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Renan usou expressões fortes na acusação contra a imprensa: de "esquadrão da morte" a "fascista". Tem o direito de expressar suas fortes emoções, mas o fato é que, sobre ele, há "dúvidas razoáveis". A imprensa está divulgando estas dúvidas levantadas em investigações policiais e em reportagens nas quais se confronta o que ele disse com os fatos.

Renan Calheiros é presidente do Senado e do Congresso. É pessoa pública e preside um dos poderes da República. Deve contas dos seus atos à opinião pública. A sua vida privada interessa pouco. Por natureza, o brasileiro não julga os políticos por seus casos extraconjugais; uma compulsão do eleitor dos Estados Unidos. O que virou material para as investigações policiais, as sessões do Conselho de Ética e reportagens foi a relação do senador com uma empreiteira e a natureza tortuosa dos seus negócios agropecuários.

Falar sobre isso não é julgá-lo, é cumprir o dever dos jornalistas de buscar as informações necessárias para que o leitor-ouvinte-telespectador forme sua opinião. Se Renan não fosse político, não tivesse poder de incluir emendas ao orçamento, não tivesse a influência que tem no governo, ele poderia pedir a um lobista de empreiteira que entregasse o dinheiro para pagar sua ex-amante. Sendo o que é, não pode.

Qual era a única forma de pagar a pensão à mãe de sua filha? Depósito em conta no banco. O dinheiro sairia de sua conta diretamente para a de Mônica Veloso. Tudo simples, direto e auditável. A circunavegação do dinheiro vivo pelo escritório da Mendes Junior é que espanta.

O espanto continuou quando ele mesmo, Renan Calheiros, divulgou informações sobre seus negócios agropecuários. O repórter Carlos de Lannoy, da TV Globo, foi verificar as notas e os supostos clientes do pecuarista senador, e tudo piorou muitíssimo, porque a reportagem exibiu gritantes contradições e uma coleção de indícios de irregularidades. O que deveria ter feito o repórter? Divulgar a história ou guardá-la para depois que a Justiça o julgasse? A imprensa está julgando quando divulga ou apenas fazendo jornalismo?

Há coincidências entre o caso Renan e o de Joaquim Roriz: ambos gostam de dinheiro em espécie, ambos têm negócios no mesmo ramo agropecuário, ambos preferem transações complexas às simples, ambos escolhem os amigos errados para pedir favores que envolvem dinheiro.

Joaquim pode ser amigo de Nenê. O ex-governador não pode pedir dinheiro emprestado a um empresário que tem concessões de transporte urbano na região que foi governada por ele.

Toda pessoa sobre a qual pesa alguma dúvida tem o direito de dar a sua versão dos fatos. Contudo é direito de quem ouve acreditar ou não. A de Joaquim Roriz é assim: ele precisava muito comprar meia bezerra e pediu a Nenê Constantino R$ 300 mil emprestados. Nenê tinha um cheque do Banco do Brasil nominal a ele de R$ 2,2 milhões. Mandou sacar todo o dinheiro, não no Banco do Brasil, mas no Banco Regional de Brasília, que, contrariando rotina bancária, entregou a importância em dinheiro vivo, apesar de o cheque ser contra outro banco. Um ex-diretor do BRB – posteriormente preso por outras suspeitas — telefona para Joaquim Roriz e avisa que está mandando um carro-forte em sua casa. Ele prefere que a partilha seja feita no escritório de Nenê: lá ele recebe o dinheiro e teria entregado o troco a seu dono. O troco era de R$ 1,9 milhão. O maior troco da história das transações monetárias. Guiness!

Se um ex-governador pudesse pedir empréstimo a um amigo concessionário de serviço público, como seria a transação? O dinheiro seria depositado por Nenê na conta dele, ou da empresa dele que estava pagando pela bezerra. A transação seria registrada num documento de empréstimo entre pessoas físicas, ou jurídicas. Tudo simples, direto, auditável.

O presidente Lula e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao defenderem Renan Calheiros, sugeriram que princípios democráticos estão sendo desrespeitados. Os dois fazem confusões conceituais e factuais. Quem está errando é o presidente do Senado, que tem usado o cargo para defesa pessoal. Quem está se omitindo dos seus deveres é o Conselho de Ética, na sua explícita chicana de acobertamento. Quem está pondo a democracia em risco é o Senado, por não entender a gravidade do momento e pela estreiteza de suas opções. Em vez de defender a instituição, a maioria dos senadores tem escolhido defender o presidente da Casa. Assim, subverte sua função constitucional de representar a Federação, vira refém de um dos seus membros e solapa a confiança que, na democracia, o povo deve ter em suas instituições.

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