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Arriscar um pouco faz bem ao país

O dinheiro poupado pelos brasileiros se transforma em crescimento econômico quando é investido. "Nós estamos pensamos em poupar apenas recebendo juros", diz Fábio Araújo, da consultoria Brain. "Devíamos nos acostumar com um pouco mais de risco."

Os juros, quase sempre, são pagos pelos títulos do governo, com baixo risco. Eles estão caindo: há dez dias, o Copom reduziu a taxa de referência, a Selic, ao seu menor nível histórico, 7,5% ao ano. Quem quiser receber mais precisa se expor aos títulos privados – que, como diz Araújo, agregam um pouco mais de risco. Estão incluí­das aí as ações e papéis como debêntures. "Você pode até não comprar esses títulos diretamente, mas os bancos compram e eles vão para fundos em que as pessoas físicas investem", explica.

Recursos levantados dessa forma alimentam os investimentos das empresas. E o país precisa deles. "Para ampliar o crescimento, o lógico seria gastar em infraestrutura", observa o professor José Guilherme Vieira, da Universidade Federal do Paraná. "Os planos recentes que o governo anunciou, focados na área de logística, são insuficientes."

Vieira lembra que várias pesquisas sobre o ambiente para negócios apontam o Brasil como um país "burocrático, um tanto corrupto e caro pelo ponto de vista trabalhista e tributário" – aliada à questão logística, a frase serve como uma síntese do que se costuma chamar de "custo Brasil", ou seja, aquele conjunto de variáveis que faz com que produzir aqui seja mais caro que em outros países. Trabalhar para corrigir falhas nessa área seria um bom começo para destravar o crescimento. "São medidas microeconômicas que poderiam melhorar as condições de competitividade do Brasil", diz.

As empresas também tiram do consumo o seu lucro – afinal, as mercadorias compradas em concessionárias, lojas e mercados precisam ser fabricadas em algum lugar – e podem financiar com ele seus investimentos. Mas muitos economistas acreditam que essa fonte está secando. "As medidas de estímulo ao consumo que o governo tomou neste ano são semelhantes às de 2009, mas desta vez foram menos eficientes", comenta Vieira. "É como um remédio que perde a força porque o corpo do paciente já está acostumado a ele."

Debêntures e outros títulos privados ajudam as empresas a financiar seus investimentos. A remuneração desses papéis costuma ser um pouco superior aos títulos do governo, porque embutem maior risco.

Quando a situação econômica aperta, o governo sabe que pode contar com os brasileiros. Os dados do Produto Interno Bruto (PIB), divulgados no fim de agosto, confirmam: não fosse pelo consumo das famílias – uma conta que engloba os gastos das pessoas físicas –, a economia do país não teria crescido.

Segundo o Instituto Bra­­sileiro de Geografia e Esta­tística (IBGE), esse consumo subiu 2,4% no período entre abril e junho e compensou, com sobras, perdas ocorridas em outras áreas. Por trás desse crescimento está um mecanismo de incentivos cujo gatilho foi acionado em maio, e que inclui redução de impostos para setores selecionados (eletrodomésticos, automóveis e material de construção) e redução de encargos para financiamentos. Embora tenha salvado o país de uma possível recessão, o estímulo ao consumo não é unanimidade entre os economistas. Há entre eles o temor de que o uso contínuo desse remédio traga novas ameaças à saúde do paciente Brasil.

Ninguém nega que as medidas eram necessárias, dado o ambiente de crise que se instalou com o calote da dívida da Grécia e a fraqueza geral das economias do hemisfério Norte. A questão está na falta de estímulo à poupança, que é vista como a reserva de recursos que vai financiar o crescimento nos próximos anos. "Os grandes condutores do desenvolvimento devem ser o investimento e a exportação. E não se faz isso sem poupança", resume o professor Lucas Dezordi, coordenador do curso de Economia da Universidade Positivo.

A variável-chave, então é a taxa de poupança (que, simplificando, equivale ao porcentual do PIB que o Brasil produz, mas não gasta). A do Brasil está na casa dos 17% – um terço da taxa da China e pouco mais da metade da registrada no Chile, por exemplo. "Nosso problema de crescimento está relacionado à nossa baixa taxa de poupança que, ao contrário de outros países, não acompanha o crescimento", escreveu o economista Mansueto de Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em um artigo recente sobre o assunto. Ou seja: o país gera mais riqueza, mas ela é direcionada ao consumo e não ao investimento.

Nos últimos anos, o governo tomou algumas medidas que favorecem a poupança: regulamentou novas formas de investimento, como, por exemplo, os Certificados de Recebíveis Imobiliários; reduziu os limites para aplicação no Tesouro Direto; e emitiu títulos por meio da BNDESPar, braço do banco estatal BNDES para participação em empresas privadas, entre outras medidas.

"Todo formato de título ou aplicação financeira que seja interessante para o investidor é uma forma de estimular a poupança", define Fábio Araújo, professor da PUCPR e sócio do escritório de consultoria Brain Bureau de Inteligência Corporativa. Faltou, entretanto, uma política pública, programada e planejada para incentivar o cidadão a guardar dinheiro. Por outro lado, empresas interessadas em vender investem fortunas em publicidade e, nos últimos tempos, têm contado com o apoio do governo para reduzir os preços. Assim a concorrência pelos reais das famílias brasileiras se torna desigual.

Para Lucas Dezordi, da Universidade Positivo, alguns indicadores demonstram a falta de fôlego de setores da economia nacional, provocada pela ausência de poupança. É o caso da indústria de transformação, que vem perdendo importância no PIB. "É um setor que precisa de investimento para se manter atualizado e competitivo", diz. "E a cada medida que libera o crédito, o governo dá mais um passo na direção de destruir uma estratégia de longo prazo."

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