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De uma hora para outra, criar empregos saiu de moda e castigar economicamente a população virou a nova tendência. Con­­denar déficits e recusar ajuda a uma economia ainda em apu­­ros virou norma em todo lu­­gar, inclusive nos Estados Uni­­dos, onde 52 senadores vo­­taram contra estender o auxílio aos desempregados, apesar de a taxa de desemprego de longo pra­­zo ser a mais alta desde a dé­­cada de 1930.

Muitos economistas, inclusive eu, consideram essa guinada em direção à austeridade um erro. Ela traz lembranças de 1937, quando a tentativa pre­­matura do então presidente americano Franklin Delano Roosevelt de equilibrar o orçamento afundou uma economia em recuperação de volta em uma aguda recessão. Na Alema­nha, alguns acadêmicos conseguem fazer paralelos com as políticas de Heinrich Brüning, chanceler de 1930 a 1932, cuja devoção à ortodoxia financeira acabou selando o desastroso destino da República de Wei­mar.

Mas, apesar dos alertas, os falcões do déficit levam vantagem na maioria dos países – principalmente na Alemanha, onde o governo prometeu 80 bilhões de euros em aumento de impostos e corte de gastos, apesar de a economia conti­nuar a operar muito abaixo de sua capacidade.

Qual é a lógica econômica por trás dessas medidas? A resposta é que não existe lógica alguma. Pressione as autoridades alemãs para que expliquem por que precisam impor austeridade a uma economia em de­­pressão e você receberá explicações sem sentido. Ressalte que elas não fazem sentido, e eles darão outras explicações, igualmente ilógicas. Discutir com os falcões do déficit alemão lembra muito os debates com os fal­­cões americanos que queriam a guerra no Iraque em 2002: eles sabem o que querem fazer, e ca­­da vez que você refuta um argumento, eles simplesmente vêm com outro pretexto.

Uma conversa típica com um falcão do déficit, baseando-se na minha própria experiência e na de outros economistas, seria mais ou menos assim:

Falcão alemão: "Precisamos cortar os déficits imediatamente, pois temos de lidar com o fardo fiscal de uma população cada vez mais idosa".

Interlocutor: "Mas isto não faz sentido. Mesmo que vocês consigam poupar 80 bilhões de euros, os pagamentos de juros sobre essa dívida somariam menos de 0,1 ponto porcentual do seu PIB. Assim, a austeridade que vocês estão buscando poderá ameaçar a recuperação econômica, ao mesmo tempo em que não melhorará sua posição orçamentária de longo prazo".

Falcão alemão: "Não vou discutir aritmética. Você tem de levar em conta a reação do mercado".

Interlocutor: "Mas como você sabe de que maneira o mercado vai reagir? E, mesmo assim, por que o mercado se importaria com políticas que quase não têm impacto sobre a posição fiscal de longo prazo?"

Falcão alemão: "Você não entende a nossa posição".

O problema é que, enquanto os que advogam a austeridade posam de realistas, que fazem o que tem de ser feito, eles não justificam sua postura com números reais. Eles também não podem argumentar que os mercados estão demandando austeridade. Pelo contrário, o governo alemão continua to­­mando empréstimos a taxas de juros irrisórias. Ou seja, os mo­­tivos reais por trás de sua obsessão estão em outro lugar.

Nos EUA, muitos dos que se autointitulam pregadores do déficit são hipócritas: eles são rápidos em cortar benefícios para os mais pobres, mas suas preocupações com a tinta vermelha desaparecem quando se trata de relaxamentos fiscais para os mais ricos. O senador norte-americano Ben Nelson, por exemplo, disse que o governo não pode arcar com US$ 77 bilhões para ajudar os desempregados, mas havia sido um dos primeiros a aprovar o primeiro corte fiscal de Bush, que custou a bagatela de US$ 1,3 tri­­lhão aos cofres públicos.

Os falcões do déficit alemão parecem mais sinceros. Ainda assim, a questão central deles não tem nada a ver com realismo fiscal. Tudo que fazem se resume a moralismo e pose. Independentemente das circunstâncias econômicas, a po­­pulação alemã sempre encara déficits como imorais e equilíbrio orçamentário como algo virtuoso.

"Estas últimas horas foram uma demonstração singular de força", declarou Angela Mer­kel, a chanceler alemã, após uma reunião ministerial que aprovou o plano de austeridade. Demonstrar força – ou o que é percebido como força – é o que importa. Haverá um preço a ser pago por tal postura. Apenas parte desse valor será paga pela Alemanha, uma vez que a austeridade vai piorar a crise na zona do euro, deixando ainda mais difícil a recuperação da Espanha e de outras economias problemáticas. Os problemas da Europa estão também enfraquecendo o euro, o que perversamente ajuda a indústria alemã, mas exporta as consequências da austeridade do país para o resto do mundo.

Os políticos alemães estão determinados a provar sua força impondo castigos econômicos – e os políticos ao redor do mundo imitam esse comportamento. Até que ponto as coisas podem piorar? Passaremos pe­­los mesmos apuros de 1937? Não sei. O que sei é que as políticas econômicas tomaram a direção errada, e que as chances de uma recessão prolongada crescem a cada dia que passa.

Paul Krugman, Nobel de Economia de 2008 e professor da universidade americana de Princeton, é colunista do jornal The New York Times. A Gazeta do Povo reproduz seus artigos neste espaço às segundas-feiras.

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