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Vendas de carros no mercado interno caíram 0,7% em 2022, e as projeções para a indústria e o PIB em 2023 não são animadoras.| Foto: Governo do Estado do Rio de Janeiro

Juros elevados. Crédito mais restrito, com empresas como a Americanas em crise e inadimplência elevada. Fim do impulso econômico pós-Covid. Ruídos do governo, pressionando expectativas de inflação e taxas de juros. A combinação desses fatores está contribuindo para uma desaceleração cada vez mais evidente na atividade econômica. Um dos retratos foi o encolhimento de 0,2% do PIB no quarto trimestre.

O quadro, porém, não é homogêneo. As expectativas no campo são muito favoráveis, diante do cenário de uma supersafra de grãos. Nos serviços, a taxa de crescimento ainda é vistosa, mas o ritmo de expansão vem perdendo força. No comércio, as expectativas são de mais um ano de crescimento abaixo de 2%, situação que se repete desde 2018. E na indústria, segmentos mais dependentes do crédito estão sofrendo mais do que aqueles vinculados à renda ou exportáveis.

Na soma de tudo isso, as expectativas são de que o país cresça bem menos que no ano passado, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) detectou uma expansão de 2,9% no PIB. O ponto médio das expectativas de bancos, corretoras e consultorias é de uma expansão de 0,84%, segundo o boletim Focus, do Banco Central.

As projeções para o corte nos juros neste ano diminuíram nos últimos meses. A taxa básica (Selic) atualmente está em 13,75% e a sinalização de bancos, consultorias e corretoras para o fim do ano está em 12,75% – até outubro, por exemplo, acreditava-se em corte maior, que levaria a taxa a 11,25%. Mais pessimistas, algumas instituições financeiras acreditam que será impossível baixar os juros neste ano.

Uma esperança pode vir do outro lado do mundo, diz o diretor de gestão de investimentos da Nova Futura, Pedro Paulo Silveira. As expectativas para o crescimento da economia brasileira podem melhorar se os dados observados da economia chinesa superarem as expectativas. Atualmente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um crescimento de 5,2% para a China. Os chineses são os principais compradores de commodities brasileiras.

Outro fator que pode ajudar a economia brasileira, principalmente no primeiro trimestre, é o aumento da massa de renda disponível às famílias, ligado às maiores transferências de renda do governo via Bolsa Família, segundo Rodolfo Margato, economista da XP. O programa foi relançado nesta quinta (2).

Agropecuária: expectativa de boa safra anima o setor

O campo não colheu bons resultados no ano passado. O PIB da agropecuária caiu 1,7%, afetado por problemas climáticos que derrubaram a produção de soja no Sul do país. Para este ano, o cenário promete ser diferente.

Segundo Cláudia Moreno, economista do C6 Bank, o PIB do primeiro trimestre deve apresentar um forte crescimento, em grande parte devido ao desempenho do setor agrícola.

As expectativas de uma supersafra animam o setor e são reforçadas pelas boas chuvas registradas na região central do país. A previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de que sejam colhidos 298,2 milhões de toneladas, 14,7% a mais do que no ciclo anterior.

Além da colheita maior, duas das principais culturas, a soja e o milho, estão com bons preços no mercado internacional. Segundo o Itaú BBA, em fevereiro, pelo terceiro mês consecutivo, os preços da oleaginosa se valorizaram no mercado internacional. O motivo foi a preocupação com o clima irregular na Argentina e a estiagem no Rio Grande do Sul.

Serviços: perspectiva de crescimento moderado

O volume de serviços prestados cresceu 8,3% no ano passado, em comparação a 2021. O número é melhor que o de outros setores, mas está em desaceleração desde outubro.

Os resultados vieram melhor que o esperado em dezembro, quando a receita real do setor cresceu 3,1% frente a novembro, acima do esperado pelo mercado (1,3%). Mesmo assim, a desaceleração no acumulado do quarto trimestre é significativa.

A tendência é de crescimento para 2023, embora em ritmo mais moderado. O Itaú avalia que a desaceleração deve persistir neste ano, sob impacto da taxa de juros. Outros fatores que também devem influenciar, segundo a XP Investimentos, são a dissipação dos impulsos pós-pandemia e uma demanda mais fraca por parte das empresas.

Comércio: juros afetam vendas

O crescimento de 1% no comércio varejista no volume de vendas no ano passado e a quinta melhora seguida na taxa de crescimento em 12 meses, que em julho era de -1,8%, não animam o setor. Segundo o Itaú, a atividade ainda sente os efeitos da queda de renda disponível e do efeito defasado da alta na taxa de juros.

Desde 2018 que o setor não se expande a um ritmo superior a 2%, o que, segundo as expectativas da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), deve se repetir neste ano. As projeções indicam para um crescimento menor: 0,6%.

