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O presidente da Comissão Orçamentária da Câma­­­ra dos Deputados dos Estados Unidos, Paul Ryan, parece nervoso. E o motivo é claro: o presidente Barack Obama, para alívio dos progressistas, expôs o blefe do parlamentar. Há pouco mais de dez dias, Ryan apresentou sua proposta de Orçamento, e a reação inicial da maioria dos analistas foi muito bem resumida (de maneira sarcástica) pelo blogueiro John Cole: "O plano é ousado! É sério! Exigiu coragem! Ele altera o debate! A bola está agora no campo de Obama! Muito bem calculado! O jogo mudou! Eu já disse que ele é sério?".

Depois disso, as pessoas que realmente entendem de cálculos orçamentários começaram a trabalhar e ficou claro que a proposta não era séria. Na verdade, ela não passava de uma piada de mau gosto. As únicas coisas reais que apresentava eram cortes radicais na ajuda aos necessitados e às pessoas sem plano de saúde, reduções gigantescas nos impostos dos mais ricos e das empresas e a privatização do Medicare. Toda a suposta economia de gastos era pura fantasia.

Na quarta-feira passada, como eu disse, o presidente ex­­­­pôs o blefe de Ryan. Após fazer uma defesa corajosa (e tranquilizadora) da seguridade social, Obama declarou: "Não há nada sério em um projeto que se propõe a reduzir o déficit ao desperdiçar um trilhão de dólares em isenções tributárias para milionários e bilionários. E não acho que exigir o sacrifício dos mais pobres e daqueles sem poder de barganha no Congresso seja um ato corajoso". Na verdade, o plano de Ryan pede cortes tributários de US$ 2,9 trilhões, mas isso não faz diferença.

Em seguida, Obama apresentou um projeto orçamentário responsável de fato. A proposta presidencial não é perfeita nem de longe. Na minha opinião, o controle de despesas que ele propôs para o Medicare vai na direção certa, mas o presidente está esperando resultados rápidos demais. E, no longo prazo, acredito que ainda será preciso aumentar um pouco os impostos cobrados da classe média e dos mais ricos para que os norte-americanos construam a sociedade que desejam. Porém, a visão está correta, e os números são muito mais confiáveis do que aqueles incluídos no pacote promocional de Ryan.

O chilique – quer dizer, o comportamento crítico – que o plano de Obama provocou em Ryan foi bastante revelador, à medida que o sujeito que usa déficits orçamentários como desculpa para cortar impostos acusava o presidente de "partidário". Ryan também disse que Obama estava "tremendamente equivocado" – isso vindo de uma pessoa cujo plano incluía um erro de US$ 200 bilhões em cálculos de juros e, ao que parece, cometeu um erro ainda maior no que se referia aos custos do Medicare. O parlamentar não apontou quais os equívocos a que se referia.

Agora, uma minúcia: podemos tratar rapidamente da maneira como os políticos atuam em relação aos medicamentos? Afinal de contas, o contraste entre os planos de Ryan e de Obama não se resume a diferentes visões de sociedade. Ele também demonstra visões diversas sobre como caminha a humanidade. Em nenhum outro aspecto isso fica mais claro do que na maneira como o Medicare deveria arcar com os custos dos remédios.

Obama declarou: "Reduzi­­­remos os gastos com medicamentos prescritos ao usar o poder de compra do Medicare para baixar os preços". Do outro lado, Ryan citava a atual cobertura do Medicare sobre os remédios – um programa que depende de seguradoras privadas, sujeito a leis que proíbem o Medicare de exercer seu poder de barganha – como um exemplo das vantagens que poderiam ser alcançadas caso todo o sistema fosse privatizado.

Obama tem razão. O chamado programa Medicare Parte D custa menos do que se esperava, pelo menos até agora. Mas isso ocorre porque o gasto total com remédios está aquém da expectativa, resultado, em grande parte, da escassez de novos medicamentos e da crescente adoção dos genéricos. A maneira correta de avaliar o Medicare Parte D é por meio da comparação com outros programas em que o governo usa o poder de compra em seu favor. Essa análise sugere que, se há alguma mágica na privatização, ela está no jeito miraculoso como as companhias farmacêuticas podem ficar mais ricas e os contribuintes, mais pobres. Por exemplo, o Departamento dos Vete­­­ranos de Guerra paga cerca de 40% menos do que o Medicare Parte D pelos remédios que adquire. Por acaso eu já mencionei que o Medicare Advantage, um programa que se assemelha ao sistema privatizado que os republicanos querem impor a todos os idosos, custa hoje 12% mais por beneficiário do que o Medicare convencional?

Voltando ao discurso do presidente: o plano de Obama não vai se tornar lei; e nem o de Ryan. Dada a reação histérica dos republicanos, é provável que não vejamos negociações para diminuir essas diferenças. Isso é bom, porque a proposta de Obama já depende demais dos cortes de despesas. Caso seguisse com mais vigor na direção do Partido Republicano, o projeto seria impraticável e inaceitável.

O que ocorreu nas últimas duas semanas, portanto, teve mais a ver com a marcação de posicionamentos do que com a colocação de políticas em prática. De um lado, há um misto de má-fé e fantasia; do outro, a reafirmação do caráter humano da sociedade norte-americana, combinada com números bem realistas. Qual deles você escolhe?

Tradução: João Paulo Pimentel

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