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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente Lula: decisões que o governo deve tomar em breve tendem a afetar a economia brasileira em todo o mandato do petista.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente Lula: decisões que o governo deve tomar em breve tendem a afetar a economia brasileira em todo o mandato do petista.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As primeiras semanas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm sido atribuladas, ocupadas por declarações e desmentidos sobre temas econômicos e os desdobramentos das invasões às sedes dos Três Poderes.

O tempo corre contra o presidente. Na economia, definições aguardadas para logo tendem a ser decisivas para o desempenho do governo nessa área ao longo de todo o mandato. Entre elas estão:

  • a definição do novo arcabouço fiscal;
  • o encaminhamento das reformas;
  • a definição do papel do Estado na economia;
  • a estratégia para buscar o crescimento econômico; e
  • a política de preços dos combustíveis.

Definição do novo arcabouço fiscal

A principal preocupação no curto e médio prazo é o desenho de um novo arcabouço fiscal, que vai substituir o teto de gastos. Promulgada no fim de 2022, a proposta de emenda à Constituição (PEC) para furar o teto estabelece que o governo deve mandar a proposição de política fiscal ao Congresso até agosto. Nesta semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que pretende finalizar a proposta mais cedo, até abril.

Estimativas do antigo Ministério da Economia indicam que o governo federal fechou suas contas primárias no azul em 2022, o que não ocorria desde 2013, mas as projeções oficiais apontam – desde antes da eleição de Lula – para a volta do déficit primário em 2023.

As expectativas também são de aumento do endividamento público, revertendo a tendência dos últimos dois anos. Depois da explosão de gastos no combate à pandemia, a relação entre dívida bruta do governo e o Produto Interno (PIB) caiu praticamente sem trégua em 2021 e 2022, influenciada por aumento de arrecadação, receitas extraordinárias, retomada do crescimento econômico e também pela inflação elevada, que jogou para cima o PIB nominal.

Segundo o dado mais recente do Banco Central, em novembro a dívida equivalia a 74,5% do PIB, abaixo da verificada no fim do governo Temer (75,3% do PIB em dezembro de 2018). Porém, a mediana das projeções do mercado sugere que a relação subirá para perto de 80% até o fim deste ano, superando esse nível na sequência.

“Mesmo que a despesa pública se mantenha constante em relação ao PIB, a queda de receitas, os juros mais elevados e o menor crescimento levarão a um aumento da relação dívida/PIB, o que demandará uma estratégia de reversão”, apontam economistas do Bradesco.

Mas o cenário não deve ser de contenção das despesas, apontam analistas da XP Investimentos. Deve haver forte expansão de gastos em 2023 sem fontes de financiamento. A corretora calcula um excedente de R$ 210 bilhões, dos quais R$ 145 bilhões resultam da elevação artificial do teto por meio de emenda à Constituição; R$ 24 bilhões da diferença nas estimativas entre o IPCA estimado e o realizado; R$ 23 bilhões em investimentos fora do teto; R$ 17 bilhões referentes ao piso da enfermagem permitido fora do teto; e R$ 1 bilhão em receitas próprias que também foram excluídas do limite de gastos.

“A elevação de gastos a partir de 2023 sem fonte de financiamento deve resultar em déficits mais elevados, o que, por sua vez, afeta as perspectivas de sustentabilidade da dívida pública, as expectativas de inflação e as taxas de juros. Logo, consideramos que, com a manutenção das elevadas taxas de juro por período prolongado, a dívida pública crescerá substancialmente, atingindo 83,6% do PIB em 2024”, aponta a corretora.

Há temores quanto ao comportamento do governo. Segundo o gerente de portfólio do time de dívida de mercados emergentes de moeda forte da Janus Henderson, Thomas Haugaard, embora a ambiciosa proposta inicial de isenção do teto de gastos tenha sido significativamente diluída pelo Congresso, a proposta original do novo governo foi bastante agressiva, sinalizando menos prudência fiscal.

“A capacidade do Brasil reter a credibilidade fiscal é nosso foco principal nos próximos anos e implica que vemos mais risco negativo para risco de crédito”, diz ele.

Os analistas do banco MUFG Brasil veem uma divergência na agenda econômica de Lula, como na parte que prevê um maior gasto público em paralelo à manutenção das contas públicas em níveis sustentáveis.

