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Neste fim de semana conversei com uma pessoa que faz parte da equipe de vendas de uma operadora de telefonia, encarregada da venda de planos de voz e dados para usuários corporativos. Ela estava explicando que, hoje, o interesse por esse tipo de contrato é muito grande e que achar interessados é tarefa bem simples. A dificuldade aparece depois de o contrato ser fechado. Por uma regra interna da empresa, o novo cliente só é aceito caso não haja restrições de crédito (Serasa, SPC, débitos anteriores não quitados com a própria operadora) para nenhum dos sócios que constam do contrato social – mesmo que detenha apenas 1% do capital. Aí é que as encrencas aparecem. Uma boa parte das propostas volta porque algum dos sócios tem problemas, contou.

Esse vendedor explicou que tem deixado a regra bem clara para os seus prospects, como muitas empresas chamam clientes em potencial contactados pela força de vendas. Muitos revelam o problema nessa fase. Outros tentam esconder, esperando que a restrição não apareça. Há ainda aqueles que não sabem do problema e revelam genuína surpresa quando descobrem por que a transação não deu certo.

Quando ouvi o relato, foi difícil não ligá-lo a uma reportagem que li na semana passada. Ela falava de uma pesquisa da Federação do Comércio de São Paulo, intitulada "Radiografia do Endivida­mento das Famílias nas Capitais Brasileiras". O levantamento mostra que Curitiba tem o maior porcentual de endividamento: 88% das famílias estão carregando papagaios.

Sou curitibano, não gosto da ideia de associar o nome da minha cidade a algum tipo de dificuldade financeira. O problema é, realmente, nacional, mas parece que a situação anda mesmo complicada por aqui. Além desse número, em si, chama atenção a sua evolução. Em um ano (do período janeiro-maio de 2010 para os mesmos meses de 2011) o número de famílias endividadas aumentou em 39% e o total de débitos acumulados por elas elevou-se em 59%. As dívidas somadas dos curitibanos foram de R$ 515,1 milhões para R$ 820,1 milhões.

Números são números. Nem sempre é fácil entender o que eles significam. Partindo do princípio de que a estatística da Fecomercio-SP é confiável – e não há razão para desconfiar, já que ela foi amplamente baseada em dados do IBGE –, o quadro parece ser bem grave. O que o ameniza é o fato de que a renda média do curitibano é alta. Por essa razão, a parcela da renda familiar do curitibano comprometida com as dívidas nem é tão assustadora: 27%, o quinto menor porcentual do país. A média das capitais está em 29% e os campeões moram em Natal (RN), com 39%.

Isso não quer dizer que você, leitor, não deva se preocupar. Com as taxas de juros praticadas no país, toda dívida é perigosa. Além disso, seu efeito se amplifica, como demonstra o caso citado no início deste texto. Com o "nome sujo", o sujeito não tem acesso a opções de comunicação que poderiam reduzir suas despesas – como resultado, terá mais dificuldades para sair da dívida. E não adianta procurar aqueles anúncios que prometem limpar o nome rapidamente. Oferecido por e-mails ou folhetos distribuídos na rua, esse tipo de consultoria pode realmente tirar sua inscrição no SPC mediante medidas judiciais, mas não paga suas contas.

Não há saída sem dor para sair da dívida. É preciso cortar despesas, fazer esforço real.

Previna-se. Evite comprometer sua renda com compras parceladas.

O mercado, um elefante

Por fim, as últimas frases do comunicado da Fecomercio-SP a respeito da pesquisa me pareceram um tanto infelizes. Diz lá que "o nível baixo de comprometimento da renda, a sofisticação do sistema de proteção adotada pelos bancos na concessão de crédito e a elevada taxa de juros cobrada faz com que o sistema financeiro se torne praticamente imune a uma eventual elevação da inadimplência".

Tremenda falta de sensibilidade. Sim, o sistema financeiro é imune à elevação da inadimplência. Mas as famílias brasileiras não. Nem os comerciantes – que, afinal, encomendaram a tal pesquisa.

Dia desses meus filhos me contaram uma piada. Um elefante estava caminhando pela savana quando pisou em um formigueiro. Revoltadas, as formigas subiram pelas pernas dele e o atacaram. O elefante sacudiu-se, e metade das formigas caiu. Sacudiu-se novamente, e a outra metade foi para o chão. Sobrou apenas uma formiga, no bem no pescoço do gigante. As outras, do chão, gritavam para ela: "Enforca! Enforca!"

Claro que não daria certo. Mas o mercado financeiro é assim, como o elefante. A inadimplência não o afeta. Para as formigas inadimplentes, vai restar voltar para casa e tentar reconstruir a vida.

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