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A hipótese da recessão técnica |
A hipótese da recessão técnica| Foto:

Retração abrupta abre espaço para retomada

A previsão de que o Brasil já esteja em recessão técnica precisa ser vista com ressalvas. A primeira é que parte importante da retração no fim de 2008 pode ter sido uma correção de estoques. Diversos setores, entre eles o de automóveis e de mineração, reduziram a produção para diminuir a quantidade de produtos à espera de compradores. Aos poucos, essas indústrias podem retomar as atividades, em ritmo maior do que o de dezembro, mas abaixo do que se via até o terceiro trimestre de 2008. Se isso ocorrer, aumentam as chances de haver uma pequena expansão da produção industrial no primeiro trimestre de 2009.

Diz a economista-chefe do banco ING, Zeina Latif: "No meu cenário básico, a recessão técnica não deve ocorrer porque o ajuste no fim de 2008 foi muito abrupto, de curto prazo, com chance de recuperação no primeiro trimestre." Para ela, o peso da indústria automotiva no PIB explicaria a força do recuo nos últimos meses de 2008 – nas contas de Zeina, houve uma retração de 2% no último trimestre, o que puxou o resultado anual para uma expansão de 5,3%, abaixo dos 5,6% previstos pelo Banco Central. "A chance de haver outra queda trimestral no começo do ano, porém, aumentou principalmente porque não se sabe até onde vai o ajuste de estoques e qual o efeito real sobre o mercado de trabalho."

Francisco Pessoa, economista da LCA Consultores, traça um raciocínio parecido. Ele ainda mantém a previsão de que a economia brasileira crescerá 3% em 2009 e diz que, como a queda no fim de 2008 foi muito forte, não seria de se estranhar um crescimento nas vendas no começo de 2009. "Está claro que será um primeiro trimestre fraco porque o cenário externo continua ruim, afetando as exportações. Mas também tem o outro lado, há investimentos em curso, com recursos garantidos, e o salário mínimo vai ter aumento real", pondera.

Outra ressalva é que recessões técnicas fazem parte dos ciclos econômicos, nem sempre são evitáveis. "O conceito é um sinalizador da direção da economia, mas é preciso ser contextualizado", diz o economista Luciano Nakabashi, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "O crescimento brasileiro foi puxado pelo resto do mundo, pelo desempenho da China, Europa e Estados Unidos. Temos que olhar as outras economias para ver se nossa taxa de crescimento poderá subir novamente."

Na avaliação de Nakabashi, o movimento de desaceleração deve continuar no primeiro semestre de 2009, com o recuo nos investimentos e no consumo de bens duráveis. (GO)

Os dados ruins mais recentes sobre a economia brasileira aumentaram a probabilidade de o país entrar em recessão técnica – quando são registrados dois trimestres consecutivos de queda no Produto Interno Bruto (PIB). A retração no último trimestre de 2008 já é consenso entre analistas porque os números da produção industrial foram muito negativos entre outubro e dezembro. Bancos, corretoras e consultorias, como Bradesco, Morgan Stanley e MB Associados, já trabalham com um cenário de contração nos três primeiros meses de 2009. A projeção deve se confirmar dentro de dois ou três meses, quando aparecerem as informações sobre a produção e o emprego nas primeiras semanas do ano.

O critério de que uma economia entra em recessão quando passa por dois trimestres de retração é apenas uma convenção. Serve como um aviso de que há de fato um ciclo de baixa e não uma correção temporária na produção de bens e serviços. Nos últimos 12 anos, o Brasil passou três vezes por recessões técnicas. Entre 1998 e 1999, o PIB caiu por três trimestres seguidos e o país enfrentou dois anos em que o crescimento foi levemente acima de zero.

Em 2000, o Brasil voltou a apresentar crescimento robusto, acima de 4%, mas a bonança foi cortada no segundo trimestre de 2001, quando o apagão elétrico roubou pontos preciosos do PIB. Naquele ano, foram três trimestres no vermelho e um resultado final pífio de 1,3%. Dois anos mais tarde, sob o impacto de uma desvalorização cambial no segundo semestre de 2002 e de uma elevação nos juros, a recessão técnica voltou a aparecer, carregando o crescimento de 2003 para perto de 1%.

A recessão ocorre quando a economia passa a produzir abaixo de seu potencial ao longo do tempo – o que causa o aumento da capacidade ociosa e do desemprego. É para esse caminho que apontam dados recentes do Brasil e, para os mais pessimistas, o processo continuará por mais um ou dois trimestres. "O mundo está em recessão, o fluxo de comércio está caindo, o crédito está se contraindo, a confiança de empresários e consumidores está em baixa. Isso tudo atinge muito rapidamente a produção", diz José Márcio Camargo, economista-chefe da Opus Gestão de Recursos e professor da PUC-RJ. "É muito provável que a queda do PIB no quarto trimestre tenha sido significativa e que a tendência permaneça no primeiro trimestre [de 2009]."

Os sinais de que a retração é mais forte do que o imaginado quando a crise começou, em setembro, aparecem agora. A produção industrial em novembro teve queda de 6,2% em relação ao mesmo mês do ano anterior, a maior desde 2001. Para dezembro, há estimativas de uma redução entre 8% e 10%. Pesquisa da Fundação Getulio Vargas que serve como indicador de tendência, divulgada na semana passada, mostra que a indústria paulista recuou 12,6% em dezembro, na comparação com dezembro de 2007.

Outro indicador importante para a indústria, a venda de papelão ondulado caiu 4,5% em dezembro, em relação ao mesmo mês de 2007. "Dizemos que o setor é um termômetro da economia porque o papelão embala 65% de tudo que é transportado. A queda foi influenciada fortemente pela menor demanda de exportadores", explica Paulo Sérgio Peres, presidente da Associação Brasileira de Papel Ondulado (ABPO). Na mesma comparação, a geração de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional caiu quase 5%. Puxando a indústria para baixo, a produção de veículos caiu para 102 mil unidades, metade da vista no último mês de 2007. Mesmo com o fôlego dado pela redução de impostos, as vendas do setor automotivo, que tem um estoque para mais de 30 dias, continuam abaixo do que eram antes da crise.

"Notamos agora que a crise atingiu primeiro os setores que estavam puxando a produção e o emprego no Brasil, como mineração e as montadoras. Eram líderes e agora estão sofrendo", diz o economista Rogério César Souza, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). O problema, segundo ele, é que outros segmentos que poderiam ganhar com a desvalorização cambial e que estavam demitindo antes da crise dificilmente vão segurar a economia no curto prazo. É o caso da indústria da madeira, que perdeu mercado por causa do câmbio e que agora não encontra demanda. Entram nessa lista as áreas de têxteis e calçados.

O resultado dessa combinação de queda nos setores que eram mais dinâmicos até setembro e de apatia nos segmentos que perderam com o câmbio é que o impacto da crise chega rapidamente ao emprego. Em novembro, foram fechados 40 mil postos de trabalho e admite-se que o corte em dezembro chegou a 650 mil vagas, o dobro do normal. "Há diversos fatores que jogam para baixo as expectativas. É grande o risco de haver mais deterioração no primeiro trimestre", completa Souza.

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