“Apenas o tempo dirá como esta questão será encaminhada, especialmente porque, diferentemente de seus outros dois mandatos, o ambiente externo será desafiador e a economia está desacelerando após a recuperação da pandemia”, diz relatório do MUFG.

O banco lembra que o risco fiscal está fazendo com que o mercado comece a revisar as expectativas para a inflação e a taxa de juro. O espaço para a redução na taxa Selic em 2023 está se fechando: a mediana das projeções do mercado para a taxa ao fim deste ano passou de 11% em agosto para 12,5%, segundo o boletim Focus, do BC. Hoje a Selic é de 13,75% ao ano.

Ao mesmo tempo, as expectativas para a inflação em 2023 vêm aumentando. Elas começaram o ano passado em 3,42% e agora estão em 5,39%.

Encaminhamento e negociação das reformas

Outra discussão relevante neste início de governo é em relação às reformas estruturais. Há algum temor, no mercado, de que reformas como a trabalhista, implantada no governo Temer, ou a previdenciária, na gestão Bolsonaro, sejam reconsideradas.

O temor é fundamentado por declarações como a do ministro da Previdência, Carlos Lupi, de que pretendia rever a reforma instituída pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2019, depois desautorizada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa. A fala de Lupi foi mal recebida pelo mercado financeiro, com bolsa caindo e dólar e juros subindo.

Haugaard aponta que, embora mudanças nas reformas devam ser limitadas pelo Congresso, podem ter implicações importantes para a economia e para o caminho fiscal.

A XP Investimentos avalia que as discussões sobre a reforma tributária devem avançar, mas que podem ser afetadas pelas discussões sobre o arcabouço fiscal. Ainda há definições a ser tomadas. Já existe algum consenso em relação à PEC 45, que cria o IVA nacional e abre espaço para a reforma da tributação indireta.

“Por outro lado, no que diz respeito à reforma da tributação sobre renda e folha de salários, ainda há pouca sinalização dos caminhos a serem seguidos. Há, no entanto, o risco que a necessidade de promover um ajuste fiscal leve a aumentos da carga tributária, o que pode contaminar as discussões sobre as reformas”, dizem os analistas da corretora.

No Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), Haddad disse na terça-feira (17) que o governo pretende votar no segundo semestre a reforma na tributação da renda. A ideia, segundo ele, é "desonerar as camadas mais pobres do imposto e onerar quem hoje não paga imposto".

Definição do papel do Estado na economia

Outra preocupação é com o anúncio de medidas, por parte do governo, que indiquem maior intervenção do Estado na economia. Uma delas é a potencial mudança na gestão das empresas estatais e dos bancos públicos.

“A indicação do futuro presidente do BNDES [Aloizio Mercadante], inclusive, foi um dos motivadores para a proposta de mudança na Lei das Estatais, que reduziria medidas de proteção à governança das estatais, como a indicação de políticos para cargos de diretoria”, diz a economista-chefe do banco Inter, Rafaela Vitória.

Em dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou em poucos minutos uma mudança para esvaziar a Lei das Estatais, mas a proposta não chegou a ser analisada pelo Senado. Relatos de bastidores sugerem que o novo governo tem planos de insistir na mudança.

Também preocupa o uso de bancos públicos como instrumento para impulsionar o crescimento econômico. O pico se deu em 2015, quando o saldo total de crédito de instituições como o BB, o BNDES e a Caixa atingiram 30% do PIB, contra 23% dos bancos privados e 6% em títulos de empresas em poder direto dos investidores.

Segundo Vitória, com o fim do crédito subsidiado e a modernização das regulamentações dos instrumentos de dívida privada, o mercado doméstico de capitais teve rápido crescimento.

A economista do banco Inter destaca que com o fim de taxas subsidiadas (como a TJLP cobrada pelo BNDES, que virou TLP e passou a ter equivalência ao custo de emissões do Tesouro), os mercados bancários privado e o de títulos tiveram uma forte expansão. Eles ocuparam o espaço deixado pelo setor público e cresceram de forma mais acelerada, com maior competitividade.

