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Há 30 anos, estreava no Brasil “Sociedade dos Poetas Mortos”, clássico instantâneo que mostrou que Robin Williams era muito mais do que um ator cômico.
Há 30 anos, estreava no Brasil “Sociedade dos Poetas Mortos”, clássico instantâneo que mostrou que Robin Williams era muito mais do que um ator cômico.| Foto: Divulgação

“Não lemos e escrevemos poesia porque é bonitinho. Lemos e escrevemos poesia porque somos membros da raça humana. E a raça humana é cheia de paixão. Medicina, direito, administração, engenharia são atividades nobres. Mas poesia, a beleza, o romance, o amor são as coisas pelas quais vale a pena viver”, diz John Keating, o professor de literatura inglesa vivido pelo saudoso Robin Williams em Sociedade dos Poetas Mortos. Neste dia 28 de fevereiro o filme fez 30 anos de sua estreia no Brasil. Seu impacto, contudo, é mais difícil de quantificar.

Sociedade dos Poetas Mortos é, oficialmente, um filme de 1989. Nessa época, porém, o calendário de estreias brasileiro não era tão sincronizado com o dos EUA, com as distribuidoras nacionais esperando a repercussão do lançamento antes de programar por aqui. O que, nesse caso, implica não apenas o razoável retorno de bilheteria, como também as quatro indicações ao Oscar. Além da vitória pelo Melhor Roteiro Original, entregue na cerimônia de 1990, a produção também foi indicada como Melhor Filme, Diretor, para Peter Weir, e Ator, para o já citado Williams.

O sucesso não foi por acaso. Apesar de partir de uma fórmula que já era batida nos anos 1980, Sociedade dos Poetas Mortos encontra aquele ponto específico entre a comédia e o drama que ainda hoje é raro. Doses exatas de importantes lições morais e jornada de amadurecimento e autodescoberta de um grupo de jovens perdidos – muito ressonantes com o período – combinadas com belas atuações e a direção austera de Weir. Difícil pensar em alguém saindo de uma sessão de cinema sem pensar ter visto um clássico instantâneo. Ainda assim, tiveram os que consideraram a experiência melodramática e manipulativa demais, como o grande crítico Roger Ebert. Como ele estava errado.

São muitos os filmes influenciados diretamente por Sociedade dos Poetas Mortos. Tramas em que um professor inspira seus alunos a ir além, a pensar um pouco fora dos limites rígidos estipulados pela normatividade estabelecida pela racionalidade intelectual. Desde O Clube do Imperador até O Sorriso de Monalisa, passando por Gênio Indomável, trabalho que finalmente deu a Robin Williams o Oscar de Melhor Ator, mesmo sendo uma repetição de seu John Keating. Não parece ser por acaso que Chris Columbus foi atrás de John Seale, diretor de fotografia de Sociedade dos Poetas Mortos, quando quis criar o visual de Hogwarts no primeiro Harry Potter.

Sociedade dos Poetas Mortos se destaca, em primeiro lugar, pela escolha dos talentos, além de Williams, claro. A dupla protagonista, formada por Ethan Hawke, que havia estreado à sombra de River Phoenix em Viagem ao Mundo dos Sonhos e queria muito provar seu valor como ator sério, e por Robert Sean Leonard que, nessa época parecia destinado a fazer grandes coisas – infelizmente seu maior destaque depois desse filme foi na série House. Eles incorporam o discurso central da trama, já que encarnam pontos opostos do espectro emocional montado pelo filme.

Todd Anderson, o personagem de Hawke, é de uma família rica e abastada que é legado no internato que serve de cenário ao filme. Seu irmão mais velho havia, anos antes, recebido todas as honras e méritos por suas conquistas acadêmicas e esportivas – ou seja, um conformista em pleno exercício do termo. Neil Perry, vivido por Leonard, ao contrário, vinha de uma família relativamente pobre que se esforçou para lhe dar oportunidades que não tiveram – esse era os EUA do pós-guerra, no final da década de 50. Cada um deles responde ao embate entre a expectativa de suas famílias e o incentivo ao não-conformismo promovido por Keating de uma forma diferente. Na diferença eles se reconhecem e se unem.

