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Um exemplo do acabamento rebuscado dos “chefões” de Bayonetta: o sentido está no conjunto | Reprodução
Um exemplo do acabamento rebuscado dos “chefões” de Bayonetta: o sentido está no conjunto| Foto: Reprodução

Ficha técnica

Bayonetta

- Plataforma: PS3 e Xbox360

- Produtora: Sega

- Categoria: Ação

- Preço: R$ 249,00

- Pró: Ação frenética

- Contra: os gráficos poderiam ser melhores

Não torça o nariz, caro leitor, para o assunto desta coluna. Por mais que seja "manjado", ex­­tre­­mamente batido e um tanto quanto pedante, vamos dar algumas pinceladas num termo que não agrada as cabeças mais iluminadas: pós-modernidade. De forma superficial e leve, claro, pois este ainda é um espaço dedicado à jogatina eletrônica. Para analisar Bayonetta, que chega ao PS3 e Xbox360, o prólogo cabeça se faz necessário. Segundo alguns teóricos, a pós-modernidade representa uma quebra com todos os movimentos anteriores da História da Arte. Não é propriamente um movimento, mas sim uma ruptura do que caracterizava os outros períodos. Abandonam-se conceitos como "novo", "vanguarda" e "originalidade". Deve-se usar, em tese, o que já foi feito de forma desorganizada e caótica. Tudo teria significado, como explicou o filósofo francês Ernest Gellner em "Pós-moder­nismo, razão e religião".A pós-modernidade trabalharia com o excesso do que a humanidade já produziu (sim, também é aplicado para a área econômica em teorias de esquerda). Em um mesmo espaço poderíamos ter artes plásticas, vídeo e música se relacionando. Os videogames, ainda pouco estudados, têm por natureza estas características. Talvez seja a plataforma que mexa com mais sentidos ao mesmo tempo. Só o olfato estaria de fora – por en­­quanto. Os jogos eletrônicos podem usar, simultaneamente, narrativas do cinema, da fotografia e literatura. Aqui entra Bayo­netta que, além de fazer uso das linguagens já citadas, brinca de bagunçar as referências dos próprios videogames.

O game desenvolvido pela Sega se equivaleria com filmes como O livro de cabeceira e M Is for Man, Music, Mozart do diretor galês Peter Greenaway. Ou, em um péssimo exemplo, Fonte da Vida de Darren Aronofsky. Os dois diretores exploram ao máximo cada centímetro de película (em tamanho e tempo) para jogar uma avalanche de citações. Greenaway é mais hermético e Aronofsky, mais "over". Milhares de informações que se entrecruzam para contar uma história. Vale colocar literatura, teatro e dança na película. Também sobra um pouco de tudo em Bayonetta. E este excesso forma um conjunto com uma identidade única. A estética é a parte mais evidente do game em questão, que poderia ser classificada como excessivamente kitsch, com redundância e tudo. Uma espécie de tubarão empalhado de Damien Hirst, interativo.

Hideki Kamiya, criador da cultuada série Devil May Cry e de Bayonetta, pegou vários clichês da indústria e os potencializou. Personagens fartamente armados, mulheres mais esbeltas que o mais exagerado hentai, inimigos gigantescos, roupas medievais com milhões de peças metálicas se misturam num enredo confuso sobre alguma briga maligna entra bruxas no inferno. Bruxas, inferno, demônios, magias, zumbis e vampiros devem ser tema de 99% dos jogos lançados recentemente.

Os cinco parágrafos acima se­­riam irrelevantes caso o jogo não se destacasse quando inserido no console. A mecânica, muito parecida com Devil May Cry, transcorre de maneira frenética. Não basta dar um tiro ou um pulo. Sempre é preciso que se realizem combinações de golpes. E com muitos golpes. A quantidade de informação por quadro é impressionante. Há fases repletas de inimigos e chefões que poderiam causar ataque epilético com tantos movimentos e luzes que soltam em um curto espaço de tempo. Os "chefões de fase", inclusive, têm um acabamento tão rebuscado que se torna impossível identificar todos os detalhes. Um deles tem o corpo revestido de pedra emendado por cabeças (pensem numa cobra devorando outra cobra), com detalhes em ouro e uma coroa de oliva dourada. Separadamente os itens são bregas apenas, mas no conjunto realmente há um sentido.

Alguns críticos decretaram que o jogo não é para ser levado a sério e que abusa da exploração da sexualidade – há muitas cenas em que a protagonista fica quase nua e sempre aparece com um pirulito na boca. Eles estão errados, pois é justamente o contrário. A sexualidade não é para ser levada a sério, neste caso. Já o jogo deve ser jogado e estudado justamente por ser uma paródia da estética padrão. Um produto que fragmenta as re­­ferências dos games com uma forma de jogar excitante. Quando se concentra tudo num mesmo lugar é impossível que se consiga acompanhar todas as mensagens. Tal­­vez o discurso por trás do jogo seja exatamente esse: jogos são baseados, acima de tudo, em jogabilidade. Interação entre homem e computador. O resto é acompanhamento. Jogabilidade, no caso de um game, seria o equivalente ao texto do escritor, à montagem do diretor ou à luz do fotógrafo. Bayo­netta é um pouco de arte num mun­­do com excesso de entretenimento.

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