Brasília e São Paulo - A captação da caderneta de poupança teve um primeiro semestre fraco, apesar da previsão de que haveria uma migração rápida de recursos provenientes de fundos de investimentos após a redução da taxa básica de juros (Selic). Nos primeiros seis meses do ano, os depósitos superaram os saques em R$ 2,45 bilhões, segundo dados do Banco Central. O valor é 45% menor do que os R$ 4,4 bilhões que entraram na caderneta no mesmo período de 2008.
A tendência, porém, é que a poupança mostre mais força no segundo semestre, como indicam os resultados de maio e junho. O investimento captou R$ 1,88 bilhão e maio e outros R$ 2 bilhões em junho. Esses resultados apareceram mesmo após a decisão do governo de tributar a caderneta com Imposto de Renda (IR) a partir de 2010, anunciada em maio. A medida tenta fazer com que o rendimento da poupança volte a ser inferior ao de fundos de investimentos que, além de ter retornos menores com a queda da Selic, ainda pagam taxas de administração e IR.
A captação líquida da poupança em junho foi a maior desde dezembro do ano passado, quando ultrapassou a marca dos R$ 5 bilhões. Apesar de ainda distante desse volume, que costuma ser mais expressivo nos meses de dezembro, a quantia vista no mês passado é a maior do ano, já que houve mais entradas do que retiradas em fevereiro (R$ 751 milhões) e maio (R$ 1,880 bilhão), mas mais saídas do que depósitos em janeiro (- R$ 486 milhões), março (- R$ 847 milhões) e abril (- R$ 941 milhões). Em 2008, apenas em abril o volume de retiradas foi superior ao dos depósitos (- R$ 1,848 bilhão).
Migração
Apesar da aceleração na captação da poupança em maio e junho, o resultado fraco do primeiro semestre ajuda a explicar por que o governo passou a tratar com mais lentidão o problema da competição com os fundos. "O ritmo de aportes na poupança vem se mantendo estável no último ano e meio, na faixa de R$ 10 milhões a R$ 15 milhões por dia", disse o estrategista de investimentos pessoais do Santander Asset Management, Aquiles Mosca. "Não temos percebido migração para a poupança", afirmou o diretor executivo do Itaú-Unibanco, Osvaldo Nascimento, responsável pelos produtos de investimentos da instituição.
Segundo especialistas, uma série de razões explica a cautela dos investidores em transferir recursos de um fundo para a caderneta. "A complexa regra do governo para (mudar) a poupança deixou as pessoas com o pé atrás", disse o professor da Trevisan Escola de Negócios Alcides Leite. O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Ernesto Lozardo acrescenta outros dois fatores. O primeiro está relacionado à estabilidade da economia. "Há 15 anos, fiz um trabalho que mostrava que o brasileiro tomava muito rapidamente suas decisões financeiras, com medo da inflação", comentou. "Hoje é diferente. As pessoas não têm mais o raciocínio do overnight."
Para Alexandre Chaia, professor de Finanças do Insper, o papel do gerente de banco é chave para entender o comportamento ainda errático do brasileiro em relação à poupança. "A maior parte dos clientes pede conselho ao gerente, que ainda não percebeu que a caderneta já rende mais do que muitos fundos", pondera. "É uma questão cultural, que precisará de tempo para mudar."
O professor da Faculdade de Economia e Administração da USP Roy Martelanc chama a atenção para outra questão comportamental. "Tem muita gente que não aplica em poupança porque acha que é coisa de pobre", afirmou. O especialista também destaca o contra-ataque dos bancos, por meio da redução do valor mínimo de aplicação em vários fundos de investimento. "A margem do banco é maior com fundos ou CDBs do que com a poupança", observou.
Rentabilidade
Para o economista da Tendências Consultoria Integrada Bruno Rocha, o volume de captação deve seguir elevado. Esse movimento, de acordo com ele, deve-se à rentabilidade do investimento. Segundo levantamento realizado por Rocha, de janeiro de 2001 a maio de 2006, o rendimento da caderneta correspondia a 48% do que era pago pela taxa básica de juros. Já no período de junho de 2006 até o mês passado, essa relação saltou para 63%. "Por isso, desde 2006, vemos mais captação do que saques da poupança", concluiu o analista. Hoje a Selic está em 9,25% ao ano, enquanto a caderneta tem um rendimento mínimo de 6% ao ano mais a Taxa Referencial (TR).