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Certa vez, a filha de um amigo meu, ao me encontrar em um evento, relatou uma curiosidade em sua carreira que nem ela mesma conseguia explicar. Lúcia, formada em Comu­nicação Social e pós-graduada em Marketing, vinha constituindo sua carreira em meio a escaladas de empresa em empresa. Certa de que ia pelo caminho certo, a moça, com pouco mais de 30 anos, era referência no meio de comunicação, sendo sempre requisitada para opinar com as mais exuberantes soluções para ações de fortalecimento de marcas. Durante seus quase 15 anos de carreira, já havia passado pelas principais multinacionais da cidade onde mora e por todas as grandes agências de publicidade. Possuía habilidade de relacionamento com mídias e clientes e, ainda por cima, desempenhava excelente coordenação em assessoria de imprensa, mesmo não sendo seu foco principal de trabalho. Quando falavam em comunicação com a moça, ela dominava tudo com maestria digna de premiações. E por falar em premiações, Lúcia possuía uma verdadeira coleção de laureis da sua área de atuação.

Porém, o que levou a moça a puxar tal assunto comigo foi a última recolocação pela qual havia passado. Poucos meses antes dessa nossa conversa, Lúcia havia ingressado em uma empresa de médio porte que não possuía tradição em mídia, pouco investia em publicidade, e assessoria de imprensa era algo impensável. E, foi pelo desafio em quebrar os paradigmas dessa empresa, que ela se sentiu motivada em entrar lá e fazer acontecer. Nesse ponto foi tranquilo para Lúcia. Em curtíssimo período, diria que em tempo recorde, ela já havia criado uma consciência coletiva de que investimentos em mídia são necessários e oferecem real retorno à empresa. Com isso, possuía carta branca para fazer qualquer investimento necessário.

Entretanto, mesmo se desenvolvendo de forma satisfatória perante a empresa, Lúcia sentia que seu desempenho não estava a seu próprio contento. Os resultados cresciam e a recente área de marketing rendia louros à empresa, mas a satisfação profissional da moça não condizia com a realidade que ela criava para a organização. A verdade era que, como a empresa vinha do zero em relação a marketing, qualquer coisa que ela fizesse poderia ser considerada extraordinária. Até mesmo porque, eu tenho de convir, a moça realmente realizava coisas admiráveis. Mas ela estava decididamente infeliz naquela empresa. E, por mais que fosse frequentemente especulada pelo mercado, dessa vez não havia nenhuma oportunidade aparente que se encaixasse com o perfil da moça.

Ao tentar ajudá-la, questionei sobre como era seu dia a dia nas outras empresas pelas quais passou e como era agora, na nova companhia. De imediato, notei em seus relatos um grande apreço por alguns costumes comuns nas outras empresas, porém ausentes na atual. Percebi que ela sentia falta de um espaço para criar. E não me refiro a um espaço físico, mas sim um respeito a seu tempo de criação. Antes, era muito comum, por exemplo, que, ao criar uma nova ação, a moça pudesse se isolar em uma sala, ligar uma música e, às vezes, pedir um lanche ou petiscos para comer enquanto pensava. Ela tinha o costume, inclusive, de ler artigos sobre assuntos aleatórios e visitar páginas de piadas minutos antes de se infiltrar em mais um de seus projetos, pois acreditava que, após bons minutos de risadas, ficava muito mais fácil de as ideias virem à tona.

Mas, na atual empresa nada disso era possível. Não havia nenhum canto em que pudesse se isolar, pedir lanche era algo terminantemente proibido e o acesso a sites de piadas, vídeos, relacionamento etc. era restrito. Sua mania de ficar um tempo "sem fazer nada" era podada pela raiz, o que contrariava sua satisfação em trabalhar e prejudicava seu desempenho profissional. Como disse antes, a empresa estava satisfeita com seu trabalho, pois antes não havia ninguém que fizesse o que ela fazia. Mas, na verdade, Lúcia não estava doando nem um décimo do seu potencial à empresa.

Não são todas as empresas que sabem, mas o ócio criativo, seja ele como for, é fundamental para o bom desempenho de alguns profissionais mais arraigados a esses costumes. Infelizmente, para Lúcia se satisfazer profissionalmente novamente, ou teria que pedir demissão, ou teria que renovar os costumes da empresa, o que era, sem dúvidas, infinitamente mais difícil.

Não perca na próxima terça-feira, na Coluna Talento em Pauta, algumas formas de exercer o ócio criativo, sem interferir em sua produtividade. Siga-me no Twitter: www.twitter.com/bentschev.

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