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Um dos vícios de linguagem mais comuns entre profissionais de diversos segmentos e níveis hierárquicos é o gerundismo. Alguns chegam a dizer que o gerúndio é o mal do século. Exageros à parte, vim hoje contar uma história muito bacana de uma moça que só cresceu por reconhecer suas falhas. Márcia era recepcionista de uma pequena clínica de estética. Além de atender os clientes, a moça é quem cuidava da equipe de esteticistas, orientado-os sobre assuntos diversos quando a dona da clínica não estava. Alice, sua chefe, gostava muito da força de vontade da jovem, que demonstrava sempre ser esforçada em fazer seu trabalho da melhor forma possível, executando, inclusive, coisas que não diziam respeito ao escopo de suas funções.

Mas, Márcia tinha um defeito irritante aos ouvidos de Alice. A moça usava o gerundismo em demasia. Ao atender ao telefone, falava uma enxurrada de gerúndios, deixando a chefe agoniada com o palavreado viciado. O mais curioso é que quanto mais a moça tentava ser educada ao telefone, mais errado ela falava. Pior ainda se alguém muito importante ligava para marcar um horário... aí sim é que ela cometia os erros mais absurdos, pois tentava rebuscar o palavreado, destruindo qualquer construção gramatical que pudesse estar correta.

Até que um dia Alice resolveu fazer um teste com a funcionária. Ligou para a própria clínica, passando-se por um cliente que queria marcar um horário. Deu-se o diálogo a seguir:

– Clínica XXX, boa tarde. Em que posso estar te ajudando? – atendeu Márcia.

– Boa tarde. Eu gostaria de marcar um horário com a podóloga – iniciou Alice.

– A senhora pode estar esperando um momento? Eu vou estar checando a agenda para estar marcando um horário para a senhora.

Alice, decepcionada, não conseguia acreditar que era assim que seus clientes eram atendidos. Ao continuarem a conversa, veio o que fez Alice tomar uma decisão mais efetiva. Márcia voltou ao telefone e disse:

– Senhora, estava checando a agenda e estava percebendo que a podóloga poderá estar te atendendo amanhã. Mas, para isso, eu vou estar te encaixando entre um cliente e outro. A senhora pode estar chegando às 14h15 para não estar havendo atrasos?

Alice negou e desligou. Ao voltar para a clínica naquele dia, resolveu levar à Márcia um presente. Comprou um romance famoso da época, já que a moça sonhava em encontrar seu príncipe encantado. Nada relacionado à maneira certa de falar e escrever o português, mas uma forma de fazê-la ler um pouco e, quem sabe, começar a melhorar sua fala. Na dedicatória, escreveu: "Márcia, sonhar é preciso e a leitura é uma das ferramentas que nos levam à realização da maioria deles. Leia e perceba as maravilhas que as palavras, dominadas por nós, podem fazer por nós mesmos". Dentro do livro "esqueceu sem querer" um texto que circula pela internet, todo escrito em gerúndio.

Ao receber o livro, Márcia agradeceu imensamente pelo presente inusitado e, ao abri-lo e deixar cair a folha, correu para devolvê-la à chefe. "Nossa, procurei esse texto em todos cantos da minha casa... ele é tão bom! Pode ficar com você, Márcia. Será bom para você também", disse Alice, sem saber ao certo como dizer à moça que ela precisava urgentemente aprender a usar melhor seu vocabulário.

Ao ler aquele texto, Márcia viu várias de suas manias gramaticais elucidadas ali e, ao iniciar a leitura do livro, foi percebendo que a maneira correta de se falar era muito diferente da forma com que ela falava.

Depois daquele livro, Márcia se apaixonou pela leitura. Passou a ler um romance atrás do outro e, com o tempo, começou a escrever alguns poemas. Alice percebeu uma melhora significativa na forma com que Márcia atendia seus clientes.

Hoje, dois anos depois do dia em que Alice presenteou à moça com um livro, a jovem não utiliza mais o gerúndio em sua fala e cursa o primeiro período da faculdade de letras. Pela sua força de vontade é bem possível que ela vá longe. Os méritos são dela e de Alice, que depositou um voto de confiança na moça e a incentiva diariamente a buscar uma profissão melhor da que ela própria oferece à jovem.

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