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Adesão do Brasil à OCDE tende a ficar em segundo plano no governo Lula| Foto: André Borges/EFE

A entrada do Brasil como membro pleno da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não é prioridade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a julgar por declarações de integrantes do governo.

A adesão ao "clube dos países ricos" sempre apareceu entre os principais objetivos do governo de Jair Bolsonaro (PL) e, após anos de tratativas, o Brasil foi convidado a iniciar as negociações formais em janeiro de 2022. A estimativa era de que, a partir dali, o processo de adesão poderia durar de três a cinco anos.

A posição do novo governo sobre o ingresso na organização tem sido cobrada pelo mercado desde o período de transição, no fim de 2022. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se encontrou com representantes da organização durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça). Saiu da reunião falando em "eventual participação" e afirmando que Lula ainda tomará uma decisão sobre o assunto.

Haddad disse que já há um grupo de trabalho formado para estudar a participação do país tanto na OCDE quanto na presidência rotativa do Mercosul ainda neste ano; do G20 (grupo das 20 maiores economias) a partir de dezembro; e dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no ano que vem.

“Esse grupo de trabalho vai apresentar os termos de uma eventual participação [na OCDE] para que o Ministério da Fazenda possa subsidiar o presidente na definição da decisão que ele tomar. Podem surgir pleitos da nossa parte, não existe nenhum impedimento para que o Brasil pleiteie uma adesão em conformidade com os seus interesses. Não há uma rigidez que é tudo ou nada, há espaço para a discussão”, disse o ministro.

Haddad afirmou que o Brasil já participa de algumas das discussões desde quando ele era ministro da Educação, nos dois primeiros governos de Lula, e que a aproximação com a OCDE vem acontecendo naturalmente.

No fim do ano passado, durante a transição de governo, o então indicado a ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse que a adesão do Brasil à organização já estava bastante adiantada e que havia “pontos positivos e importantes” a serem avaliados.

Embora tenha ficado conhecida como um "clube dos ricos", já que durante muito tempo os únicos "sócios" eram economias desenvolvidas, a OCDE é mais precisamente um fórum que discute e promove as melhores práticas em políticas públicas. Os países-membros – hoje são 38, incluindo alguns em desenvolvimento, como México, Chile e Colômbia – se comprometem a adotar tais práticas e têm ambientes de negócios vistos como mais amigáveis ao empreendedorismo e aos negócios internacionais.

O Chile foi a primeira nação sul-americana a ingressar no grupo, em 2009, na mesma época em que o então ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, começou a ensaiar uma aproximação com a organização. “Uma decisão que demonstra confiança e estabilidade”, disse a então presidente chilena, Michelle Bachelet, quando seu país foi aceito no "clube".

"Antes de qualquer convite para ingressar na organização como membros, serão necessárias mudanças na legislação, na política e nas práticas adotadas dos países candidatos para alinhá-los com os padrões e melhores práticas da OCDE", afirmou a instituição ao fazer o convite formal ao Brasil no início do ano passado.

OCDE recomenda ao Brasil reformas e mais eficiência no gasto público

Na economia, as recomendações da organização geralmente envolvem alinhamento aos ideais de livre mercado, limitação da atuação direta do Estado na atividade econômica e busca por mais eficiência nos gastos públicos.

No fim de 2020, por exemplo, a OCDE recomendou que o Brasil revisasse "as estruturas de remuneração dos funcionários públicos, os subsídios ineficazes, regimes fiscais especiais e os gastos tributários [renúncias fiscais]". Ao mesmo tempo, o relatório recomendava aumentar os benefícios e acelerar as concessões do programa Bolsa Família. "O desafio reside em gastar melhor em vez de gastar mais", afirmou o então secretário-geral da organização, Angel Gurría.

Em novembro passado, a OCDE reiterou essas recomendações, afirmando que o Brasil precisará fazer reformas para reduzir a rigidez do orçamento, restaurar a credibilidade das contas públicas e melhorar a eficiência dos gastos do governo, de forma a abrir espaço para mais investimentos em infraestrutura.

No entanto, além de ter restrições ao livre mercado e defender uma ampliação do papel do Estado na economia, o novo governo quer alterar a Lei das Estatais para, assim, retomar a indicação de políticos e aliados para essas empresas, o que pode dificultar a adesão à organização.

A Lei das Estatais foi alvo de elogios pela OCDE justamente por inibir interferências político-partidárias. "A proibição para indicação de políticos e outros indivíduos em conflito de interesses provou ser bem-sucedida na redução de algumas formas de apadrinhamento político usando cargos de conselheiros e executivos", afirmou documento publicado em 2020.

