Sem imóvel, mas com a conta
Além da amortização que é cobrada antes da hora e que não cumpre a sua função, mutuários da Caixa Econômica Federal não têm a informação clara de quando a obra vai terminar: o contrato prevê uma data, mas na prática os consumidores não sabem que esse prazo pode ser extrapolado. Uma "bola de neve" de desinformação nos contratos permite que o imóvel não fique pronto no período previsto e impõe ao consumidor encargos sobre uma obra que já deveria ter sido concluída.
Descobrir prazo exige tempo e persistência
A Gazeta do Povo aguardou por mais de um mês uma entrevista com um representante da Caixa, mas a assessoria não quis expor um gerente aos questionamentos. A reportagem buscou, então, resoluções do Conselho Curador do FGTS. A tarefa é árdua. Primeiro é preciso ir ao site do conselho e saber qual é o ato normativo que trata da questão. Como o ato não é mencionado no contrato, é preciso buscar palavras como "atraso", "prazo" e "prorrogação" até se chegar a algo próximo do que se procura.
Mutuários não sabiam da falsa amortização
O administrador Ademar Alexandrino comprou um imóvel com um financiamento que usa recursos do FGTS e do programa Minha Casa, Minha Vida. Seu apartamento ainda não está concluído (a previsão indicava outubro de 2010) e, em agosto passado, pagou encargos da obra de R$ 632,82, dos quais R$ 96,30 referentes a "amortização do mês". No mês de julho ocorreu o mesmo: dos R$ 626,47 pagos, R$ 87,11 foram de amortização que, na verdade, não abate o saldo devedor.
A falta de transparência nos contratos e boletos de cobrança da Caixa Econômica Federal, maior financiadora de imóveis do país, tem causado transtornos e prejuízos aos mutuários do banco. Além de pagar por encargos que divergem do que foi contratado, consumidores desconhecem que o prazo para o término da obra descrito no contrato pode ser esticado pela construtora e, enquanto não recebe sua casa, o cliente é obrigado a pagar por juros de uma construção que já deveria estar pronta.
A Caixa reconhece que as cláusulas não são claras, mas não informa quando irá corrigir os problemas. O Procon-PR considera a situação irregular e avalia que, como estão, as informações induzem o consumidor ao erro. A Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH) salienta que os mutuários que se encontram nessa situação podem acionar a Justiça para solicitar uma revisão contratual e fazer o que já foi pago ser abatido do saldo devedor.
Quem compra um imóvel na planta e financia pela Caixa paga duas taxas diferentes durante o processo: enquanto o imóvel está sendo construído, são cobrados do mutuário os juros da construção e a atualização monetária; depois de pronta a obra, o consumidor paga a amortização, valor mensal que é abatido do saldo devedor financiado pelo banco.
Mas contratos de financiamento e boletos de pagamento analisados pela Gazeta do Povo revelam que mutuários de Curitiba estão pagando pela amortização antes de a obra estar pronta. Os problemas foram encontrados em contratos que utilizam os recursos do FGTS e do programa Minha Casa, Minha Vida, além de recursos da poupança, na modalidade chamada de SBPE modalidades que, juntas, correspondem a cerca de 90% dos financiamentos imobiliários do país. E, ao contrário do que o nome diz, essa amortização paga durante a obra não abate parte da dívida do consumidor.
Após mais de um mês de pedidos de explicações, a Caixa informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o saldo devedor dos mutuários permanece o mesmo e que, portanto, não houve abatimento do saldo devedor. Isso porque, segundo o banco, há um erro de nomenclatura: onde se lê "amortização" deve-se ler "atualização monetária".
Para a coordenadora do Procon-PR, Claudia Silvano, a situação é irregular e induz o consumidor ao erro. "O consumidor tem o direito básico de ter uma informação precisa. Se o boleto informa uma coisa e na prática acontece outra, está errado. É necessária a correção imediata", afirma.
Na avaliação da ABMH, enquanto a mudança não ocorre (e mesmo depois que ela ocorra), mutuários que encontrarem a amortização em seus boletos durante a construção do imóvel podem acionar a Justiça para pedir que os valores pagos como amortização sejam, de fato, abatidos do saldo devedor. "O mutuário está sendo induzido ao erro e pode solicitar, judicialmente, a prestação de contas e a revisão do contrato. Se fosse um erro em um mês, poderia ser entendido. Mas, nas condições constatadas, é possível entender essa inclusão da amortização no boleto como proposital", analisa o diretor da ABMH-PR, José Antunes dos Santos.
Não é possível afirmar com precisão quantos mutuários pagaram pela amortização durante a fase de construção. Mas é possível que, se a irregularidade afetou todos os contratos, o número chegue à casa dos milhões, tendo em vista que apenas no 1.º trimestre deste ano a Caixa efetuou mais de 226 mil financiamentos de imóveis.
Interatividade
Você financiou um imóvel na planta com a Caixa e percebeu que pagou a "amortização" durante a fase de construção? Conte sua história.
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.
-
Governo deve ampliar interferência política na Petrobras; o que esperar do futuro da empresa
-
Lula politiza o drama gaúcho e escala Paulo Pimenta para incomodar Eduardo Leite; acompanhe o Sem Rodeios
-
Lula anuncia voucher de R$ 5,1 mil para famílias desabrigas do RS e oficializa ministério da reconstrução
-
Lewandoswki quer União no controle da Segurança Pública; modelo é adotado em Cuba e na Venezuela
Paulo Guedes: “Nós faríamos tudo de novo e com mais intensidade”
Governo deve ampliar interferência política na Petrobras; o que esperar do futuro da empresa
Não vai faltar arroz no Brasil, apesar do governo Lula criar alarme no mercado
Tributaristas defendem que governo permita doação de Imposto de Renda para socorrer o RS
Deixe sua opinião