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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O ministro Fernando Haddad, da Fazenda: tempos difíceis no Congresso.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As perspectivas de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, consiga aprovar sua pauta econômica no Congresso antes do recesso legislativo são cada vez mais incertas. O meio do ano é visto como um prazo limite para votar questões relevantes no Legislativo, uma vez que no segundo semestre os parlamentares tendem a dedicar esforços nas campanhas eleitorais.

Analistas já classificam este semestre como o pior para Haddad desde o início do governo. Derrotas e acordos desvantajosos no Congresso, embates e desavenças com os presidentes das Casas Legislativas e pressões vindas do PT e de ministros palacianos têm dado o tom do rotina do titular da Fazenda.

As dificuldades que Haddad enfrenta hoje têm muito a ver com a Medida Provisória 1.202, editada no apagar das luzes de 2023. O embate teve desdobramentos recentes, que ampliaram o desgaste entre o ministro e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Mas o episódio determinante para o enfraquecimento da Haddad foi, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a revisão da meta do arcabouço fiscal para 2025, divulgada na primeira revisão bimestral de gastos do Executivo, que escancarou ao mercado a falta de prioridade do governo para o ajuste fiscal.

A meta, que inicialmente era de superavit de 0,5% do PIB no próximo ano, passou a ser de déficit zero, ou resultado neutro. "Isso enfraqueceu o ministro", diz Aod Cunha, economista e conselheiro de empresas. "O governo estabeleceu um arcabouço fiscal mais frouxo [que o extinto teto de gastos] e revisou a meta antes do fim do primeiro ano de execução. É uma confissão de que não vai conseguir cumprir a meta este ano também."

Para Sílvio Campos Neto, economista e sócio da consultoria Tendências, a revisão mostrou a dificuldade do ministro em fazer valer a posição da equipe econômica. "Não há preocupação do governo em fazer nada que não seja a arrecadar e gastar", diz. "Haddad, por mais que esteja buscando o ajuste só por meio de receita, demonstra ao mercado alguma preocupação."

Haddad conta com respaldo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas a percepção de analistas é de isolamento. Os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e de Minas e Energia, Alexandre Silveira, demonstram frequentes divergências. E o "fogo amigo" da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, crítica do ajuste fiscal, embora arrefecido, permanece a postos. "Haddad acaba desgastado por uma parte do governo que tem diagnóstico diferente do dele", diz Campos Neto.

Derrotas e confrontos dão o tom no Congresso

Além da perda de credibilidade do ministro, os ares no Legislativo não são os mesmos. A boa vontade dos parlamentares observada no ano passado com a aprovação da reforma tributaria e das medidas para aumento da arrecadação do governo ficou para trás. "Há ruídos entre os Poderes e o ambiente eleitoral deixa o cenário pouco propício ao tema do ajuste", diz Rafael Cortez, cientista político da Tendências.

Uma demonstração da fragilidade de Haddad foi dada semana passada, como a aprovação do Perse, programa de incentivo ao setor de eventos criado na pandemia. O governo queria o fim dos subsídios, incluído na MP 1.202, que criou enorme resistência no Congresso.

Após duras negociações, Haddad precisou aceitar o "desmame" gradual dos benefícios até 2026, com teto de R$ 15 bilhões para as renúncias fiscais. As empresas de 30 setores não vão pagar impostos federais – IRPJ, CSLL, PIS e Cofins – este ano. O benefício será reduzido em 2025 e 2026 até atingir o teto.

A MP 1.202 revogava também a desoneração da folha dos 17 setores que mais empregam e a dos municípios com menos de 156 mil habitantes. Sem sucesso em emplacar a medida no Congresso, o governo decidiu judicializar a questão. Conseguiu uma vitória parcial no Supremo Tribunal Federal (STF), mas com isso abriu outra crise com o Congresso.

