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Em dezembro de 2001, li um artigo de Richard Cohen, colunista do Washington Post, sobre o caso Enron. Não sei se o leitor lembra, essa era uma empresa americana que militava principalmente no setor de energia e em poucos anos se tornou estrela nos mercados. Altos lucros, gestão ousada – seus donos viraram gurus da administração no fim dos anos 90. Em 2001, a empresa desabou. Ficou claro que ela vinha inflando resultados e a mística do presidente Kenneth Lay virou falência e múltiplos processos.

Cohen escreve uma pequena fábula, em que ele próprio tem uma conversa de sonho com seu avô, morto há anos. O velho imigrante critica a Enron, dizendo que ela vendia fumaça e deixou empobrecidos os seus trabalhadores (que eram estimulados a fazer sua poupança para a aposentadoria em ações da companhia). “O banco Chase vai conseguir alguma coisa, o banco Barclays vai conseguir alguma coisa e os advogados vão agir como bandidos, mas os trabalhadores, eu te digo, não vão conseguir nada. Perderam o emprego, perderam as economias e algum advogado vai dar à mulher um belo carro Packard e uma joia para a amante”, diz o velho. O avô diz que Cohen, o colunista consagrado, devia escrever algo sobre os trabalhadores.

Ao fim, vovô se despede e desaparece. “Tentei voltar a dormir, mas não consegui. Tento imaginar como os chefes da Enron conseguem”, escreve Cohen, ao fim.

Na época, recortei o artigo e guardei. De vez em quando leio de novo. Não escondo: queria um dia acertar a mão e escrever algo tão simples e pungente como aquilo. Como não consegui chegar perto, contento-me em dividi-lo com vocês, porque continua atual.

Risque Enron e coloque OGX. Ela também vendia fumaça – todas as empresas X vendiam fumaça, com seus ganhos inflados porque uma era fornecedora da outra, de modo que um pouquinho de dinheiro (captado de acionistas encantados por um plano de negócios enfeitado e perfumado) virava ganhos.

Risque Enron e coloque Petrobras. Pelas revelações dos últimos meses, a distribuição de propinas era quase um ramo de negócios para a empresa. Em 2014, as perdas acumuladas com corrupção atingiram R$ 6 bilhões – mais que o valor dos dividendos pagos aos acionistas sobre os resultados do ano anterior, que somaram R$ 5,4 bilhões.

Vende fumaça quem cria comissões e planos de ação, mas não consegue dar passos práticos para combater uma doença como a febre zika, que pode incapacitar milhares.

Tento imaginar como essa gente consegue dormir.

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