Líderes do PT criticaram adesão do Brasil à OCDE

No passado, líderes do PT criticaram o que seria uma “rigidez” nos termos de adesão do Brasil à OCDE. Em meados de 2019, o senador Jean Paul Prates (PT-RN), indicado por Lula à presidência da Petrobras, afirmou que “as vantagens não superam as desvantagens”. A fala ocorreu ao requerer audiência pública após Bolsonaro ter obtido apoio do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, à candidatura do Brasil para ingresso na organização.

Dias antes, a então secretária de relações internacionais do PT, Monica Valente, afirmou, em crítica às políticas liberais de Bolsonaro, que a "adesão plena implicaria na obrigação de mudanças constitucionais liberalizantes que impactariam negativamente a economia brasileira".

Segundo ela, haveria "retirada de proteções e perda de vantagens que lhes são garantidas por sua condição de país em desenvolvimento, além do abandono da autonomia para definir suas políticas e incentivar a desindustrialização". Monica participou do grupo de trabalho de relações internacionais durante a transição do novo governo Lula.

País adotou boas práticas nos últimos anos, mas adesão plena à OCDE teria mais vantagens

O Brasil é hoje o país não membro da OCDE mais próximo da organização, "adotando um número recorde de suas diretrizes e recomendações", afirma Leonardo Paes Neves, analista do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV), em estudo sobre as vantagens e desvantagens da adesão ao grupo publicado em 2021 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam que, mesmo que o Brasil desista ou desacelere seu processo de adesão à entidade, ainda é possível progredir – desde que haja interesse do governo – com a agenda de desburocratização e a implantação de boas práticas que ganhou velocidade no governo Bolsonaro.

O cientista político Christopher Mendonça, doutor em ciência política pela UFMG e mestre em relações internacionais pela PUC Minas, diz que o Brasil já tem o status de "membro observador" da entidade, o que permitiu ao país acesso a estudos e fóruns de boas práticas adotados por outros países que inspiraram mudanças implantadas por aqui nos últimos anos, como a desburocratização de serviços públicos, a digitalização de procedimentos e a implantação de novos marcos regulatórios.

No entanto, ter o “selo” de membro pleno da organização seria ainda mais vantajoso. “Obviamente que sairíamos muito melhor se participássemos efetivamente da OCDE, abrindo mais a economia com uma menor interferência do Estado, que é o que caracteriza as economias liberais. Isso nos ajudaria a ampliar o PIB e a participação no comércio internacional”, diz Mendonça.

Segundo Paes Neves, as instituições financeiras internacionais veem com bons olhos o compromisso que os países-membros têm ao adotar as boas práticas preconizadas pela OCDE. Esse movimento, analisa, pode ser relevante para a consolidação de um ambiente mais favorável aos negócios.

“A modernização de instrumentos e políticas que aumentem a transparência e lidem com a corrupção está entre as prioridades da OCDE, pois seus efeitos deletérios tendem a impactar negativamente todas as outras medidas de melhora das políticas públicas nacionais”, aponta Paes Neves em seu estudo.

Em meados de dezembro do ano passado, o Ministério da Economia divulgou um estudo que mostra os avanços feitos desde 2019 para adotar procedimentos utilizados nas nações mais importantes da organização para o aumento da competitividade e da produtividade no setor produtivo, com foco nas políticas liberais de desburocratização.

“Ao aproximar e harmonizar nossa legislação às melhores práticas internacionais no campo do comércio exterior, o país avança ainda mais em direção à acessão à OCDE”, diz um dos trechos do estudo. A avaliação é de que a adoção de novas políticas mais liberalizantes ajudou a reduzir o chamado “custo Brasil”, que retirava de circulação cerca de R$ 1,5 trilhão ao ano em processos e taxas, o equivalente a 22% do PIB nacional em 2019.

Para Paes Neves, a adesão do Brasil ao grupo pode trazer uma nova configuração à própria organização. A presença do país entre seus membros plenos “poderia deixá-lo mais bem posicionado, de modo a influenciar as futuras recomendações da organização, oferecendo ao país mais espaço para defender temas do seu interesse”.

“Ademais, o aumento de países em desenvolvimento na OCDE poderia ter o impacto colateral positivo de inserir, cada vez mais, a perspectiva dos países em desenvolvimento nos seus debates internos, de maneira que seus padrões e diretrizes tendam a levar em conta as especificidades desses países”, completa.

O analista observa, em seu estudo, que a adesão de países latino-americanos à organização ficou mais flexível com o tempo. O México, que entrou para o grupo em 1994, foi obrigado a deixar o G77, uma coalizão de nações em desenvolvimento. O mesmo não foi exigido dos países que entraram mais tarde – Chile (2009), Colômbia (2020) e Costa Rica (2021). Paes Neves acredita que o Brasil também teria essa flexibilidade, principalmente por sua relevância no comércio internacional.