A liminar do ministro do STF Cristiano Zanin suspendendo trechos da lei que prorrogou as desonerações desagradou o presidente do Senado, que recorreu ao STF com o argumento de que a decisão se baseou "em pressupostos fáticos equivocados". Pacheco deixou claro que sua posição não era contra o Judiciário, mas contra o governo. Houve trocas de farpas pela imprensa entre Haddad e Pacheco. A votação da liminar no plenário virtual do STF foi suspensa por pedido de vista do ministro Luiz Fux quando o placar já era de 5 a 0 a favor do governo.

Haddad põe responsabilidade fiscal na conta dos Poderes

Em defesa da judicialização, Haddad chamou a responsabilidade do Congresso para colaborar com o ajuste das contas do governo. "Ninguém quer retirar a prerrogativa de ninguém. Mas não pode um Poder [o Executivo] ficar submetido a regras rígidas, e o outro [o Parlamento], não. Se a exigência de equilíbrio fiscal valer só para o Executivo, ele não será alcançado nunca", disse Haddad no sábado (27) à "Folha de S.Paulo".

Horas depois da publicação da entrevista, Pacheco reagiu destacando a aprovação de projetos que geraram receita extra ao governo de R$ 80 bilhões. “Uma coisa é ter responsabilidade fiscal, outra bem diferente é exigir do Parlamento adesão integral ao que pensa o Executivo sobre o desenvolvimento do Brasil", afirmou o presidente do Senado, em nota.

No domingo (28), Pacheco disparou novamente: “O governo federal erra ao judicializar a política e impor suas próprias razões, num aparente terceiro turno de discussão sobre o tema da desoneração da folha de pagamento", disse ao jornal "O Globo". Na terça (30), um novo ataque: o presidente do Senado disse a jornalistas que a judicialização foi um "erro primário" e resultou em vitória “ilusória” para o governo.

Para além das falas de Pacheco, a repercussão no Legislativo e entre empresários foi péssima. Entidades setoriais manifestaram repúdio e indignação com a decisão de Zanin. No Congresso, o senador e relator do Orçamento de 2025, Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou que o governo traiu o Congresso ao acionar o STF.

O resultado é que o ministro está sendo obrigado a renegociar a permanência da renúncia fiscal aos setores atingidos em novo projeto de lei. Haddad revelou, segundo apuração da imprensa, temer que novas rodadas de discussão possam culminar na inclusão de mais setores, além dos já contemplados, aumentando o problema das contas do governo.

Pano de fundo no Congresso é sucessão e falta de coordenação

Antes do embate entre Haddad e Pacheco, houve um desgaste entre Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), relacionado ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. O episódio já havia contribuído para acentuar a tensão entre os Poderes e reduzir o poder de Haddad para negociações.

O confronto tem como pano de fundo o processo de sucessão nas Casas Legislativas e a tentativa dos respectivos presidentes, em especial Arthur Lira, de manter seu capital político em fim de mandato, além de obter dividendos para seus candidatos nas eleições municipais.

"Esse é o grande jogo que está sendo jogado em 2024. E aí, naturalmente, tem mudanças de humor ao sabor de eventos conjunturais", avalia Cortez, da Tendências. "Essa instabilidade reflete a barganha que o presidente da Câmara precisa fazer para manter de pé a coalizão que o levou à presidência e fazer o seu sucessor."

Para Cortez, no caso da pauta econômica, o problema do governo é reforçado pela falta de coordenação. "A agenda do aumento da arrecadação não tem patrocinador político natural dentro do Legislativo", diz o analista.

Diretrizes fiscais de Haddad não são sustentáveis

Para cumprir a nova meta fiscal zero para as contas públicas de 2025, o governo estimou, a princípio, a necessidade de cerca de R$ 50 bilhões em receitas extras. Com a desoneração da folha dos 17 setores empregadores somada à dos municípios, que continuarão pagando 8% sobre a folha, em vez de 20%, o impacto adicional sobre as contas públicas será de R$ 32 bilhões. A manutenção do Perse acrescenta, pelo menos, outros R$ 5 bilhões nas despesas do próximo ano.

Haddad terá de buscar arrecadação adicional para conseguir entregar o resultado no centro da meta. Para integrar as receitas, as medidas teriam de ser aprovadas até o fim deste ano legislativo. Com o Congresso esvaziado no segundo semestre, tratar as desonerações por projeto de lei parece não ser uma alternativa.

