores negros que fazem sucesso no mercado americano hoje: cheio de gírias e situações criminosas, no maior estereótipo "do gueto". Esse híbrido de exercício estético e brincadeira com o que os editores e leitores esperam de um escritor de cor acaba sendo ofertado pelo publisher de Monk e, inacreditavelmente, rende a ele um contrato polpudo. A questão passa a ser sustentar essa farsa, que começou como uma pegadinha e acabou confirmando a visão que o protagonista tinha de seu mundinho de cartas marcadas.

Caos familiar

Enquanto se espanta com o caminho que seu livro-zoeira vai fazendo (é comprado para ser adaptado para o cinema antes de ser publicado, ganha campanha de divulgação vultosa mesmo tendo um palavrão como título), Monk precisa lidar com o caos em sua família. Sua irmã tem uma morte súbita e seu irmão, recém-saído do armário, é incapaz de se empenhar nos cuidados com a mãe adoentada. Nesse cenário, o escritor ainda se envolve romanticamente com Coraline, que mora do outro lado da rua da casa de sua progenitora.

Todos os diálogos de Ficção Americana são construídos com extremo esmero e sagacidade. São muitas as passagens engraçadas, ainda que nenhuma tenha a intenção de fazer o espectador gargalhar. Os momentos emotivos e os dramas familiares são sempre aliviados por alguma comicidade, que pode vir de Monk, do irmão perdidão (ambos os atores indicados ao Oscar), do publisher ou da comissão de jurados que o protagonista integra com a missão de premiar um talento da nova geração de autores. O elenco inteiro está bem demais, com força para desnudar as hipocrisias e as culpas dos tempos patéticos em que vivemos, especialmente nessa esfera intelectual.

O que Ficção Americana tem de mais satisfatório é o seu desfecho, que também serve de crítica para a produção cinematográfica atual, sempre com seus finais abertos ou, pior ainda, sem final algum, caso do alemão A Sala dos Professores. Cord Jefferson oferece múltiplas amarrações para a história, numa divertida prática de metalinguagem que não exige da pessoa sentada na poltrona uma carteirinha de cinéfilo para conseguir compreender o que se passa. Por ter chegado aos lares brasileiros tão perto da cerimônia do Oscar, que ocorre no próximo domingo (10), só dá para tratar Ficção Americana como a melhor surpresa dentre os competidores da premiação. Esse era o final feliz que a gente merecia.

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