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Para Carlos Rittl, sucesso do acordo depende do ritmo e eficiência dos signatários. | Câmara dos Deputados/Antonio Araújo
Para Carlos Rittl, sucesso do acordo depende do ritmo e eficiência dos signatários.| Foto: Câmara dos Deputados/Antonio Araújo

O acordo para deter as mudanças climáticas aprovado em dezembro em Paris abre uma nova perspectiva sobre como o mundo deve lidar com o aquecimento global. A sinalização para empresas e investidores é a de que haverá um esforço para a construção de uma matriz energética mais limpa, abrindo oportunidades de negócio. Para o secretário executivo do Observatório Clima, Carlos Rittl, o ritmo e a eficiência desse esforço vão depender de como os países signatários vão se comportar nos próximos anos. Na seguinte entrevista, concedida por e-mail à Gazeta do Povo após participar da COP-21 em Paris, ele explica que a meta estipulada é mais ambiciosa do que as propostas de cortes de emissões apresentadas. Por isso, a implementação do acordo dependerá do engajamento dos países para a adoção de cortes maiores em suas emissões e a adoção de políticas condizentes com o objetivo de se manter o aquecimento do globo abaixo dos 2°C, em comparação com a temperatura pré-industrial.

Muitas das obrigações do acordo de Paris são globais, ou seja, todos devem fazer mais, seja em mitigação ou financiamento climático

O acordo é tido como histórico. Ele realmente abre o caminho para a descarbonização da economia?

O acordo de Paris é um marco na história do regime internacional de clima e irá vigorar por muito tempo, por décadas à frente. Os investimentos voltados para a tecnologia limpa e produção de baixo carbono já vinham se intensificando nos últimos anos, mesmo na ausência de um marco internacional. Com a aprovação do acordo, deverá se acelerar o processo de descarbonização da economia mundial. Não sem grandes desafios. Mas será mais rápido do que o que já vinha ocorrendo.

Quais os principais desafios para esse processo de descarbonização? Desenvolvimento tecnológico, investimentos ou regulação?

Tudo depende de uma sinalização clara dos governos nacionais sobre a direção de suas políticas, planos e investimentos. O maior desafio é o maior engajamento dos países para o cumprimento dos objetivos gerais do acordo. Muitas das obrigações do acordo de Paris são globais, ou seja, todos devem fazer mais, seja em mitigação ou financiamento climático. Mas por ora não há processo para avaliação individual da adequação dos compromissos de cada país, para indicar de onde deve vir maior ambição climática. Além disso, é necessário que cada país comece a elaborar seus planos de desenvolvimento com mudanças climáticas como aspecto estratégico, crítico, seu do ponto de vista dos riscos ou das oportunidades.

Serão necessários instrumentos de mercado como a taxação do carbono ou a melhoria de instrumentos de comercialização de créditos de carbono? É possível que esses mecanismos funcionem sem estarem em um grande acordo internacional?

Uma taxação global de carbono é pouco provável, mesmo após a aprovação do acordo de Paris. Mas em âmbito nacional, em escala de países ou regiões, este e outros mecanismos de precificação de carbono tendem a ser estabelecidos e fortalecidos, o que não será operado de forma subordinada à Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU, mas terá papel importante para avançar ações mais efetivas e de menor custo. O Brasil está analisando qual o melhor modelo de precificação de carbono que poderia funcionar por aqui, um trabalho coordenado pelo Ministério da Fazenda e que faz parte de uma iniciativa liderada pelo Banco Mundial para ajudar os países nos preparo de seus mercados de carbono. No âmbito do acordo de Paris, aprovou-se a criação de um novo mecanismo de mercado, uma proposta do Brasil e da União Europeia, o que deve se conectar com os mercados nacionais, gerando efeitos interessantes em escala global e nos países.

O horizonte de ação do acordo ainda parece muito dilatado, com reduções ainda lentas diante do alvo de 2°C ou menos. Quais as chances de as metas de redução ficarem mais restritivas nos próximos anos?

O norte foi dado pelo acordo. Cabe agora cobrar dos governos que adequem suas promessas à lógica do 1,5°C de limite de aquecimento global. Muitos países – dentre eles o Brasil – não consideraram este limite na construção de suas propostas de metas para as pretendidas contribuições nacionalmente determinadas

(INDCs), e na sua própria análise do nível de ambição das metas propostas. Cumprir com o que foi acordado em Paris começa pela adequação dos compromissos dos países para 2025 e 2030, pois sabemos que as metas propostas nos levam para um mundo pelo menos 3°C mais quente. A própria Convenção irá realizar análises sobre o impacto agregado das INDCs antes de 2020 e um estudo sobre o que poderia acontecer com um aquecimento global que ultrapassa os 1,5°C. Mas as respostas dos países a todas estas cobranças é voluntária. E este é o ponto mais frágil de muitas das provisões do acordo.

Como o senhor avalia o papel da iniciativa privada? É um movimento já forte o suficiente para acelerar a redução de emissões, mesmo em emergentes como China e Índia?

O setor privado tem-se engajado cada vez mais no debate sobre mudanças climáticas. À exceção de alguns setores, como o dos combustíveis fósseis, condenados à “extinção” pelo objetivo de 1,5°C de limite de aquecimento global, quase todos têm se engajado de forma crescente no debate, pois já perceberam que mudanças climáticas é uma questão-chave para a análise dos riscos de seus investimentos e o seu enfrentamento traz muitas oportunidades, de aumento de eficiência, por exemplo. Trata-se de uma questão que, se não levada em conta e de forma estratégica, ameaça a competitividade e própria sobrevivência dos negócios. China e Índia, embora estejam em crescimento rápido de suas economias e de suas emissões, são países que direcionam investimentos em escala para, por exemplo, energia limpa, como a solar. Nos próximos 8 a 10 anos, serão os países com maior capacidade instalada de energia solar no mundo.

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