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CNPS determinou queda no juro do empréstimo consignado para aposentados e pensionistas do INSS. Resultado: crédito secou e aposentados têm de recorrer a linhas mais caras.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A canetada do governo para baixar os juros do empréstimo consignado a aposentados e pensionistas do INSS, uma tentativa de reduzir na marra o custo do dinheiro no país, complicou ainda mais a situação de quem precisa de crédito.

A taxa pode até estar menor, mas agora é difícil encontrar bancos dispostos a emprestar dinheiro. Pelo menos dez instituições, incluindo gigantes controladas pelo próprio governo (BB e Caixa), suspenderam a oferta de consignado do INSS, com o argumento de que o novo teto de juros torna as operações inviáveis.

Resultado: aposentados e pensionistas terão de recorrer a linhas mais caras. O custo médio do crédito, em vez de diminuir, pode aumentar. O impacto pode chegar ao consumo das famílias, um importante componente do Produto Interno Bruto (PIB) que já vinha em desaceleração.

Ao que tudo indica, o governo terá de recuar e alterar novamente o limite de juros, desta vez para um meio-termo entre o teto anterior e o atual.

O episódio ainda provocou um "racha" no governo, com aliados fazendo cobranças públicas contra as presidentes da Caixa, Rita Serrano, e do BB, Tarciana Medeiros, e críticas indiretas ao Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad.

“Este imbróglio afeta o capital político do governo”, diz a professora Carla Beni, dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Decisão "na base da vontade" gera distorções

Além das implicações políticas, há as de natureza econômica. “Qualquer decisão arbitrária sobre preços na economia, como é o caso dos juros do crédito consignado, gera interferências. É natural que o mercado se retraia em movimentos como esse”, diz Sílvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria.

A economista Ariane Benedito, especialista em mercado de capitais, destaca que decisões como essa não podem ser tomadas só "na base da vontade". É preciso, segundo ela, também analisar um contexto que, no momento, não é favorável para a economia brasileira e global. “Economia é formada por ciclos de alta e de baixa e não é por isso que os problemas devem ser resolvidos na canetada”, diz.

“Iniciativas como essas geram distorções relevantes no preço de produtos financeiros, produzindo efeitos contrários ao que se deseja, na medida em que tende a restringir a oferta de crédito mais barato, impactando na atividade econômica, especialmente no consumo”, destacou a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).

Governo fará novas reuniões para decidir juros do consignado

A ideia de baixar o teto dos juros do consignado partiu do ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, que preside o Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), formado por representantes do governo, aposentados, trabalhadores e empregadores.

No dia 13, o CNPS determinou, por 12 votos a 3, uma redução no juro máximo do crédito consignado para beneficiários do INSS, que era de 2,14% e passou para 1,70% ao mês. O teto de juros para cartão de crédito consignado também foi reduzido.

Para Lupi, as taxas anteriores eram abusivas para os beneficiários do INSS – pessoas que, segundo ele, são "em sua grande maioria, extremamente vulneráveis".

Com a suspensão dos empréstimos por vários bancos, o governo agora busca uma solução. Nesta segunda-feira (20), uma reunião entre os ministros Lupi, Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil), mais a presidente da Caixa, Rita Serrano, terminou sem acordo. Ficou decidido que uma nova reunião, com participação de mais bancos, será realizada até sexta-feira (24).

"A expectativa é chegar a um acordo sobre a taxa. Há previsão de que na  próxima semana, o ministro da previdência convoque uma nova reunião do Conselho Nacional da Previdência Social para discutir o tema", informou nota da Casa Civil.

Segundo relatos de bastidores coletados pelo “Valor”, a decisão do CNPS de baixar o teto dos juros irritou Haddad, que teria apelado a Lupi para que não colocasse o assunto em pauta.

Quatro bancos, de 39, cobravam juro inferior ao novo teto do consignado

O analista de instituições financeiras do banco Inter, Matheus Amaral, considera que a redução do teto traz impactos negativos para o setor e para os players que atuam no segmento, retirando a sustentabilidade na oferta do produto, além de reduzir a sua rentabilidade.

De 39 instituições que informaram as taxas de juro do crédito pessoal consignado ao Banco Central, somente quatro praticavam taxas médias inferiores a 1,70% (o novo teto) na primeira semana de março (CCB Brasil, Cetelem, BRB e Sicoob).

Dados do Banco Central mostram que, no terceiro trimestre do ano passado, 89% da participação de mercado do crédito consignado estava concentrado em seis bancos (BB, Caixa, Bradesco, Itaú, Santander e Banrisul).

Amaral aponta que Bradesco e Itaú tem uma exposição de 6% do crédito consignado sobre suas carteiras de crédito. No Santander, esse percentual é de 3% e, no Banco do Brasil, de 2%.

“Não deve trazer efeitos relevantes para essas instituições que possuem uma carteira de crédito bem diversificada. Contudo, para players mais concentrados, o efeito nos lucros deve ser um pouco maior, como banco Pan, BMG, entre outros", cita o analista em relatório.

Febraban diz que novo teto do consignado reduz opções de público vulnerável

A Febraban informou, por meio de nota, que o setor financeiro já havia se manifestado junto ao Ministério da Previdência, afirmando que, considerando os altos custos de captação, uma eventual redução do teto poderia comprometer ainda mais a oferta de empréstimo consignado e do cartão de crédito consignado.

A entidade afirmou que os patamares de juros fixados precisam ser compatíveis com a estrutura de custos do produto, em observância às normas do Conselho Monetário Nacional (CMN) que determinam o controle da viabilidade econômica da operação de consignado.

A federação também aponta que os novos tetos têm elevado risco de reduzir a oferta de crédito consignado, levando um público carente de opções a produtos com taxas mais caras, por não terem garantias.

Hoje o país têm pouco mais de 70 milhões de inadimplentes, segundo a Serasa Experian, dos quais 12,5 milhões (17,8% do total) têm 60 anos ou mais. Quatro anos atrás, a participação dessa faixa etária no total de inadimplentes era menor, de 14,7%.

Dados da federação dos bancos mostram que as duas linhas de crédito consignado do INSS (empréstimo e cartão) tinham um saldo de R$ 215 bilhões em janeiro. A média mensal de concessão, nos 12 meses encerrados em janeiro, foi de R$ 5,2 bilhões.

As linhas de crédito alcançam, atualmente, 14,5 milhões de tomadores, com um tíquete médio de R$ 1.576,19. Do total de tomadores, 42% tem restrições em birôs de crédito. “Praticamente são as únicas linhas acessíveis a esse público mais vulnerável”, informou a Febraban.

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