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Miguel retornou ao Brasil após cinco anos morando no exterior. Ele havia partido para cursar um MBA, em uma escola renomada. Ao final do curso, recebeu uma proposta de emprego e a aceitou pensando em adquirir novas experiências e em aprimorar o currículo.

O período em que passou no país estrangeiro auxiliou Miguel a perceber o mundo de uma forma diferente. Passou a respeitar as diferenças, a ser mais compreensivo e responsável. Mesmo assim, ele escolheu retornar ao Brasil ao final de seu contrato de trabalho.

Uma vez junto da família e dos amigos, sentiu-se verdadeiramente feliz. No entanto, ao passar de poucos meses, Miguel já pensava em retornar ao exterior. O choque que experimentou ao perceber que sua terra natal não havia evoluído socialmente o levou a questionar seu futuro no Brasil.

Miguel constatou, com tristeza, que as pessoas não se tratavam com cortesia e que ninguém mais tinha tempo para as pequenas gentilezas. Achou, ainda, que o humor dos brasileiros havia mudado nos anos em que havia permanecido distante e que a pressa e o estresse havia deteriorado a sociedade brasileira.

O trânsito estava caótico. Todos buzinavam nervosos por qualquer motivo e motorista algum cedia a passagem para os pedestres. Lembrou-se, então, que no exterior os transeuntes sempre tinham a vez, e que os carros paravam diante das faixas de segurança para que as pessoas pudessem atravessar a rua.

Outra experiência desagradável teve ao ser ofendido na fila do banco, logo que retornou ao Brasil. Distraído, Miguel não percebeu que chegara a sua vez de dirigir-se ao caixa e atrasou o andamento da fila. Seu equívoco lhe garantiu ofensas de baixo calão, desferidas por diversas pessoas que aguardavam atendimento. Aquela situação fez parecer irrisório, inclusive, o tempo perdido na instituição financeira: 45 minutos. Recordou, então, que no exterior jamais aguardou mais de 10 minutos para um atendimento. Lembrou-se, ainda, da primeira vez que foi ao banco no outro país. Atrapalhado com as contas e o novo sistema, demorou-se para liberar o caixa eletrônico. Mas as outras pessoas que aguardavam para utilizar a mesma máquina não ousaram apressar-lhe e, ao contrário, ofereceram-lhe ajuda.

As diferenças nos valores de ambos os países, Miguel pôde perceber a cada dia, a cada novo choque de realidade. O profissional, então, deu-se conta de que precisaria adquirir "anticorpos" para sobreviver no Brasil. Essa defesa seria a retomada da malícia, do chamado "jeitinho brasileiro", que ele havia perdido com a vivência no exterior. Miguel não sabia se iria conseguir adquirir certos costumes, atitudes que havia deixado de lado propositalmente, como o egoísmo, a individualidade, o descaso com o sofrimento do próximo.

Por isso, ficou chocado ao deparar-se com tantas crianças pedindo esmola no trânsito. E, sobretudo, com a expressão de indiferença das pessoas, que fechavam seus vidros com a proximidade dos pequenos. Desagradou-se, também, com a falta de consciência ecológica da população, que joga lixo nos parques, nas praças, em plena rua. Horrorizou-se ao constatar que o brasileiro ainda maltrata os animais: descuida dos bichos de estimação, comercializa espécies silvestres e elimina seres que fazem parte do ecossistema, como certos insetos. Sem falar dos desmatamentos, das queimadas, das podas indiscriminadas. E, no campo da ética, Miguel percebeu que o Brasil ainda tem muito a caminhar. O brasileiro se orgulha em levar vantagem nas pequenas coisas. Seja no troco errado, na qualidade inferior de um produto vendido, na falta de atendimento ao cliente, na recusa da reposição de uma mercadoria danificada, entre outros.

Miguel, após seis meses no Brasil, resolveu retornar ao país estrangeiro, onde havia morado por tanto tempo. Hoje, ele acredita que suas chances de crescimento, tanto profissional quanto pessoal, são maiores no exterior. Pois, embora Miguel sinta saudades de sua família e de seus amigos, ele não sente solidão. Miguel sabe que, no exterior, ele será sempre valorizado e respeitado como ser humano, como cidadão.

***

Miguel teve a oportunidade de comparar duas realidades distintas: a de um país evoluído econômica e socialmente a outro, que ainda engatinha para proporcionar ao seu povo melhorias básicas, como educação e segurança.

Porém, as diferenças, chocantes para a personagem do artigo, deveriam ter estimulado o engajamento de Miguel e não incentivado a sua fuga. Afinal, os conhecimentos que ele adquiriu em uma sociedade bem sucedida poderiam ser disseminados no Brasil. Pois um exemplo positivo, por menor que seja, pode influenciar muita gente a mudar de atitude.

Por isso, desejo para meus leitores que 2006 seja repleto de gentilezas e de atitudes conscientes. Que neste ano cada brasileiro seja responsável por uma revolução interna, de revisão de valores éticos e morais.

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