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"Não corte o Medicare (serviço de saúde público americano para idosos e inválidos). Os projetos de reforma da saúde aprovados pela Câmara e pelo Senado reduzem o Medicare em aproximadamente US$ 500 bilhões. Isso está errado." Assim declarou Newt Gingrich, o ex-presidente da Câmara, em um recente artigo de opinião escrito com John Goodman, presidente do National Center for Policy Analysis.

E a ironia morreu.

Bem, Gingrich estava apenas repetindo a posição atual do partido. Críticas ferrenhas contra qualquer esforço para buscar corte de custos no Medicare – painéis da morte!– são peças centrais dos esforços republicanos para satanizar a reforma da saúde. O que é incrível, porém, é que eles estão escapando impunes com isso.

Por que isso é incrível? Não é apenas o fato de os republicanos agora estarem se colocando como defensores de um programa que eles têm odiado desde o dia em que Ronald Reagan avisou que o Medicare iria destruir a liberdade da América. Nem se deve ao fato de, como presidente da Câmara, Gingrich ter tentado pessoalmente promover cortes profundos no Medicare – e, em 1995, chegou até a suspender o funcionamento do governo federal em uma tentativa de pressionar Bill Clinton a aceitar esses cortes

Afinal, seria possível explicar essa guinada supondo que os republicanos mudaram de opinião, que finalmente perceberam quanto bem o Medicare faz. E se você acreditar nisso, eu tenho alguns títulos baseados em hipotecas que você pode estar interessado em comprar.

Não, o que é verdadeiramente incompreensível é o seguinte: enquanto os republicanos de­­nunciam propostas modestas para conter o aumento dos custos do Medicare, eles próprios tentam desmantelar todo o programa. E o processo de desmantelamento começaria com cortes de gastos de cerca de US$ 650 bilhões ao longo da próxima década. Matemática é difícil, mas eu acredito que isso é mais do que os cerca de US$ 400 bilhões (e não US$ 500 bilhões) em redução de custos do Medicare estimados nos projetos de lei de reforma da saúde dos democratas.

Eu estou falando aqui do "Roteiro para o Futuro da Amé­­rica", o plano de orçamento lançado recentemente pelo deputado Paul Ryan, líder da bancada republicana no Comitê Orça­­mentário da Câmara. Outros líderes republicanos têm se esquivado a respeito do status oficial desta proposta, mas está claro que a visão de Ryan representa de fato o que o GOP (Grand Old Party, em inglês, como o Partido Republicano também é conhecido) tentaria fazer caso retornasse ao poder.

O quadro geral que emerge do "roteiro" é o de uma agenda econômica que não mudou um mi­­límetro em resposta ao fracasso econômico dos anos Bush. Em particular, Ryan oferece um plano de privatização do Seguro Social que é basicamente idêntico ao das propostas de Bush de cinco anos atrás.

Mas o que é realmente digno de nota, dado o modo como o Partido Republicano tem feito campanha contra o plano de reforma de saúde, é o que Ryan propõe fazer com o Medicare.

Na proposta de Ryan, ninguém atualmente sob a idade de 55 anos seria coberto pelo Medicare como ele existe hoje. Em vez disso, as pessoas receberiam vales e teriam de comprar seus próprios seguros. E mesmo essa nova e privatizada versão do Medicare ruiria ao longo do tempo, porque o valor desses vales certamente ficaria muito defasado em relação ao verdadeiro custo do seguro de saúde. Quando os americanos atualmente na faixa dos 20 ou 30 anos chegassem à idade em que teriam direito ao Medicare, não restaria quase nada do programa.

Mas e aqueles que já estão cobertos pelo Medicare, ou vão entrar no programa na próxima década? Eles estão seguro, diz o roteiro; eles ainda estão elegíveis para o Medicare tradicional. Exceto, isto é, pelo fato de que o plano "reforça o atual programa com mudanças como cobranças adicionais proporcionais à renda para o benefício de medicamentos prescritos, para assegurar a sustentabilidade a longo prazo".

Se isso soa como um jargão deliberadamente confuso, é porque é isso mesmo. Felizmente, o Congressional Budget Office (escritório responsável por análises e estudos para o Congresso americano), que fez uma avaliação do roteiro, oferece uma tradução: "Os inscritos de renda mais alta pagarão valores mais altos, e alguns pagamentos feitos pelo programa seriam reduzidos". Em suma, haveria cortes no Medicare.

E é possível recuar no tamanho dos cortes a partir da análise do escritório do orçamento, que compara a proposta de Ryan com os parâmetros da política atual. o total ao longo da próxima década seria de cerca de US$ 650 bilhões– substancialmente mais do que as economias de custos do Medicare nos projetos de lei democratas.

A questão principal, então, é que a cruzada contra a reforma da saúde se baseia em pura hipocrisia: os republicanos que odeiam o Medicare, que tentaram cortar o Medicare no passado e ainda buscam desmontar o programa, estão marcando pontos políticos ao condenar propostas para cortes de custo modestos – economias que são substancialmente menores do que os cortes de gastos de suas próprias propostas.

E se os democratas não agirem juntos e conduzirem a reforma quase completa até a linha de chegada, este ato de tirar o fôlego de hipocrisia descomunal será bem-sucedido.

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