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Aiatolás no poder

Três filmes que mostram a dureza que é integrar a sociedade iraniana

Zar Amir Ebrahimi, a atriz iraniana que interpreta a jornalista de "Holy Spider"
Zar Amir Ebrahimi, a atriz iraniana que interpreta a jornalista investigativa de "Holy Spider" (Foto: Divulgação Mubi)

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O cinema iraniano goza de boa reputação com a crítica especializada desde a década de 1980. Geralmente estrelados por crianças e com ritmo bem lento, os filmes feitos no Irã comoviam os cinéfilos de plantão não só pelo conteúdo, mas pela criatividade em driblar as leis locais e não comprar briga com um governo opressor.

Nos últimos anos, os cineastas do Irã ficaram mais saidinhos e passaram a filmar tensões com as autoridades e incongruências que limitam a vida dos cidadãos. Resultado: vários diretores tiveram de buscar exílio em outros países – alguns perigam ir em cana se aterrissarem no aeroporto de Teerã novamente. Também virou algo comum as filmagens acontecerem em segredo: os aiatolás só descobrem que existe tal filme quando ele já está pronto e com exibição agendada nos festivais.

Apesar dessas agruras vividas pelos artistas nativos, a produção iraniana tem ficado cada vez mais acessível. Agora não é mais só crítico que pode gostar de um filme de lá. Três exemplos de ótimos trabalhos que denunciam o estado de coisas no Irã estão nesta lista.

A Semente do Fruto Sagrado (2024, Mohammad Rasouluf)

“A esquerda radical a favor do programa nuclear do Irã não quer que você veja esse filme”, escreveu o senador Sergio Moro no X, junto de um pôster de A Semente do Fruto Sagrado. Indicado ao Oscar na categoria Melhor Filme Internacional (e com mais predicados do que o vencedor Ainda Estou Aqui), o longa-metragem é um dos que mais revela as profundezas do regime iraniano atual. A história é a de um funcionário público promovido a juiz de instrução, incumbido de dar penas a presos de vários tipos, incluindo os que afrontaram o sistema local. Ele recebe uma arma para se defender, mas a pistola some de sua casa, o que o faz desconfiar a própria esposa e das duas filhas adolescentes.

A investigação sobre o desaparecimento do revólver mostra que o totalitarismo iraniano nasce em casa, com mulheres sendo tratadas como seres humanos de segunda categoria. No angustiante terço final do filme, o jogo vira, em sintonia com os levantes que rolam de tempos em tempos no país. Pena que o diretor Mohammad Rasouluf esteja naquela lista de artistas que se voltarem a pisar no Irã serão conduzidos imediatamente ao xilindró.  

Onde assistir: Telecine e para locação e compra em Apple TV+ e Amazon.

Holy Spider (2022, Ali Abbasi)

Depois de despontar com o espetacular Border e antes de dirigir O Aprendiz (sobre a ascensão de Donald Trump) Ali Abbasi filmou essa preciosidade, baseada no caso real de Saeed Hanaei, assassino em série que entre 2000 e 2001 matou dezesseis mulheres nas ruas de Mexede, com o objetivo de limpar a cidade santa de prostitutas e preservar a moralidade local. Zar Amir Ebrahimi, a atriz iraniana que interpreta a jornalista investigativa que investiga o caso, ganhou o prêmio de Melhor Atriz em Cannes pelo papel.

O espectador sabe desde o início quem é o assassino e como ele atua. A dúvida é saber como a jornalista vai conseguir provar que encontrou o dito cujo, considerando todas as dificuldades de se realizar um trabalho do tipo no Irã quando se é mulher. Outro evento inesperado é como a opinião pública lida com a situação, numa demonstração evidente da involução dos países islâmicos, algo que Ali Abassi, iraniano radicado na Dinamarca, exibe com maestria.

Onde assistir: Netflix, Mubi e para locação e compra em Apple TV+.

A Separação (2011, Asghar Farhadi)

Esse foi reconhecido não só com um Oscar, mas com Globo de Ouro e Urso de Ouro em Berlim, entre outros prêmios. A Separação conta a história de um casal que segue rumos distintos porque a esposa quer tirar a família do Irã e o esposo sente que não consegue dar o mesmo passo, principalmente por ter de cuidar do pai com Alzheimer. O caldo entorna de vez quando o marido passa a responder por uma acusação de violência por ter empurrado uma empregada doméstica que trabalhava grávida.

O casal que se divorcia no filme de Asghar FarhadiO casal que se separa no filme de Asghar Farhadi (Foto: Divulgação Imovision)

Boa parte da ação do filme acontece em acareações que mostram muito bem a precariedade do sistema judicial do Irã. Os debates infindáveis sobre culpa no episódio de violência são angustiantes e resvalam muitas vezes no código de honra dos homens e em juramentos religiosos – tudo misturado, nada laico. Você termina o filme dando graças a Deus por morar no Brasil, por mais que o nível da nossa justiça pareça de quinta categoria. No Irã, é de décima-quinta.

Onde assistir: Reserva Imovision.

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