Antes mesmo que os impactos mais fortes da crise global desembarcassem no Brasil, o nível de inadimplência do financiamento de automóveis já transmitia sinais preocupantes. Os dados mais recentes do Banco Central, referentes a setembro, indicam que naquele mês 11,23% dos parcelamentos de veículos estavam com pagamento atrasado em mais de 15 dias, índice maior que o do mês anterior (10,97%) e superior ao verificado no mesmo período de 2007 (9,9%). Isso significa que, do saldo total de empréstimos dessa modalidade (R$ 83,6 bilhões), financiamentos que somam cerca de R$ 9,4 bilhões têm uma ou mais parcelas atrasadas.
De acordo com o BC, a inadimplência do crédito automotivo ainda é menor que a média verificada em todos os empréstimos concedidos a pessoas físicas, que atingiu 13,54% em setembro. No entanto, a diferença entre esses dois índices vem se estreitando. Em setembro de 2007, a inadimplência geral era 34% superior à do crédito de veículos; um ano depois, essa distância foi reduzida a 20,5%.
O setor automotivo já teve momentos piores o pico da inadimplência na série histórica do BC, iniciada em junho de 2000, foi de 12,32%, em março de 2003. No entanto, considerando-se apenas os atrasos superiores a 90 dias (que, por serem mais graves, são acompanhados mais de perto pelo mercado), o índice de não-pagamento atingiu em setembro a marca de 3,83% do total, a maior já registrada. Em agosto, o nível era de 3,77% e, em setembro de 2007, de 3,26%.
"Não acho que o patamar da inadimplência seja alarmante, mas sua trajetória ascendente chama a atenção. Até o começo deste ano, víamos o crédito com forte expansão, ao passo que a inadimplência permanecia estável ou mesmo caía em alguns períodos. O fato de ela estar subindo há vários meses, no caso dos veículos, é algo que preocupa", avalia Caio Fragata Torralvo, consultor financeiro e professor da Fundação Instituto de Administração (FIA), de São Paulo.
"Subprime tupiniquim"
Para o economista Hugo Meza Pinto, professor da Faculdade Santa Cruz e da Universidade Positivo, os números começam a denunciar o "erro do afrouxamento desmedido" das condições de crédito. "Nos últimos dois anos, o Brasil vendeu carros como nunca. O problema é que boa parte deles foi adquirida com financiamentos muito longos, que em alguns casos chegavam a cem meses, por uma classe econômica mais vulnerável às oscilações da economia. Provavelmente são os consumidores de menor poder aquisitivo que estão com dificuldades para honrar esses pagamentos."
Em março, Meza Pinto e dois colegas prepararam um estudo sobre o que chamaram de "subprime tupiniquim", publicado na Gazeta do Povo, em que alertavam para os perigos da redução das exigências no financiamento dos veículos. "Agora, o cidadão que não consegue mais pagar as prestações tem três opções. Vai devolver o carro e perder o que já pagou, vai tentar revendê-lo a qualquer preço, ou ficará inadimplente até que o banco tome o veículo."
O economista lembra que, embora o aumento dos calotes no setor automotivo tenha semelhanças com a inadimplência que resultou na crise imobiliária dos Estados Unidos, o financiamento de carros ainda responde por uma parcela pequena do total do crédito concedido no Brasil. Por isso, ainda que a situação se agrave, não deve culminar em uma "crise sistêmica" como a observada nos EUA. "Mas certamente esses problemas terão reflexo nos níveis de produção e emprego da indústria automobilística e de seus fornecedores", diz. "Já vemos um excesso de carros nos pátios de montadoras e revendedoras, com fábricas dando férias coletivas e revendo sua programação de produção para 2009."
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