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Imagem enviada por usuário do Twitter e reproduzida por agência de notícias | AFP
Imagem enviada por usuário do Twitter e reproduzida por agência de notícias| Foto: AFP

Comunicação à prova de ditadores

Se houvesse um manual dos golpes de Estado e das guerras, o primeiro capítulo trataria da ocupação das emissoras de rádio e televisão e da censura aos jornais. Esse sempre é o primeiro passo de qualquer movimento, necessário para controlar as informações, transmitir suas ordens, impedir a formação de uma rede de contatos da resistência. Com a internet e seus sucedâneos, isso se tornou muito mais difícil.

Nos primórdios, o que hoje é a internet foi concebido como um projeto militar, que tinha o objetivo de criar uma forma de comunicação tão descentralizada que seria impossível abatê-la.

A inteligência americana queria ter certeza de que poderia continuar operando mesmo que um ataque nuclear acabasse com seus centros de comunicação. Quando passou para uso civil e popularizou-se, a internet tornou-se uma arma importantíssima para a liberdade de expressão.

No ano passado, quando Israel fechou o acesso à Faixa de Gaza, as únicas informações vinham de blogueiros que usavam as poucas horas em que havia energia elétrica para enviar relatos e fotos e carregar seus celulares – por meio dos quais recebiam ligações de jornalistas, impedidos de entrar na região. No Irã, situação semelhante se repete.

Outros países, como a Coréia do Norte e a China, têm mantido ainda a repressão à livre circulação de informações pela internet. Os chineses recentemente obrigaram todos os computadores vendidos no país a incluírem um filtro de navegação – oficialmente, para coibir o acesso à pornografia. A oposição a medidas desse gênero, no entanto, é unânime.

Definitivamente, a internet tornou mais difícil a vida dos ditadores.

  • Iraniana usa celular em meio a passeata: autoridades derrubaram redes de telefonia e bloquearam servidores para conter protestos
  • Dormitório destruído na Universidade de Teerã, em foto enviada via Twitter

Londres - Por volta das 15h30 da terça-feira passada (hora de Teerã), um estudante iraniano com o nickname Fair_vote_Iran escreveu a seguinte mensagem na sua página no Twitter: "Basij [a força paramilitar do governo] está atrás de nós. Dormi na rua noite passada. A maior parte da cidade está sem luz". Momentos depois ele acrescentou: "5 mortos no dormitório feminino". Depois, "Asad está morto & não sei onde está Mohsen. nos perdemos na multidão ontem".

Ao longo da noite ele continuou a twittar, descrevendo numa mistura de eventos aterrorizantes e absurdos – como seu amigo ligou e avisou que estava bem, mas seu pai continuava desaparecido; como outro amigo foi ferido nos protestos, teve dificuldades para ir ao hospital e acabou preso quando chegou lá; como seus exames na faculdade prosseguiram como se nada estivesse acontecendo. Também está nos posts a sua constante preocupação com o acesso à tecnologia: "Está quase impossível usar o Twitter"; "Não consigo entrar em contato com ninguém... os celulares estão fora do ar de novo".

Como os jornalistas estrangeiros tiveram suas licenças de trabalho canceladas e foram expulsos do Irã ou ficaram confinados aos seus quartos de hotel por ordem das autoridades, usuários da web por todo o mundo voltaram-se para seus colegas no Irã. Por meio de blogs, do You Tube e de redes sociais, eles se encarregaram de disseminar informações que, de outra forma nunca atingiriam uma ampla audiência. Um outro usuário, aparentemente ligado ao candidato de oposição à presidência iraniana, Mir Hossein Mousavi, descreve bem a situação. "Todo mundo está tentando filmar no celular tudo o que pode. Esses são os olhos do mundo", diz.

Vídeos captados e enviados por telefones móveis e fotos em baixa definição foram copiados por blogs e sites noticiosos. A mídia tracicional, com seus correspondentes impedidos de trabalhar, se valeram do material gerado pelos usuários para contornar a censura. Se o tsunami de 2004 foi o momento em que os blogs desembarcaram no noticiário, as eleições do Irã serão lembrados como a crise do Twitter. A rede social, que permite aos usuários postar mensagens (apelidadas de "tweets") de até 140 caracteres, mostrou-se perfeitamente adaptada a uma situação delicada e que envolveu uma intensa sede por informação em tempo real.

Na verdade, o site esteve no coração da resistência iraniana desde o dia das eleições (sexta-feira, 12 de junho), a ponto de a empresa, baseada em San Francisco, ter concordado em adiar uma operação de manutenção, agendada para a segunda-feira passada. A manutenção tornaria o sistema indisponível por algum tempo, e por isso foi adiada até a madrugada – pelo horário de Teerã, não dos Estados Unidos, como de hábito. Em sua justificativa, a empresa citou "o papel que o Twitter está está desempenhando como uma importante ferramenta de comunicação no Irã".

De fato, isso pode ser constatado em mensagens dos próprios iranianos. "Não dê atenção a nenhum aviso de que a passeata de hoje foi cancelada. Mantenha a calma e não brigue com os basijs", escreveu um usuário, na tarde de terça. Mais tarde: "A passeata começou. Silenciosa, calma e pacífica. É o que nós todos queremos". Às 10 da noite ele escreveu que várias pessoas estavam recebendo mensagens automáticas feitas para assustar, dizendo "Você participou dos protestos".

A represália tecnológica das autoridades iranianas foi corajosa. Embora a internet seja mais difícil de bloquear do que a telefonia móvel, os censores passaram o dia fechando o acesso a vários servidores por onde o Twitteer era acessado, obrigando os usuários do país a confiarem em servidores paralelos, muitos deles fora do país.

Usuários de todo o mundo reagem com campanha pró-Irã

Twitteiros de todo o mundo reagiram alterando suas próprias contas para sugerir que estavam em Teerã e iniciando a campanha "Going green for Iran" – alterando as fotos de seu perfil para a cor verde, símbolo da oposição do país. Outros ainda estão reenviando endereços de servidores alternativos, apesar dos apelos dos iranianos, que viram os servidores serem derrubados pouco tempo depois. Houve relatos de bloqueios aos serviços de mensagens instantâneas e também a sites como Yahoo e Gmail. Microsoft e Yahoo suspenderam seus serviços no Irã em protesto contra os bloqueios.

Tudo isso deixou nervosos muitos usuários da web. Várias páginas do Twitter que atraíram muito tráfego foram desativadas pelos usuários, e vários deles têm pedido que seus usernames não sejam publicados (os nomes citados nesta reportagem foram alterados).

O estilo "mutante" do site provou ser um grande desafio na crise atual. É quase impossível ter certeza da proveniência inclusive de páginas que parecem oficiais. Por isso, a mídia tradicional que tem usado material do Twitter tem tido extremo cuidado. Da mesma forma, os usuários percebem esse risco. Rumores na semana passada davam conta que algumas páginas simpáticas à "revolução verde" estavam sendo, na verdade, mantidas por autoridades, como forma de identificar os adversários. "O número de IDs falsos está rescendo", twittou uma usuária. "Tem gente espalhando mentiras para tentar promover a divisão dos aliados de Mousavi. Iranianos, tomem cuidado."

Tradução: Franco Iacomini

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