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Uma confirmação do velho ditado de que "não há nada de novo sob o Sol" é a volta da discussão sobre a "doença holandesa" em vista da sesquipedal (perdão pelo palavrão, mas não há outra forma de qualificá-la!) valorização do real promovida pela conjunção de alguns fatos mais fortuitos do que "estruturais".

Muito antes de ser holandesa, essa doença atacou a indústria nascente brasileira até praticamente meados dos anos 60. No início dos anos 50, as exportações de café representavam dois terços das exportações totais do Brasil. Dada a inelasticidade da demanda mundial do produto à defasagem de resposta da oferta (naquele tempo, em torno de quatro anos), a receita em divisas da exportação de café variava violentamente e, com ela, a taxa de câmbio (quando havia liberdade cambial).

O fenômeno era curioso: 1) uma quebra da safra cafeeira por um acidente climático, aumentava de forma dramática os preços externos do café (devido à inelasticidade da demanda); 2) isso aumentava a oferta de divisas e valorizava a taxa cambial; 3) essa valorização abortava todas as iniciativas de exportações nascentes que com a taxa de câmbio de "equilíbrio" seriam competitivas, isto é, tinham "vantagem comparativa". O problema sério durou quase um século. O grande economista brasileiro, dr. Eugênio Gudin, inventou o aforisma "café é câmbio!" para descrevê-lo.

Essa dependência continuou até meados dos anos 60, quando o governo decidiu estimular fortemente as exportações de outros produtos introduzindo um sistema cambial chamado "crawling-peg" (o "câmbio flexível", agosto de 1967), em que a taxa de câmbio era corrigida em tempo curto (aleatório) pela diferença entre a taxa interna e externa de inflação. Em 1973 as exportações de café já não chegavam a 20% do total. A doença tinha sido erradicada.

A "doença" (sem o nome) está descrita na tese que defendi em 1959 (Delfim Netto, A. O Problema do Café no Brasil, FEA/USP, pág. 328): "O custo social da defesa do café foi muito superior do que geralmente se pensa, pois manteve no mercado produtores menos eficientes e gerou condições muito desfavoráveis ao desenvolvimento industrial. Posteriormente, a disparidade criada entre as taxas cambiais de exportação e importação impediram um uso eficiente dos fatores de produção..."

A "super" valorização aborta a produção e a exportação de pequenas e médias empresas onde se concentra boa parte da inventividade dos empresários. São os setores mais inovadores nascentes que não conseguem firmar-se porque não tem capital para sustentar prejuízos continuados e cuja perspectiva de eliminação é completamente aleatória.

Ainda agora há muitas empresas eficientes e altamente inovadoras, que exportam menos do que 20 milhões de dólares por ano com patentes originais registradas no exterior, com "vantagem comparativa" absolutamente comprovada (quando o câmbio está perto do equilíbrio, com taxas de juros reais internas parecidas com as externas mais o "risco") que estão exportando para não perder o capital que "afundaram" na exportação.

Não devíamos esquecer que com um superávit comercial de 30 bilhões já eliminaríamos o superávit em conta-corrente, de forma que o risco da "super" valorização é maior do que se pensa.

dep.delfimnetto@camara.gov.br

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