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Lula Orçamento
Governo eleito enfrentará Orçamento apertado já no ano que vem.| Foto: Gilberto Abelha/Arquivo/GRPCom

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nem começou e já enfrenta dificuldades na área fiscal. Para cobrir despesas com o Bolsa Família e outros programas, como o Farmácia Popular, em 2023, a equipe de transição elaborou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que exclui do teto de gastos essas despesas.

Nesta terça-feira (6), a PEC fura-teto, chamada de PEC da transição pela equipe de Lula, foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A proposta, que deve ser votada em plenário nesta quarta-feira (7), em duas votações, expande o limite do teto de gastos em R$ 145 bilhões por ano, pelo período de dois anos. A proposta original previa R$ 175 bilhões em quatro anos.

A regra do teto foi instituída em 2016, e limita o crescimento das despesas do governo à correção pela inflação. Se a PEC for aprovada do jeito que está, não será a primeira vez que o governo terá burlado a regra: desde 2019, na gestão de Jair Bolsonaro (PL), o governo federal gastou R$ 840 bilhões fora do teto, com a anuência do Congresso Nacional.

Os “furos” têm ocorrido em um cenário no qual o Executivo tem cada vez menos espaço para as chamadas despesas discricionárias, ou seja, que podem ser definidas com alguma liberdade. Para 2023, 93,7% do Orçamento do governo federal já está comprometido com despesas obrigatórias, que incluem gastos como os benefícios da Previdência e a folha de pagamento de servidores.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que o Executivo poderia mudar esse cenário promovendo reformas e revendo gastos que não têm se mostrado eficientes. Juliana Damasceno, analista sênior da Tendências Consultoria, lembra que a irresponsabilidade fiscal “custa caro”, gerando inflação e desemprego.

“Os políticos falam de quanto gastaram, como se gastar mais fosse sinônimo de gastar bem", diz a economista. "Por mais que a gente entenda que a fome e a miséria são problemas urgentes, que existe a necessidade da atuação do Estado, temos que pensar como isso será feito, quais sinalizações e compromissos precisariam estar sendo adotados."

Veja abaixo cinco iniciativas que, segundo especialistas, ajudariam a abrir espaço no Orçamento:

1) Acabar com o orçamento secreto

Instituído pelo Congresso durante o governo de Bolsonaro, o chamado “orçamento secreto” é como ficaram conhecidas as emendas de relator ou RP-9. Os valores são destinados a bases políticas dos parlamentares mas, no sistema do Congresso Nacional, não é possível identificar quem foi o autor da emenda. O mecanismo é criticado justamente pela falta de transparência, que abre espaço para desvios e mau uso de dinheiro público.

Como está, o Orçamento de 2023 reserva R$ 19,4 bilhões para o “orçamento secreto”. Há, ainda, valores destinados a emendas individuais, de bancada e de comissão. No total, as emendas parlamentares somam R$ 38,8 bilhões para o ano que vem.

Damasceno, da Tendências Consultoria, afirma que o problema é que, principalmente no caso do orçamento secreto, as emendas são feitas sem que haja qualquer sintonia com as prioridades do país.

"Esse mecanismo foi uma forma de dar sustentação política ao Bolsonaro no Congresso. Agora isso se tornou um direito conquistado. É difícil voltar atrás em mecanismos que acabaram acostumando os parlamentares a essa prática", diz.

Durante a campanha eleitoral, Lula fez duras críticas ao orçamento secreto. Depois de eleito, porém, o futuro presidente suavizou o discurso, já que precisa do apoio do Congresso para aprovar a PEC que tira gastos do teto e, a partir de 2023, para governar.

O PT também anunciou apoio à reeleição de Arthur Lira (PP-AL) ao cargo de presidente da Câmara. O deputado é apontado como um dos principais articuladores do orçamento secreto.

Psol, Cidadania e PSB questionam o mecanismo no Supremo Tribunal Federal (STF), afirmando que a liberação dos recursos fere a Constituição. O tema deve começar a ser julgado pelo plenário da Corte nesta quarta-feira.

2) Rever benefícios sociais

Especialistas também afirmam que é necessário rever políticas sociais implementadas no país, tornando-as mais focalizadas e menos custosas.

Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, afirma em artigo publicado na Folha de São Paulo que “programas anacrônicos precisam dar lugar aos mais eficazes”.

Gabriel Barros, economista-chefe da Ryo Asset, uma gestora de ações, defende ser necessário unificar políticas sociais que estão divididas em diversos programas, como o Auxílio Brasil, o Auxílio Gás, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a Farmácia Popular.

“Há muitos programas e eles se sobrepõem, ou seja, atendem as mesmas pessoas mais de uma vez. É comum uma mesma pessoa receber até cinco benefícios diferentes, o que mostra que os mecanismos não estão bem desenhados e precisam melhorar”, afirma.

Em relatório publicado em 2017, o Banco Mundial já dizia que o Brasil possuía “muitos programas de emprego e assistência social”, mas que sua coordenação era “insuficiente", gerando "duplicidade e despesas regressivas”. Um dos problemas, segundo o documento, é a elaboração isolada dos programas, sem que a interação entre as diferentes políticas seja considerada.