O resultado foi um crescimento de quase 200% no volume de emissões nos últimos seis anos. “O financiamento anual de mais de R$ 400 bilhões em títulos de longo prazo para as empresas tem importante papel no estímulo ao investimento no país, que voltou ao patamar de 20% do PIB em 2022”, destaca a economista.

“De forma mais ampla, o retorno a um modelo de desenvolvimento econômico liderado pelo Estado é também uma das principais preocupações no longo prazo, pois isso pode levar o Brasil de volta a um estado de crescimento abaixo da média, o que tornará a situação fiscal ainda mais difícil de administrar”, afirma Haugaard.

A expectativa é de que a incerteza permaneça elevada à medida que Lula tenta navegar em uma situação fiscal muito mais frágil, em meio a uma economia brasileira em desaceleração, à perda de ritmo da economia global, a uma cena política mais desafiadora e a restrições sociais mais rígidas, com a sociedade polarizada após uma eleição muito apertada e as depredações de 8 de janeiro.

Estratégia para buscar o crescimento econômico

A estratégia de crescimento da economia é outra incógnita no atual governo. Depois de crescer 5% em 2021, na retomada das atividades após a pandemia da Covid, e registrar uma expansão próxima a 3% em 2022 (os dados oficiais serão conhecidos em março), o PIB deve crescer bem menos neste ano. O ponto médio das projeções no boletim Focus está pouco abaixo de 0,8%.

Economistas do Bradesco veem espaço para aceleração do crescimento nos próximos anos, vindo de uma reforma tributária e de agendas que levem a ganhos de eficiência.

“Uma agenda econômica que promova previsibilidade e retorno das condições financeiras para o período pré-pandemia, com maior inserção global da economia brasileira, especialmente no tema ambiental, abre espaço para a continuidade de políticas públicas que reduzam as desigualdades. Esses temas irão interagir com o arcabouço fiscal”, diz relatório do banco.

Os economistas do Bradesco afirmam que, sem previsibilidade para a dinâmica da dívida pública, as demais agendas podem ser bem menos eficazes, particularmente se inflação e juros permanecerem elevados.

“Mudanças nas políticas parafiscais e regras setoriais também irão interagir com esse cenário. A potência da política monetária, a alocação de recursos na economia e as regras de formação de preços serão temas-chave para as projeções do dólar, inflação, Selic e PIB”, informa a equipe de análise do Bradesco.

Política de preços dos combustíveis

Uma ação que teve repercussão negativa no mercado financeiro foi a manutenção da desoneração de tributos federais sobre os combustíveis. A MP editada por Lula prevê que a medida valerá até 31 de dezembro para óleo diesel, biodiesel e gás de cozinha. Gasolina e etanol têm as alíquotas zeradas até 28 de fevereiro.

O objetivo do governo foi segurar o preço nas bombas. O Bradesco estima que a volta do PIS/Cofins sobre os combustíveis acrescentaria cerca 0,7 ponto percentual ao IPCA deste ano.

Porém, a medida tem um impacto de R$ 25 bilhões sobre os cofres do governo e contrariou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que queria mostrar ao mercado financeiro algum compromisso com as contas públicas.

O futuro da política de preços é uma incógnita. Indicado para a presidência da Petrobras, Jean Paul Prates disse à Bloomberg que não haverá intervenção direta nos preços dos combustíveis, nem desvinculação dos preços internacionais. Porém, várias outras declarações dele e do presidente Lula foram em sentido contrário, com defesa de um "abrasileiramento" dos preços.

Rafaela Vitória, do Inter, alerta que subsídios ou represamento de preços, como o que ocorreu entre 2013 e 2014, não são medidas eficazes tanto para o controle da inflação quanto para a estatal. “Trouxe grandes prejuízos para a Petrobras e sua capacidade de investimento”, lembra a economista.

Ela diz que, apesar de o Brasil produzir mais petróleo do que consome, parte da gasolina e do diesel são importados, e preços mais baixos praticados pela Petrobras podem afetar a importação e a distribuição no país.

Outro problema é em relação ao “drible” na Lei das Estatais que o governo pretende fazer, para facilitar a indicação de políticos nas estatais. Isto abre espaço para o retorno de más práticas de governança, que levaram a Petrobras a promover ajustes em seus balanços, entre 2015 e 2016, que chegaram a R$ 128 bilhões.

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