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Aumento da participação do crédito público e direcionado reduz a potência da taxa básica de juros (Selic) e pode atrasar sua redução.
Aumento da participação do crédito público e direcionado reduz a potência da taxa básica de juros (Selic) e pode atrasar sua redução.| Foto: José Cruz/Agência Brasil

O crescimento na concessão de empréstimos e financiamentos por parte de bancos públicos e nas operações de crédito direcionado – com recursos ou taxas estabelecidas pelo governo e muitas vezes subsidiadas – pode atrasar o início da redução na taxa básica de juros.

O fenômeno é uma característica de governos do PT, que em outras ocasiões já recorreram aos bancos estatais e ao crédito direcionado para tentar aquecer a economia.

Neste ano, embora o PIB do primeiro trimestre tenha surpreendido, sabe-se que o principal impulso veio do agronegócio, ao passo que o consumo das famílias e o investimento produtivo tiveram desempenho fraco, ambos influenciados de alguma forma pelo alto nível dos juros.

O problema é que a intensificação do crédito público e direcionado torna mais complicado o combate à alta nos preços e dificulta a convergência da inflação à meta. "É uma estratégia que reduz a potência da política monetária", diz o economista e sócio da Tendências Consultoria, Sílvio Campos Neto.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que, para tentar controlar a inflação, o Banco Central eleva as taxas de juro ou as mantêm em patamares elevados. O objetivo é esfriar a demanda e, com isso, evitar maiores altas de preços.

Ao ampliar a liberação de crédito por meio das instituições públicas, o governo vai na contramão do esforço do BC, estimulando a atividade econômica.

O histórico mostra que, ao forçar mais crédito direcionado, que é mais barato para alguns, o governo acaba elevando o custo do dinheiro para os demais – isto é, a maioria das empresas e consumidores.

Isso ocorre porque quanto maior a parcela dos empréstimos direcionados no crédito total, menor é o alcance da taxa Selic, usada pelo BC para controlar a inflação e que atua principalmente sobre o crédito livre.

Assim, o BC acaba mantendo a Selic num nível mais elevado do que seria necessário, encarecendo o crédito para quem não tem acesso às linhas de crédito direcionado, como recursos para o Plano Safra, Pronampe e desembolsos do BNDES.

Hoje a taxa Selic é de 13,75% ao ano. A próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central para discutir o assunto está marcada para os dias 20 e 21.

Com um domínio de recursos públicos no mercado de crédito, será necessário manter a taxa Selic em patamares elevados, aponta o gerente de análise econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo.

É justamente o contrário de que quer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que desde o início do mandato vem criticando a política de juros do Banco Central.

Operações de bancos públicos já superam empréstimos dos privados nacionais

O saldo das operações de crédito em instituições públicas já é maior do que o dos bancos privados de capital privado nacional. As ultrapassagens ocorrem em fevereiro e, em abril, os bancos públicos tinham um total de R$ 2,31 trilhões emprestados, ante R$ 2,26 trilhões dos privados brasileiros.

A relação entre os saldos das operações de crédito feitas pelo setor privado, incluindo instituições de capital estrangeiro, e as do setor público também caiu para o menor nível desde outubro de 2021. Em abril, para cada real emprestado por instituições públicas, havia R$ 1,32 emprestados por privadas.

Enquanto isso, dados do BC mostram que o saldo das operações de crédito direcionado cresceu 14,7% entre abril de 2022 e de 2023, atingindo R$ 2,2 trilhões. O crédito livre, por sua vez, avançou 10,2%. Mas este ainda é maior: R$ 3,2 trilhões.

Situação econômica favorece crescimento de crédito público

Até agora, o cenário econômico está favorecendo o crescimento do crédito público e do direcionado. “O desaquecimento da atividade econômica causado pela política monetária mais restritiva acaba tendo forte influência”, diz o economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Nicola Tingas.

Segundo ele, quando a economia opera sob política monetária restritiva, para combater a inflação, a inadimplência e o risco de perdas dos bancos aumentam e a oferta de crédito livre se contrai em maior proporção que o crédito direcionado: “Por decorrência, o sistema de crédito público aumenta relativamente sua participação na carteira total de crédito”.

Tingas também destaca que, em épocas de estímulo à atividade econômica pelo governo, em geral, os bancos públicos ampliam sua concessão de crédito mais rápida e intensamente que o sistema privado.

Embora o uso de bancos públicos seja defendido por Lula e seu partido, ao menos parte do crescimento recente dessas instituições pode ser atribuída ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que adotou medidas de estímulo à economia no período eleitoral.

A nova gestão da Caixa Econômica Federal, por exemplo, afirma que uma auditoria interna e também órgãos de controle estão investigando a concessão de empréstimos em 2022 para beneficiários do Auxílio Brasil e para pessoas "negativadas" – juntas, as duas modalidades envolveram aproximadamente R$ 10 bilhões. O levantamento do BC vai até abril, quando o mandato de Lula completou quatro meses.

Uso de bancos públicos pode gerar distorções no mercado

Analistas apontam que a maior presença de bancos públicos no mercado de crédito é preocupante. “O uso de instituições financeiras como fornecedores de capital gera distorções nos mercados. Não é somente uma questão de desestimular a livre concorrência, mas de querer criar incentivos ruins, perversos”, diz o professor do Ibmec-MG e especialista do Instituto Millenium, Cláudio Shikida.

Há precedentes históricos. Nos anos 1990 havia uma forte presença estatal no sistema financeiro, por meio dos bancos estaduais. “Privatizá-los também foi uma resposta eficaz para a sociedade”, destaca o professor.

Um estudo realizado pelo Banco Central em 1992 mostrou que estes bancos eram menos eficientes do que seus similares privados: as despesas com pessoal correspondiam a 82,5% das administrativas. Nos privados, 59%. “Isto sem falar nos problemas de empreguismo, de uso das instituições financeiras para financiamento dos estados”, ressalta Shikida.

Ele aponta que os mercados financeiros estimulam o desenvolvimento econômico quando são sustentados por instituições pró-mercado e há o respeito aos direitos de propriedade e segurança jurídica. “Assim, o governo pode até ser – e deve ser – o regulador do sistema financeiro, mas não será bom se criar barreiras à iniciativa privada”, diz.

Shikida destaca que, na visão ideológica atual, em sua versão mais agressiva, os bancos públicos deveriam substituir os privados em seu papel de intermediação financeira. Em sua versão mais branda, o governo ocuparia uma parte que hoje é operada por instituições privadas.

Sílvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, avalia que bancos públicos são importantes para a economia, mas que o uso de seus recursos precisa ser mais comedido para evitar impactos negativos na concorrência e no mercado de capitais, por meio da concessão de créditos subsidiados.

“A maior presença de recursos privados estimula a concorrência, em um cenário no qual capitais próprios ainda são a principal fonte de recursos para o financiamento das empresas”, complementa Azevedo, da CNI.

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