Outro documento, produzido pelo então Ministério da Fazenda e publicado em 2018, ainda durante o governo de Michel Temer (MDB), sugere que o Auxílio Brasil (à época, Bolsa Família) seja unificado à aposentadoria rural e ao BPC. Segundo o relatório, 70% do BPC eram destinados aos 60% mais ricos da população, enquanto somente 12% dos valores acabavam com os mais pobres. O benefício garante o pagamento de um salário mínimo por mês a idosos com 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência.

No caso do Auxílio Brasil, uma das críticas é de que o programa incentiva familiares que moram juntos a se cadastrar separadamente, para duplicar o valor recebido. A PEC apresentada pela equipe de transição prevê a manutenção de um benefício de R$ 600 por família em 2023, com um adicional de R$ 150 por criança de até 6 anos.

Segundo Damasceno, da Tendências Consultoria, o ideal seria que o governo fizesse um pente-fino nos cadastros do Auxílio Brasil, justamente para evitar distorções que aumentam os gastos.

“O Cadastro Único piorou muito desde a instituição do Auxílio Brasil. Houve um salto de famílias de apenas um integrante, o que indica que está havendo a acumulação de benefícios. O desenho do programa acaba gerando incentivos para distorcer a base de dados sociais do Brasil”, afirma. A equipe de transição já indicou que pretende fazer a revisão dos cadastros.

3) Reduzir ou extinguir o abono salarial

A revisão nas políticas sociais incluiria, ainda, o fim do abono salarial, considerado um programa pouco eficiente e mal focalizado. O abono é pago a trabalhadores com carteira assinada que tenham recebido remuneração mensal média de até dois salários mínimos durante o ano. O programa custa pouco mais de R$ 20 bilhões ao ano.

No documento elaborado durante a gestão Temer, o então Ministério da Fazenda recomendava que o abono fosse incluído no Bolsa Família.

“A gente poderia acabar com o abono, mas um dos argumentos contrários é de que é impossível fazer isso, do ponto de vista político. Uma alternativa seria reformular o programa e manter o pagamento só para quem ganha até um salário mínimo. Isso resultaria em uma economia de R$ 255,8 bilhões em dez anos, a partir de 2024”, diz o economista Gabriel Barros.

4) Baixar gastos com pessoal

Outra alternativa apontada pelos especialistas é a realização de uma reforma administrativa. Estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) publicado em 2020 apontou que, entre 1997 e 2019, as despesas com pessoal e encargos sociais do governo central mais que dobraram, passando de R$ 152 bilhões para R$ 321 bilhões.

Em 2020, o governo Bolsonaro chegou a enviar uma proposta de reforma administrativa ao Congresso. O texto prevê várias mudanças, entre elas a proibição da concessão de reajustes salariais retroativos; o fim da progressão de carreira baseada só no tempo de serviço; e a possibilidade de demissão em hipóteses previstas em lei, que seria posteriormente aprovada no Congresso, para servidores que não estão em carreiras de Estado (que também seriam posteriormente delimitadas).

As novas regras valeriam somente para servidores que ingressarem na carreira após a aprovação do texto. A proposta, porém, pouco avançou e ainda aguarda votação no plenário da Câmara dos Deputados.

Nas contas de Barros, uma reforma administrativa que valesse só para novos servidores e limitasse o salário de entrada para algumas carreiras, alterando também as promoções, geraria uma economia de R$ 207,1 bilhões em dez anos, a partir de 2024.

5) Rever benefícios tributários

Outro gargalo orçamentário são os chamados benefícios tributários, ou seja, as reduções ou isenções de impostos oferecidas pelo governo a determinados segmentos da economia ou grupos de pessoas.

Segundo estimativa da Receita Federal, o governo abrirá mão de R$ 456,1 bilhões em arrecadação no ano que vem por causa desses benefícios. O montante representa quase 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB).

Os maiores valores são destinados ao Simples Nacional (R$ 88,5 bilhões), que reduz e simplifica o pagamento de impostos para pequenas empresas; à Zona Franca de Manaus e a áreas livres de comércio (R$ 55,3 bilhões); e à agricultura e à agroindústria (R$ 53,9 bilhões).

O governo eleito já indicou que pretende rever desonerações, mas eliminar ou ao menos reduzir benefícios não é tarefa fácil. O ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, pretendia reduzir os incentivos, mas não conseguiu.

O Tribunal de Contas da União (TCU) afirmou, em relatório entregue à equipe de transição, que um dos problemas desses benefícios é justamente o fato de que eles “tendem a se perpetuar sem que haja comprovação de que o custo associado à redução de receitas tributárias é compensado pelos benefícios gerados”.

A Zona Franca de Manaus, por exemplo, foi criada em 1967 com previsão de término em 1997. Desde então, porém, o incentivo foi sendo prorrogado – da última vez, o prazo foi estendido até 2073, mais de 100 anos após a implantação.

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