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Aviões da Embraer
Aviões da Embraer| Foto: Divulgação/Embraer

Boeing Brasil - Commercial é o nome da nova empresa resultante da compra da divisão de aviação civil da brasileira Embraer pela gigante aeroespacial norte-americana.

A escolha foi conservadora. Ainda há dúvida entre executivos da nova empresa sobre o impacto da aquisição no mercado e, especialmente, o temor de ferir sensibilidades políticas brasileiras. Daí o Brasil com "s", ainda que seguido pelo "comercial" em inglês.

A Embraer foi estatal de sua criação pelos militares, em 1969, até 1994, e é a maior exportadora nacional de produtos com alto valor agregado. É vista como a joia da coroa industrial em um país cuja balança comercial é ancorada em commodities.

Mais decisões a caminho

Assim, a decisão de imagem mais importante ainda vai demorar alguns meses: o nome a ser adotado pela série E-Jets E2, a continuação da bem-sucedida família de jatos regionais da Embraer que atraiu a Boeing em primeiro lugar a buscar o negócio.

Como dizem executivos da empresa, aqui deverá haver surpresas. Por um lado, a E2 já tem reputação firmada no seu nicho, liderado nos últimos anos pela Embraer.

Por outro, a marca Boeing deverá ser evidenciada. Quando a americana comprou a rival McDonnell-Douglas em 1997, renomeou apenas um dos modelos, o MD-95 -que virou o Boeing-717, seu único jato regional, que teve curta carreira.

A Airbus, maior competidora da Boeing, rebatizou de A220 o avião da C-Series da canadense Bombardier, cuja linha comprou em 2017. Foi esse negócio, que trouxe para o portfólio de produtos dos europeus um jato regional pela primeira vez, que disparou a negociação entre os americanos e a Embraer, maior rival da empresa do Canadá.

Assim como a Airbus, a Boeing só trabalhava com jatos maiores -um conceito fluido, o avião regional usual embarca de 70 a 130 passageiros. Para a Embraer, o ganho de escala comercial que o produto rival ganhou no negócio com os europeus foi decisivo na decisão pela associação com os americanos.

Americanos não poderão usar nome Embraer

Os americanos não poderão usar o nome Embraer, para não se confundir com a empresa brasileira remanescente do acordo, que cuidará de produtos de defesa e segurança, além da área de aviação executiva.

O processo de montagem da nova empresa, cuja formação foi aprovada após o governo brasileiro exercer a opinião que tinha direito devido às regras da privatização da ex-estatal Embraer em janeiro, está acelerado.

Cerca de cem pessoas trabalham no Brasil e nos EUA no chamado "carve-out", ou destrinchar da aviação civil do corpo da atual Embraer. Elas são capitaneadas desde o dia 22 de abril pelo ex-presidente da Boeing Internacional, Marc Allen, que passa parte do mês em São José dos Campos, onde a Embraer tem sua matriz e os futuros espaços compartilhados com a Boeing Brasil - Commercial.

São necessárias aprovações de órgãos regulatórios em nove países para a empresa deslanchar. Três já o fizeram, Quênia, África do Sul e Colômbia. Brasil está encaminhado, e EUA devem dar o OK em agosto. Por fim, faltará a China, provavelmente no fim do ano.

Enquanto isso, a separação da área de aviação civil segue, não sem percalços. Segundo pessoas envolvidas nele, o maior desafio até aqui está na área de tecnologia da informação, que era altamente integrada na Embraer -e que garantiu boa parte de sua fama de empresa ágil em processos.

Na área de engenharia, o desafio maior é a realidade segundo a qual tanto Boeing quanto a velha Embraer serão subcontratadas uma da outra. Isso nunca aconteceu para as duas empresas, e o time que trabalha na desintegração das empresas prevê um catálogo de até 19 mil itens que uma fornecerá à outra.

A nova empresa deverá empregar cerca de 10 mil dos 18,5 mil funcionários atuais da Embraer (16,5 mil deles no Brasil). A previsão anterior era de 9.000 empregos, que batia com a estimativa do sindicato dos trabalhadores locais sobre a mão de obra da área de aviação civil.

Como foi o negócio

A compra foi o maior negócio aeronáutico da história brasileira e se arrastou por mais de um ano de negociações entre empresas e o governo, que possuía poder de veto sobre acertos da Embraer. A empresa em si, ainda que tivesse controle brasileiro, tinha seu controle diluído e mais de 80% estava na mão de fundos estrangeiros.

A Boeing Brasil - Commercial terá 80% de controle americano e 20%, da velha Embraer. A compra da linha civil custou US$ 4,2 bilhões (cerca de R$ 16,8 bilhões no câmbio de hoje) à gigante dos EUA. Os americanos também terão 49% de uma joint-venture dedicada à venda de um produto militar, o avião de transporte KC-390, que também está em fase de elaboração e que terá Allen como representante americano em seu conselho controlado pela Embraer brasileira.

Se tudo andar como esperam os envolvidos, o processo de formação das novas empresas deverá estar finalizado no começo de 2020.

Turbulências políticas e econômicas assustam

As turbulências políticas e econômicas do governo Jair Bolsonaro assustam os americanos, segundo a reportagem ouviu de pessoas próximas das discussões sobre a nova empresa. Não do ponto de vista regulatório, dado que o governo aprovou o negócio, mas pelo ambiente geral de negócios do país.

Por outro lado, ressaltam, o mercado aeroespacial é peculiar, e regido por tendências internacionais. A ideia da Boeing é fazer do Brasil um modelo para parcerias semelhantes a serem montadas, talvez em dois ou três outros pontos do mundo, nos próximos 20 a 30 anos.

É consenso entre analistas do mercado de aviação o estreitamento das cadeias globais de produção. Uma liderada pela Airbus, outra pela Boeing, e com espaços menores sendo disputados por chineses, russos, indianos e japoneses. Com o acirramento da guerra comercial entre EUA e China, uma rede de fornecedores baseada no Brasil poderia teoricamente ser favorecida.

Inicialmente, a ideia da Boeing é apostar na construção de mercados regionais potenciais. O Sudeste Asiático, a Índia e a África figuram no topo da lista.

Segundo determinação da matriz americana, de resto ciosa do clima de caça às bruxas do governo Bolsonaro sobre o tema, novos investimentos produtivos não deverão buscar apoio no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Isso não inclui, contudo, o financiamento de contratos de exportação, como ocorre com o Eximbank americano. De 2004 a 2018, a Embraer foi o segundo maior receptáculo de financiamento do BNDES, atrás da Petrobras. Foram R$ 49 bilhões para a empresa.

Desse valor, mais de 80% foi utilizado como crédito para exportações, algo que depende da vontade do comprador, que escolhe o mecanismo de financiamento --a empresa afirma que 30% de seus aviões vendidos para o exterior no período usaram linhas do BNDES.

Já o restante foi usado para o desenvolvimento de tecnologias --o E2 recebeu, por exemplo, US$ 1,2 bilhão (hoje R$ 4,8 bilhões). É essa fatia que Boeing diz dispensar.

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