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Clarisse era uma moça engraçada. Seu perfil era tão estereotipado que chegava a ser jocoso. Ela era o que chamo de esquecidinha. Trabalhou comigo logo que fundei a empresa e, curiosamente, eu gostava dela. Acho que isso tem muito mais a ver com o alto astral da moça, pois, se eu parar para pensar na quantidade de vezes que ela me deixou "na mão" por puro esquecimento, eu certamente não diria o mesmo.

A moça, com seus vinte e poucos anos, ainda inexperiente no quesito profissionalismo, não sabia ao certo como se organizar. Muito boazinha, porém, sempre que lhe solicitavam um favor, prontamente ela respondia que "sim". O grande problema é que ela dava a garantia de que faria o favor, mas não deixava isso registrado em lugar algum, simplesmente preferia confiar na sua memória.

Não demorou muito para que ela começasse a se esquecer das promessas que fazia. No princípio, esquecia apenas dos favores simples, coisas sem muita importância. Mas, em pouquíssimo tempo seus esquecimentos começaram a interferir em situações mais importantes da empresa.

Até que um dia, acabei ficando mal diante de um cliente por esquecimento da mocinha. É que José (a sorte é que era também um grande amigo) pediu um agendamento de última hora para alinhar alguns detalhes pendentes num processo que estávamos fazendo juntos. Ele pediu que Clarisse marcasse um horário comigo no fim daquele dia e, como eu estava com a agenda tranquila no horário que ele pediu, ela respondeu a ele que poderia vir, sem problemas, pois ela me daria o recado. Mas, como vocês já devem imaginar, ela simplesmente se esqueceu de me passar o recado.

Por se tratar de uma sexta-feira, aproveitei a tranquilidade do escritório e desci para a praia com minha esposa e meus filhos (na época, adolescentes ainda). José chegou ao escritório na hora marcada, com dois funcionários à tira colo e eu não estava lá para recepcioná-lo. Clarisse, sem saber exatamente o que fazer, não teve coragem de assumir a culpa diante do cliente e disse que havia me passado o recado, e que não fazia ideia do motivo da minha ausência. José, tomado por sua indignação de consumidor, pediu que ela entrasse em contato imediatamente comigo. Mas, naquela época, a única forma de me encontrar seria através do número residencial do meu apartamento na praia e, no momento em que isso tudo aconteceu, eu ainda estava na estrada.

Sem saber o que fazer, Clarisse dispensou José, dizendo que assim que conseguisse o contato, daria um jeito de avisá-lo. Ou seja, isso só ocorreu na segunda-feira de manhã. Fiquei indignado com a falta de atenção de Clarisse. Não era a primeira vez que a moça se esquecia de repassar recados. Mas, o que me deixou mais estarrecido foi o fato de ela não assumir o próprio erro diante do meu cliente e, sim, culpar-me pela falha dela.

É claro que José explanou sua insatisfação comigo. Disse que relevaria pela nossa amizade, mas que não admitiria algo desse tipo novamente. Afinal, "amigos, amigos, negócios à parte", não é mesmo?

Chamei Clarisse para uma conversa séria. Falei que, por mais que ela fosse benquista na corporação, ela precisaria dar um jeito de se organizar melhor para parar de esquecer tantas coisas. Naquela época, o mais comum era utilizarmos agendas, e nessa conversa que tive com a moça, já levei de presente uma agenda para ela. Disse que gostaria que tudo que ela tivesse que fazer, ou qualquer recado que tivesse que repassar, deveria ser anotado na agenda, assim evitaria possíveis esquecimentos.

É claro que ela demorou para se acostumar com a agenda e, infelizmente, continuou cometendo erros após erros. Lamen­tavelmente eu não poderia continuar com uma pessoa tão desatenta na minha equipe, já que isso não satisfazia meus clientes. Eu até tentei ajustar o problema de alguma maneira, mas não foi suficientemente possível. Acredito que atenção seja uma característica básica de qualquer ser humano. Sem atenção, cometemos muitos erros, e errar repetidamente não é perdoável.

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