Uma adesão plena – mas flexível – à OCDE teria o diferencial de permitir ao Brasil fazer acordos bilaterais com nações que ainda estão em desenvolvimento, um compromisso de campanha do presidente Lula.

“O que a gente imagina daqui para a frente é uma repetição do que houve nos mandatos anteriores de Lula, com uma visão muito mais horizontalizada, que prioriza os países da região. A Argentina é o nosso principal parceiro comercial, e a expectativa é de um fortalecimento do Mercosul e dos Brics”, diz o cientista político Christopher Mendonça.

Essa agenda ficou muito clara na visita de Lula à Argentina, quando Lula e o presidente argentino, Alberto Fernández, anunciaram discussões para a criação de uma moeda comum. O brasileiro também prometeu financiamento do BNDES ao país vizinho.

Benefícios não são automáticos e país deve refletir sobre quanto vai ceder, diz analista

Paes Neves diz em seu estudo que há "benefícios evidentes" na adesão à OCDE, mas pondera que eles não são "automáticos". Ele defende "um amplo e moderado debate a respeito de quais condicionalidades estaremos dispostos a ceder em nome da filiação". O analista diz que o país precisa ponderar se aceita se comprometer com todos os padrões da entidade, "mesmo que eles venham a interferir na nossa capacidade de investir no nosso desenvolvimento".

No campo dos negócios internacionais, há quem entenda que a adesão à OCDE é menos importante que uma participação mais efetiva em outros fóruns. “É muito mais importante o Brasil ter uma voz ativa no G20, por exemplo, na própria Organização Mundial do Comércio (OMC), ter parcerias extra-Mercosul, com países da União Europeia, enfim. Não mudaria muito aderir ou não à OCDE”, avalia Roberto Georg Uebel, doutor em estudos estratégicos internacionais pela UFRGS e professor de relações internacionais da escola de negócios da ESPM.

Cenário de ajuste fiscal pode prejudicar adesão

O cenário atual de desaceleração econômica e ajuste fiscal pode afetar a continuidade do processo de adesão do Brasil. Leandro Pereira Morais, doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e professor de Economia da Unesp de Araraquara (SP), vê a filiação como um bom caminho que pode ter alguma dificuldade no curto prazo.

Para Morais, ainda há muito o que se arrumar internamente para se alinhar às nações mais desenvolvidas, principalmente na questão tributária. Além de encarecer produção e consumo, o emaranhado de impostos, taxas, contribuições e regras torna o ambiente de negócios instável e imprevisível, principalmente para empresas estrangeiras que queiram se instalar no país.

“No momento em que estamos discutindo reforma tributária, necessidade de se fazer ajuste fiscal, de se incrementar os cofres públicos, essa adesão não seria muito positiva", diz Morais, observando que ainda há muitas dúvidas sobre como será o ajuste fiscal, a reforma tributária e outros.

Moraes cita como exemplo a desoneração gradual do IOF do câmbio, estabelecida por decreto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e cuja manutenção é incerta em meio à intenção do governo Lula de elevar a arrecadação. A eliminação do imposto até 2029 foi um compromisso do país com a OCDE.

Instabilidade política nos países da América Latina acendeu sinal de alerta na OCDE

Desde que a OCDE decidiu abrir o “clube” para a América Latina, em meados da década de 1990, as constantes trocas de governo entre direita e esquerda e as instabilidades geradas por elas acenderam o sinal de alerta na OCDE, diz Uebel, da ESPM.

“Há uma certa ressalva com a adesão de novos membros porque, quando se troca um governo, troca toda a estrutura política do país, a forma de governar e a participação na economia. A OCDE está atenta a essas mudanças que vêm acontecendo no México, no Chile, no Brasil e na Turquia, que também passou por isso”, diz.

Outro candidato latino sob a atenção da OCDE é o Peru, que teve sete presidentes em pouco mais de seis anos. A atual mandatária, Dina Boluarte, vem sendo pressionada a renunciar ao cargo, com protestos diários desde o fim de 2022.

No entanto, Uebel afirma que o Brasil difere dos vizinhos latino-americanos. Para ele, o governo Lula está mais para o centro, com uma frente ampla, do que exatamente para a esquerda. Apesar de Lula ter suspendido privatizações, há a expectativa de se continuar concedendo portos, aeroportos e rodovias à iniciativa privada. Para o professor, a relação mais diplomática do presidente com os outros países também coloca o Brasil em uma posição mais favorável que os vizinhos.

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