Robin Williams

Sociedade dos Poetas Mortos marca um ponto de mudança na carreira de Robin Williams. Ele vinha de uma indicação ao Oscar no ano anterior por Bom Dia, Vietnam, um filme com doses equilibradas e equivalentes de drama e comédia. No papel de Keating, por outro lado, ele pode abraçar um personagem verdadeiramente dramático – com leves pitadas de humor, confinadas em poucas cenas. Essa figura do mentor, com um espírito maior que a própria vida, se tornou um dos arquétipos que enquadra os papéis que ele viveria dali em diante, como em Tempo de Despertar, O Pescador de Ilusões ou no já citado Gênio Indomável – todos trabalhos que lhe rendem indicações ao Oscar.

Dois fatores que ficaram de fora do filme explicam a rara contenção de Williams, em geral espalhafatoso mesmo em filmes dramáticos. O primeiro é uma linha narrativa que foi excluída da trama na edição final. Keating deveria morrer de câncer, o que reenquadraria sua lição máxima, Carpe Diem, “Aproveite o Dia”, mais como o desejo de vida de um moribundo e menos como um imperativo moral. O amor e a poesia como a única resposta possível à consciência e inevitabilidade da morte (condição central da experiência humana) se tornariam um aprendizado agridoce, vindo da dor e perda do mestre, e não amargo, como é apresentado no filme.

O outro envolve a vida pessoal de Williams. Ele passava pelo processo de separação de sua primeira esposa, Valerie Velardi. Isso confere à construção de seu Keating uma melancolia, uma tristeza no olhar, que marca praticamente todas as suas cenas. Ele ama seus alunos e quer que eles busquem mais do que o conhecimento cartesiano testado e aprovado ao longo dos últimos cem anos. A melancolia se traduz no sentimento de perda diante das oportunidades eventualmente desperdiçadas por aquela juventude.

Livres pensadores

Essa é a geração de jovens americanos, afinal, que abre as portas para os hippies e a década do amor, se inspirando na literatura beat e música folk. Não é por acaso que, apesar de se passar no final dos anos 50, Sociedade dos Poetas Mortos ressoe de forma tão precisa com os jovens dos anos 1980, que viram os sonhos de uma geração romântica serem substituídos pelos gananciosos yuppies que conquistavam seu primeiro milhão antes dos 30. Keating é um raro caso de adulto que entende melhor o espírito do tempo que os jovens que a experimentam em toda sua glória.

Fazer poesia, defende Keating, envolve revelar o que há de transcendente onde outros encontram apenas o mundano e pueril. As citações de poetas, todos pouco conformistas, reforça esse sentido mais do que as lições de moral do professor. Weir, o diretor, traduz esse espírito em imagens, usando a linguagem do cinema para demonstrar como a acomodação e o desinteresse significam o contrário do que é ser humano. Em uma cena Keating declama Robert Frost: “ao me deparar com duas estradas, peguei a menos usada e isso fez toda a diferença”. Em seguida vemos Ethan Hawke triste por ter recebido de aniversário o mesmo kit de escritório que seus pais lhe enviaram no ano anterior. “E eu nem gostei do primeiro”, diz ele a Leonard, que imediatamente abraça os ensinamentos do professor e, digamos, ressignifica o objeto.

As duas sequências justapostas encapsulam a beleza de Sociedade dos Poetas Mortos. As lições de Keating não são estéreis, apenas provocativas o suficiente para que os alunos se sintam bem consigo mesmos, mas saiam de lá para replicar os padrões dos pais que estão mais preocupados em projetar suas expectativas nos filhos e menos em compreendê-los como indivíduos. O discurso é colocado em prática e começa a mover as engrenagens que levam ao desfecho trágico. No epílogo, testemunhamos como as estruturas tradicionais operam um esforço de autopreservação, mostrando a inutilidade da rebelião juvenil. Mas, ao mesmo tempo, vemos também como uma fagulha de anticonformismo pode ter sido despertada.

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