Ouça este conteúdo
A disputa pelo Oscar de Melhor Documentário em Longa-metragem tem um representante do balacobaco. Trilha Sonora para um Golpe de Estado, do diretor belga Johan Grimonprez, não se contenta em relatar o que foi o processo de independência da República Democrática do Congo. O filme relaciona as turbulências no país africano, que segue como um dos mais pobres do planeta (apesar das impressionantes reservas naturais), com o jazz de lendas como Louis Armstrong e Max Roach, que tiveram sua parcela de envolvimento nesse que é um dos rolos mais cabulosos da Guerra Fria.
Pela forma como foi editado, Trilha Sonora para um Golpe de Estado não é recomendado para todo tipo de público. O documentário, em cartaz no país em salas de cinema mais alternativas, exige que o espectador esteja minimamente familiarizado com o tema, pois os fatos que antecedem e sucedem o assassinato do primeiro-ministro Patrice Lumumba são apresentados de forma desgovernada na telona, com solos e improvisos de jazz fazendo a cama sonora. Quem sair atordoado da experiência também pode fazer suas pesquisas sobre a Crise do Congo depois da exibição. Mas o filme faz mais sentido para quem já tem alguma base ou se interessa por geopolítica.
Na virada dos anos 1950 para os 1960, o cenário da República Democrática do Congo, que por um longo período também foi conhecida como Zaire, não era muito diferente do de outras nações africanas. Os cidadãos buscavam independência (no caso, da Bélgica) e depositavam suas esperanças em líderes populares, sendo Lumumba o mais proeminente. Tanto que ele foi eleito em 1960, mas enfrentou tremendas dificuldades para exercer o poder num país cindido por facções, algumas delas vendo no representante eleito uma ameaça comunista.
Influência do jazz
A transição de poder no Congo foi amplamente contaminada pelas disputas entre americanos e soviéticos pelo controle na região. Muitos debates inflamados na ONU trataram dessa questão acerca do país africano, parte deles recuperados pelo documentário de Grimonprez. O Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética Nikita Khrushchev ganha bastante destaque nas cenas das assembleias, com seu modo de se expressar performático e um carisma que conquistava até os adversários. Como o cineasta belga faz esse link entre política e jazz, alguns frames transformam esses personagens burocráticos em capas de discos, utilizando a linguagem de gravadoras famosas, como a Blue Note.

Esse vínculo com o jazz só é possível porque certos ícones do estilo foram de fato tragados para o conflito. Louis Armstrong foi enviado com seu trompete para fazer uma turnê pela África exatamente quando Lumumba foi sequestrado – e ficou desapontado ao descobrir que tinha sido usado pelos Estados Unidos para desviar a atenção da treta em curso. Já o baterista Max Roach e a cantora Abbey Lincoln invadiram o Conselho de Segurança da ONU para protestar quando descobriram que o primeiro-ministro do Congo havia sido assassinado.
A música desses grandes artistas negros faz toda a diferença em Trilha Sonora para um Golpe de Estado. Quando a situação escala e a morte de Lumumba se torna iminente, sons desenfreados de bateria preenchem o filme, aumentando a tensão e angústia do que será apresentado na sequência. Em alguns momentos, parece até que o trabalho é uma sobreposição de videoclipes em preto e branco que apenas usam a disputa no Congo como pano de fundo para uma manifestação artística experimental. Mas quem for capturado pelo documentário certamente aplaudirá se o mesmo for agraciado com uma estatueta em 2 de março. Em termos estéticos, ele paira acima da concorrência. E isso é graças à influência do jazz.
- Trilha Sonora para um Golpe de Estado
- 2024
- 150 minutos
- Indicado para maiores de 14 anos
- Em cartaz nos cinemas