O desempenho em dezembro frustrou o setor. As vendas foram 2,6% menores em comparação ao mês anterior. “Diante do frustrante resultado de dezembro, após 11 meses, o volume de vendas no varejo voltou a se situar abaixo do patamar observado imediatamente antes da decretação da pandemia de Covid-19”, diz o economista Fabio Bentes, da entidade empresarial.

Esses resultados vêm acompanhados da perda de confiança por parte do empresário do comércio. Em fevereiro, ela caiu 3,3% em comparação com o mesmo mês de 2022, aponta a CNC. A satisfação dos comerciantes com a economia, com o setor e com a própria empresa caíram. E, pela primeira vez desde maio do ano passado, a maioria dos varejistas considera que o desempenho da economia está pior que no mesmo período do ano anterior.

A intenção de contratar é a mais baixa desde junho de 2021 e a de investir, a menor desde setembro de 2021.

O cenário para o crédito, com juros altos e inadimplência elevada, também passou a preocupar mais o setor depois da crise das Americanas. “Os juros altos alavancaram os negócios e o grande varejo acendeu um alerta para uma possível crise de crédito no setor”, afirma a economista Izis Ferreira, também da CNC.

O desempenho mais fraco deve se refletir em resultados mais tímidos para as empresas do setor, aponta o analista de varejo do Inter, Breno de Paula. A temporada é de divulgação dos resultados do quarto trimestre.

“No varejo alimentar, apesar da estabilização da inflação de alimentos, os preços ainda seguem elevados. O resultado financeiro continua pressionado, mas o lucro líquido e a geração de caixa devem refletir o período de forte sazonalidade (4.° trimestre de 2022). Para o vestuário, o resultado deve vir mais uma vez pressionado. O trimestre foi afetado pelo baixo fluxo de pessoas nos shoppings durante o período de Copa do Mundo e pelo clima mais frio que o habitual. Por fim, o e-commerce também sofreu com o baixo fluxo de consumidores durante a Copa”, diz o analista.

O desempenho do comércio piora se forem incluídas as vendas de material de construção e de veículos, motocicletas, partes e peças, que, com o varejo convencional, compõem o chamado comércio varejista ampliado. Segundo o IBGE, o volume de vendas caiu 0,6% na passagem de novembro para dezembro, e também no acumulado do ano.

A Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat) aponta que a perda do poder de compra das famílias em um contexto de inflação persistente fez com que elas postergassem investimentos.

As vendas de veículos para o mercado interno atingiram 2,1 milhões de unidades em 2022, 0,7% abaixo de 2021, confirmando um quadro de estabilidade projetado pela Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) desde a metade do ano passado.

Indústria sem resultados para comemorar

Um dos setores que está sentindo mais fortemente os efeitos do desaquecimento da atividade econômica é a indústria. A produção em dezembro ficou estável em relação ao mês anterior, aponta o IBGE. É o quarto resultado não positivo em cinco meses.

No quarto trimestre, o desempenho foi 0,5% inferior ao do trimestre anterior, ficando 1,3% abaixo do nível de dezembro de 2021 e 2,2% aquém do nível pré-pandemia, aponta a XP Investimentos.

A corretora avalia que a recuperação da massa de renda real ampliada disponível às famílias (elevação dos rendimentos reais do trabalho e maiores transferências governamentais) fornece alguma sustentação para os gastos com bens de consumo não duráveis. Mas outras categorias, como a de bens de consumo duráveis, sofrem com o aperto nas condições de crédito e o endividamento elevado do consumidor.

No ano, a produção industrial acumulou retração de 0,7% em comparação com 2021. Mas outros indicadores, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), sinalizam para alguns avanços: o faturamento real (já descontado a inflação) teve crescimento de 2,8% no ano passado; o nível de emprego aumentou 1,5%; e as horas trabalhadas, 2,7%.

Segundo Larissa Nocko, economista da entidade, o encerramento de 2022 traz resultados positivos, mas não para serem comemorados, uma vez que apenas em alguns casos houve recuperação das perdas sofridas no ano anterior. “Há também uma perspectiva de estabilidade para a produção industrial do ano”, diz.

O segmento de maior destaque no ano passado, segundo o IBGE, foi o de eletricidade, gás, água, esgoto e atividades de gestão de resíduos. O PIB dessa área cresceu 10,1% em 2022.

“O crescimento dessa atividade está muito relacionado à recuperação em relação à crise hídrica de 2021. Além do crescimento da economia, houve o desligamento das térmicas, diminuindo os custos de produção, o que contribui para o aumento do valor adicionado da atividade”, diz a coordenadora de contas nacionais do IBGE, Rebeca Palis.

Outra atividade econômica que teve um bom impulso foi a construção, cujo PIB aumentou 6,9%. O segmento foi influenciado pelo ano eleitoral, que tradicionalmente apresenta uma maior quantidade de obras públicas.

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