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Brasil toca a fronteira tecnológica em alguns setores, mas o país ainda se caracteriza pelo baixo investimento em ciência, tecnologia e inovação
Brasil toca a fronteira tecnológica em alguns setores, mas o país ainda se caracteriza pelo baixo investimento em ciência, tecnologia e inovação.| Foto: Pixabay

Até mesmo os setores econômicos mais destacados do Brasil em pesquisa e desenvolvimento passam longe de alcançar a fronteira traçada pelos países mais avançados em tecnologia e inovação. A conclusão é de um levantamento elaborado por pesquisadores da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo (Nereus-USP). O trabalho é de Milene Tessarin e Paulo Morceiro e toma por base uma classificação elaborada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para avaliar o nível de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

A distância se impõe e para delinear esse panorama, a pesquisadora relaciona os segmentos que aparecem no topo da P&D brasileira. Segundo Milene Tessarin, equipamentos de transporte (setor que inclui a aviação regional) recebe investimentos de 10,7% no Brasil, o mais alto entre os setores produtivos nacionais, mas que representa apenas a metade da fatia investida na OCDE, de 20,4%. Em equipamentos de informática e produtos eletrônicos, o Brasil investe cerca de 10% contra 24,1% na média dos países da organização.

Descendo na tabela, há gaps ainda maiores: em desenvolvimento de softwares, a OCDE injeta perto de 29% do PIB do setor em P&D e o Brasil apenas 4,5%; a indústria farmacêutica da OCDE tem média de quase 28% de investimentos contra módicos 5% no Brasil e “até a indústria automobilística que sempre foi incentivada pela política industrial no Brasil investe 6% do PIB em P&D” pontua Tessarin; na OCDE o investimento é de 15,4%.

Apesar do recorte feito para a pesquisa, Tessarin enfatiza que a restrição de investimento não fica restrita a P&D e tem “custo alto a longo prazo”. A avaliação da pesquisadora é de que sem investimento “as estruturas se tornam defasadas e, consequentemente, aumenta o custo de produção (desde logística até com manutenção de máquinas e equipamentos tecnologicamente defasados), o que reduz a competitividade”.

Cenário traçado, Mirele Tessarin listou para a Gazeta do Povo cinco fatores que ajudam a explicar o baixo investimento brasileiro em ciência, tecnologia e inovação:

  • 1. Características da economia local

Mais de 80% da P&D realizada no mundo fica concentrada em alguns poucos setores produtivos, com maior relevância de equipamentos de informática e produtos eletrônicos, farmacêutico, automobilístico e desenvolvimento de softwares. Junto deles, mas caracterizados por investimentos mais moderados, aparecem os segmentos de equipamentos de transporte (inclusive aviação), máquinas e equipamentos, material elétrico, química e serviços de informação.

Segundo a pesquisadora, “no Brasil, esses setores tem um baixo peso no PIB do país, o qual é composto predominantemente por setores de baixa e média-baixa tecnologia que são pouco intensivos em pesquisa e desenvolvimento e em investimento em tecnologia de modo geral. Nas economias da OCDE [que caracterizam a fronteira tecnológica], esses setores têm um peso maior no PIB”, destaca.

  • 2. Tropicalização

Além de terem peso menor na economia brasileira, os setores mencionados anteriormente não têm empresas de capital nacional forte, o que também puxa para baixo as chances de investimento brasileiro, segundo Tessarin. “Em geral, as filiais de empresas multinacionais estrangeiras costumam investir menos em P&D no Brasil do que elas investem nos seus países de origem, onde desenvolvem a tecnologia. No Brasil, essas filiais copiam a tecnologia desenvolvida no exterior e fazem adaptações pontuais à realidade brasileira”, explica a pesquisadora. “Geralmente, essa cópia e adaptação exige menor esforço tecnológico e gastos com tecnologia. Nesse sentido, as multinacionais realizam adaptações da inovação realizada no exterior para o contexto brasileiro, o que chamamos de “tropicalização”. Então, enquanto a fatia relevante do desenvolvimento tecnológico é realizada no exterior por outra empresa do grupo multinacional, no Brasil, é feito uma cópia e adaptação tecnológica que exige desenvolvimento tecnológico pontual, menos custoso e de menor risco”, conclui.

  • 3. Serviços em alta

Em décadas mais recentes, especialmente a partir dos anos 1980, o Brasil tem observado uma mudança expressiva dos setores com mais representatividade no Produto Interno Bruto, com consequente impacto na inovação. Na avaliação da pesquisadora Milene Tessarin, essa modificação da economia demonstra “um processo de desindustrialização prematura e regressão tecnológica, na qual os setores manufatureiros de média-alta e alta tecnologia perderam bastante peso no PIB para os setores de serviços que realizam pouca inovação”.

  • 4. Educação em baixa

Outra desvantagem competitiva enfrentada pelo país passa pelos bancos escolares. Na avaliação da especialista, “a qualidade da educação brasileira é baixa comparativamente aos principais países que concorrem com o Brasil no comércio internacional”, e destaca que ”o país precisa melhorar a qualidade da educação de forma a estimular a criatividade e a inovação” como estratégia para estimular a pesquisa e o desenvolvimento econômico.

  • 5. Incentivo inexistente

A ausência de uma política industrial moderna e focada em setores estratégicos em termos de desenvolvimento tecnológico “certamente explica o desempenho modesto do Brasil em ciência, tecnologia e inovação”, aponta Tessarin. “O Brasil realizou poucas políticas industriais focalizadas na inovação tecnológica e na transformação da estrutura produtiva rumo aos setores da indústria 3.0 e 4.0” critica ela, ao destacar que foi esse o caminho seguido pelos países líderes em tecnologia para chegar aos patamares atuais.

Os pontos fora da curva

Apesar de o país aparecer, de modo geral, distante da fronteira tecnológica, cabem nos dedos de uma mão setores brasileiros que registram índices de investimento superiores à média da OCDE, ou seja, nos quais o Brasil está à frente dos parâmetros de inovação.

“O setor químico é o único de média-alta intensidade tecnológica em que o Brasil está à frente da média da OCDE”, afirma a pesquisadora, mas “em grande medida devido ao desempenho do segmento limpeza, perfumaria e higiene pessoal que investiu 10,1% do PIB em P&D”. Dentre setores de menor intensidade tecnológica, o Brasil está à frente da OCDE em 4 deles: eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana; indústria extrativa; agropecuária; e metalurgia. Para esses, avalia-se que a ampla importância na economia nacional explica os investimentos, ainda assim eles são considerados de médio-baixo ou baixo impacto para o desenvolvimento e a inovação.

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