A chamada “guerra das maquininhas” vai ganhar mais um participante de peso. Em um movimento de reorganização do seu negócio de cartões, a Caixa aceitará propostas de novas parcerias com bandeiras de cartão. Visa e Mastercard já demonstraram interesse, segundo o jornal Valor Econômico. Os negócios de cartões ficarão centrados na CaixaPay, subsidiária que terá capital aberto na bolsa previsto para o segundo semestre.
Atualmente, a Caixa opera com a bandeira Elo, de que é sócia junto com Bradesco e Banco do Brasil. A Cielo, por sua vez, é a credenciadora comandada apenas por Bradesco e Banco do Brasil. As credenciadoras são as “donas” das maquininhas.
A vontade de explorar mais a unidade de cartões já era um sonho antigo da Caixa, segundo Fabrício Winter, sócio da Boanerges & Cia, consultoria especializada em varejo financeiro. Como já havia a proximidade por meio da Elo, o banco tentou por muito tempo, conta Winter, entrar na sociedade da Cielo, mas o cenário nunca foi favorável. “Os negócios de cartão são muito rentáveis para os bancos. É um mercado que está mudando muito rapidamente. A Caixa viu que ainda havia espaço e oportunidade, desde que também agisse rápido”, diz Winter.
Como era preciso acelerar este processo, Winter aponta que era fundamental que a Caixa saísse “debaixo” do banco público para poder fugir de processos que costumam ser lentos, como as legislações de licitação, por exemplo. A Caixa elencou alguns negócios para poder ganhar mais competitividade, rapidez e flexibilidade para valorizar estes negócios e poder abrir o capital. “Isso, então, dá base para a Caixa entrar como credenciadora por si só, e também se tornar um emissor mais ativo e competitivo no mercado. É neste cenário que criam a CaixaPay”, explica.
Procurada pela Gazeta do Povo, a Caixa informou que não está se manifestando sobre o CaixaPay.
Preço ou serviço: o que busca o cliente
A Caixa vai entrar em um mercado de grande concorrência, em que os players tomam atitudes cada vez mais agressivas. Em abril, os líderes do setor – Cielo, Rede (Itaú Unibanco) e GetNet (Santander) – anunciaram cortes nas taxas cobradas e antecipação de recebíveis. “Para estes grandes bancos, é possível reduzir a margem porque eles conseguem compensar com os serviços bancários que oferecem”, afirma Cleverson Pereira, professor de Cenários Econôminicos da Uninter. “A dúvida é se os pequenos vão conseguir se manter neste cenário”, completa.
Segundo Pereira, o histórico do mercado financeiro dá alguns indícios do que pode acontecer: primeiro, existe um “boom” de empresas oferecendo um produto ou serviço, como as startups, fintechs e bancos digitais, que tomam uma fatia do mercado; por um tempo, os líderes vão “suportando” a concorrência, mas ao mesmo tempo montando barreiras para elas se consolidarem e, assim, criando o terreno para, num futuro, comprarem as operações dos grupos menores.
Pereira acredita que ainda há espaço para a concorrência continuar aumento neste setor, mas isso pelo momento de alto índice de desemprego no Brasil, que tem levado parte da população a buscar novas formas de ganhar dinheiro. “Muitos estão virando autônomos, abrindo um comércio, empreendendo. E hoje, para sobreviver neste meio, é essencial ter uma máquina de cartão”, afirma. “Acredito que enquanto se mantiver esta situação, estas empresas continuarão tendo clientes para captar”, completa.
Winter acredita que o surgimento de novos concorrentes deve ser freado, até porque o mercado naturalmente se torna menos atrativo quando se torna muito disputado. “Os negócios que não conseguiram escalar até agora, não tem mais força e não vão mais investir nesta conjuntura de mais risco”, diz. “Mas ainda vai haver espaço para propostas diferenciadas, umas mais baseadas em preço, outras mais baseadas em serviço”, aponta.
O caminho para os players menores, que não possuem margem para reduzir seus ganhos, tem sido se diferenciar no serviço que oferecem. Com isso, eles têm chegado a uma parte da população que busca mais uma solução para sua necessidade do que diferenças mínimas na taxação. “O PagSeguro nada de braçada entre estes clientes, a maioria microempreendedores que querem algo simples e um modelo de contrato fácil, sem ficar preso a algum banco. Este cliente vai olhar mais a acessibilidade da oferta do que as propostas de taxa”, afirma Winter.
Novas tecnologias
Já estão disponíveis no mercado novos dispositivos para pagamento, como relógios e pulseiras. Fala-se, até, em chips subcutâneos. O efeito destas novas tecnologias como ameaça para maquininhas e cartões divide Winter e Pereira.
Para o professor, a tendência é de que o uso de cartões vá diminuindo com a entrada dessas novidades. “O Santander liberou as pulseiras para alguns clientes utilizarem nas máquinas GetNet e as pessoas gostaram muito. O consumidor não precisaria mais andar com uma carteira de cartões”, diz.
Já Winter não vê estes dispositivos como uma ameaça e diz que há ainda bastante desconfiança por parte dos consumidores com este tipo de tecnologia, que acabam preferindo continuar fazendo suas compras com o cartão. Além disso, os custos para ter um destes dispositivos é alto, tornando-se pouco acessível para boa parte dos brasileiros. “É só lembrarmos também da história dos pagamentos contactless utilizando celulares. Os aparelhos que permitiam isso custavam a partir de R$ 1.500”, diz.
A grande transformação neste setor deve vir quando o Banco Central regulamentar os pagamentos instantâneos baseados em QR Code, mas por enquanto a entidade ainda estuda uma forma deste sistema ser interoperável e padronizado, para que o usuário não precise ter uma série de aplicativos em seu celular para fazer seus pagamentos. Devemos ver duas trilhas funcionando, então: a tradicional dos cartões, com todos estes players, e uma nova com os pagamentos instantâneos, com o comprador de um lado junto com quem lhe fornece a tecnologia, e o consumidor do outro, com o celular nas mãos “Isso, sim, deve causar uma disrupção no mercado”, conclui Winter.
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