O ministro tem dito que vai anunciar ações para recompor a arrecadação, fechando brechas na legislação tributária, como fez em 2023. Mas há muita incerteza. Para este ano, o governo também já não conta com a aprovação da taxação de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a seus acionistas. O projeto de reforma da tributação sobre a renda deve ser enviado ainda este ano, mas só deverá ser aprovado em 2025.

Além disso, a própria meta deste ano não está assegurada. "O governo conseguiu um respiro para não alterar a meta de 2024 na primeira revisão. Vai tentar segurar o que puder, mas a revisão virá", afirma Sílvio Campos Neto, da Tendências.

"Há uma despesa crescente contratada para os próximos anos. E o aumento da arrecadação nos últimos meses, nesse início de 2024, mas não é suficiente para cobri-las. A alteração para 2025 foi a confirmação que as diretrizes fiscais não são sustentáveis. Mostra que realmente o governo não tem repertório para alcançar o equilíbrio das contas públicas a não ser tentar aumentar a receita", completa.

Reforma tributária, cenário fiscal e taxa de juros

Paralelamente, o Congresso tenta discutir e aprovar, antes do recesso legislativo, a regulamentação da reforma tributária. O primeiro projeto de lei complementar do governo foi entregue ao Congresso no dia 24 e já recebeu uma saraivada de críticas de governadores e de parlamentares de oposição, que antes haviam protocolado 13 projetos paralelos sobre pontos da emenda constitucional.

Embora o presidente Arthur Lira tenha disposição de aprovar e fazer da reforma seu legado, há muitos enfrentamentos contratados, sem garantia de aprovação do projeto do Executivo.

Por outro lado, Haddad ainda terá de desarmar as chamadas “pautas-bomba”, que podem fazer disparar os gastos da União. Entre elas, o veto feito por Lula na Lei Orçamentária Anual (LOA) a R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares de comissão e a PEC do quinquênio – também apelidada de “PEC dos privilégios” ou “PEC dos penduricalhos”.

O texto é patrocinado por Pacheco e recria um adicional de 5% a cada cinco anos de exercício da função para membros do Judiciário e do Ministério Público. A estimativa do governo é que o impacto poderia chegar a R$ 42 bilhões por ano, dependendo das carreiras públicas beneficiadas. Para a Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado, o gasto deve passar de R$ 81 bilhões até 2026.

Na quarta-feira (1.º), Haddad procurou fazer um afago ao Congresso ao comentar a mudança da perspectiva da agência de risco Moody’s para a economia brasileira de "estável" para "positiva". A nota de crédito da agência ainda mantém o nível de risco maior para investimentos, mas a mudança sinaliza futura elevação do rating. "Isso tem a ver com o trabalho conjunto dos três Poderes, que colocaram os interesses do país acima de divergências superáveis", destacou o ministro.

Mesmo com a possibilidade de acordos e barganhas políticas, para Sílvio Campos Neto, os sinais são de um cenário adverso, o que aumenta o temor dos agentes econômicos e investidores.

"O receio é que, ao invés de se tomar decisões visando o ajuste, você toma decisões visando um expansionismo maior, o que fatalmente cobraria um preço muito mais elevado para os indicadores econômicos, sobretudo taxa de câmbio e juros", diz o consultor.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, chegou a dar alguns sinais que a trajetória de corte na taxa Selic pode ser alterada. Economistas consultados pelo BC elevaram pela segunda vez consecutiva a previsão para a taxa Selic em 2024.

Segundo o Boletim Focus, publicado na terça-feira (30), os juros básicos devem encerrar o ano em 9,5%. No relatório da semana anterior, o BC apontava para uma taxa terminal a 9% ao ano.

Haddad entendeu o recado e sabe dos riscos da atuação técnica do presidente do BC. Questionado, após as falas de Campos Neto, sobre a possibilidade de aumentos dos juros, respondeu: "[É] uma experiência extremamente complexa conviver com um presidente do Banco Central que você não escolheu”.

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