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Um aspecto deprimente da política norte-americana são suas instituições políticas e de mídia, que são suscetíveis a charlatães. Pode-se pensar, vistas as experiências passadas, que pessoas ligadas à Washington estariam a postos contra conservadores com planos grandiosos. Mas não: enquanto alguém de direita alegar ter novas propostas audaciosas, esta pessoa será aclamada como um pensador revolucionário. Mas todos se esquecem de fazer as contas.

O que me leva ao pensador revolucionário do dia: o republicano Paul Ryan, do estado de Wisconsin.

Ryan se tornou o "garoto propaganda" das novas ideias do partido republicano graças ao "Mapa para o Futuro dos EUA", plano do político para uma grande reavaliação dos gastos federais e política fiscal dos EUA. A cobertura da mídia tem sido altamente favorável; na última segunda-feira, o Washington Post publicou em primeira página um perfil chamativo de Ryan, retratando-o como a consciência fiscal do Partido Republicano. Além disto, ele é frequentemente descrito como sendo dono de uma "intelectualidade audaciosa".

Todavia, a audácia do político é para os tolos. Ryan não está oferecendo alimento fresco para pensamentos; ele oferece sobras da década de 1990 ensopadas com molho de besteirol.

O plano de Ryan sugere cortes profundos nos gastos governamentais e também nos impostos. Ele deve estar pensando que esta combinação traria déficits muito menores no orçamento. Além disso, de acordo com a matéria do Washington Post, ele fala dos déficits utilizando "termos apocalípticos". O jornal também reporta que o plano do político iria, de fato, realmente tirar as contas do vermelho. "O Escritório de Orçamento do Congresso estima que o plano do republicano Paul Ryan possa diminuir o déficit do orçamento pela metade até 2020".

Todavia, o Escritório do Orçamento jamais fez tal análise. A pedido de Ryan, o órgão produziu uma estimativa dos efeitos de sua proposta de corte de gastos no orçamento durante certo período, mas jamais analisou a perda de arrecadação com o corte tributário proposto pelo político.

O não-partidário Centro de Polí­­­­ti­­­ca Tributária, todavia, fez esta análise. Os números encontrados pelo órgão indicam que o plano de Ryan iria reduzir a receita em quase US$ 4 trilhões durante a próxima década. Se somarmos esta perda de arrecadação com os números citados pelo Washington Post, teremos um rombo ainda maior em 2020, beirando US$ 1,3 trilhão.

Esse é o mesmo déficit que o Escritório do Orçamento estima para 2020 caso se sigam os planos da administração Obama. Ou seja, Ryan pode usar termos apocalípticos para falar do déficit, mas mesmo que os americanos acreditassem que sua proposta de cortar gastos é possível – o que não é recomendável – o Mapa não iria reduzir o déficit. Tudo o que aconteceria seria um corte dos benefícios da classe média em troca de uma redução violenta da carga tributária para os mais ricos.

E eu realmente quero dizer violenta. O Centro de Política Fiscal descobriu que o plano de Ryan prevê o corte de 50% da carga tributária imposta ao 1% da população mais rica dos EUA, o que daria a eles 117% dos cortes tributários totais do plano. Não é erro de im­­­­­pres­­­são. Mesmo que reduzisse pela metade os impostos no topo da cadeia, o plano aumentaria a car­­­­­­­­­ga tributária para 95% da população.

Por fim, vamos analisar o corte nos gastos governamentais. Em sua primeira década, muitas das supostas economias do plano de Ryan proviriam do pressuposto de que não seria gasto um centavo a mais do que os dólares já gastos nas despesas domésticas discricionárias, o que inclui tudo: desde os gastos com a política energética e educacional até o sistema judiciário. Isto representaria um corte de 25% uma vez que a inflação fosse ajustada de acordo com o crescimento populacional. Como um corte tão severo será possível? Quais programas do governo deverão ser eliminados? Ryan não nos fornece respostas a tais perguntas.

Após 2020, a principal fonte da suposta economia viria de profundos cortes no Medicare, obtidos através do desmantelamento do Me­­­di­­­­care que conhecemos, substituindo-o por cupons (vouchers) a serem dados aos segurados idosos e dizendo a eles para adquirirem seu próprio seguro. Isso soa familiar? Deveria. É o mesmo plano que Newt Gingrich tentou vender em 1995.

Os americanos já sabem, por experiência com o Programa de Vantagens do Medicare, que um sistema de cupons iria acarretar em custos mais altos do que os do sistema atual. A única forma que o plano de Ryan possui para economizar dinheiro seria emitir cupons em valores tão baixos a ponto de não fornecer cobertura adequada. Os idosos mais ricos poderiam complementar o valor em seus cupons para obter a assistência médica necessária, mas o resto da população estaria desamparado.

Na prática, isso não daria certo: americanos mais idosos se sentiriam ultrajados – e eles são eleitores. Mas isto prova que a suposta economia provinda do corte de orçamento do plano de Ryan não passa de uma fraude.

Sabendo disso, por que tantos em Washington, especialmente na mídia, se deixaram levar por este besteirol? Não é apenas a incapacidade de fazer contas, apesar disso ser parte do problema. Existe também uma indisposição dos pretensos centristas de encarar a realidade do Partido Republicano moderno; eles querem fingir, mesmo quando provas irrefutáveis estão abaixo de seus narizes, que ainda há pessoas com bom senso no partido. E por último, mas não menos importante, encontra-se a deferência pelo poder – o Partido Republicano é uma força política ressurgente, logo ninguém pode enfatizar que seus heróis intelectuais estão nus.

E eles estão. O plano de Ryan é uma fraude que não traz contribuição alguma para o debate sobre o futuro fiscal dos EUA.

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