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É inegável que as atenções da sociedade estão cada vez mais voltadas para os casos de bullying ocorridos nas dependências de instituições de ensino. Ainda que tais atos ilícitos capazes de gerar a caracterização da ocorrência de bullying sejam absolutamente avessos, alheios, destoantes ao objeto da relação obrigacional existente entre aluno/escola e marcados pela pessoalidade, é certo que as escolas, observando o cumprimento do contrato, não podem ignorar a ampla proteção à criança e ao adolescente. Esta exigência se faz presente nos termos da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Ado­lescente), além do natural dever de proteção, inerente ao regime contratual que vivenciamos expressamente a partir do Código Civil de 2002, que privilegiou o princípio da boa-fé objetiva.

Portanto, ainda que (a) seja impossível às escolas preverem as atitudes que serão externadas por seus alunos (quanto menos as ilícitas), (b) vigiar 100% do tempo os alunos que são colocados sob seus cuidados e (c) serem os pais os responsáveis pelos atos de seus filhos menores (art. 932, I do Código Civil) é importante assentar que, dentro do regime jurídico estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, a averiguação acerca da existência ou não de dever de indenizar da instituição de ensino não passará pela análise da existência de culpa desta, limitando-se à verificação objetiva sobre a ocorrência – ou não – de alguma fa­­lha no serviço prestado pela escola, capaz de causar o dano noticiado pelo aluno. E esta regra será seguida nos casos de pedidos indenizatórios decorrentes de bullying.

Assim, para demonstrar a inexistência de falhas nos serviços prestados, o primeiro ponto que deve ser destacado é que as escolas deverão ficar cada vez mais atentas ao comportamento de seus discentes, agindo de maneira preventiva, a fim de conscientizar seus educandos acerca da ilicitude de determinadas práticas, sobretudo aquelas segregatórias, capazes de caracterizar a ocorrência de bullying. O segundo ponto a destacar é que as instituições de ensino, no cumprimento adequado e completo do contrato, além de agir de maneira preventiva (pedagógica, conforme inicialmente mencionado) não poderão ser negligentes diante de quaisquer situações capazes de acarretar danos aos alunos, tais como queixas de discentes que já tenham sido ou estejam prestes a se tornarem vítimas de tais práticas ilícitas, assim como no cumprimento do incontroverso cumprimento do dever de vigilância dos alunos colocados sob seus cuidados.

Importante esclarecer que o Código de Defesa do Consumidor estabelece expressamente que o fornecedor não terá responsabilidade civil se o dano decorrer de "fato de terceiro" (art. 14, § 3.º, II da Lei 8.078/90). Contudo, a mera alegação de que o dano (decorrente do bullying) foi causado por outro aluno, não sendo a escola, assim, responsável pelos atos deste, não pros­­perará em juízo sem a de­­mons­tração de que a instituição de ensino, em momento algum, foi negligente no cumprimento completo do contrato, o que implica a adoção de todas as medidas necessárias para a proteção dos alunos co­­locados sob seus cuidados. Ou seja, esta tese somente prosperará se a instituição demonstrar que não agiu de forma ilícita (marcada, portanto, pela negligência ou imprudência) para a ocorrência do dano.

Por outro lado, não podemos deixar de salientar que, neste momento, estamos retratando o panorama da perquirição da responsabilidade civil do estabelecimento de ensino diante de danos decorrentes de bulliyng, a qual, contudo, não revoga a disposição legal de que os pais serão responsáveis civilmente pelos atos de seus filhos menores. Mas, se o pedido indenizatório for direcionado contra a escola, o cenário jurídico aplicável será aquele aqui descrito.

Assim sendo, em razão da grande repercussão social que o assunto em pauta tem trazido, a tendência é que cada vez mais demandas sejam instauradas para se avaliar a existência, ou não, de responsabilidade civil das escolas nos casos de bullying, o que sugere que, desde logo, as instituições tenham co­­nhecimento do regime jurídico aplicável em processos nos quais esta discussão venha a ser travada.

(Colaboração: Juliano Siqueira de Oliveira, advogado; Esmanhotto & Advogados Associados, escritório associado à G.A.Hauer & Advogados Associados).geroldo@gahauer.com.br

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