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É difícil acreditar que um assunto tão consensual como a necessidade da inclusão digital possa gerar divergências tão fortes, tanto do ponto de vista ideológico como do prático. Mas a discussão existe e envolve potências industriais, ONGs e até governos. De um lado estão os que defendem uma simples redução de custos – e conseqüentemente de preços – dos microcomputadores já existentes no mercado. Outros, que vêm ganhando mais força ultimamente, querem a criação de máquinas específicas, que além de baratas, atendam às necessidades específicas dos potenciais usuários.

O principal impulso para esse modelo de negócio foi o Children’s Machine, ou 2B1, novo nome do Laptop de US$ 100, que começou a desembarcar no Brasil há poucas semanas. O projeto, anunciado no início de 2005 por integrantes do Massachusetts Institute of Technology (MIT), é tocado hoje pela organização One Laptop Per Child (OLPC). Encabeçado por Nicholas Negroponte – que tem no currículo a criação do laboratório de novas mídias (Media Lab) do MIT, a revista Wired e estudos sobre o impacto da tecnologia na cultura, na economia e na política –, a iniciativa ganhou corpo rapidamente e atraiu patrocinadores do porte da fabricante de processadores AMD, do conglomerado News Corporation e dos portais Google e eBay, só para citar alguns poucos.

O resultado é um aparelhinho equipado com um processador Geode GX2-500 de 366 MHz, 128 MB de memória DRAM, 512 MB a 1 GB de memória flash (que substitui o disco rígido), conexão wi-fi, sistema Linux, entrada para cartões SD, tela de cristal líquido (LCD) de 7,5 polegadas, baterias recarregáveis, além de câmera, caixas de som e microfone integrados. O mais importante: não lembra em nada os notebooks convencionais e nem pode ser comparado a eles. "O projeto da OLPC não precisa ser baseado em computadores pessoais, afinal ele tem um objetivo específico, que é ser adotado no campo da educação. Para isso, você não precisa de um PC, você precisa que a máquina ofereça uma abordagem correta, que ela seja confiável e ao mesmo tempo simples", disse à Gazeta do Povo o vice-presidente sênior e diretor de inovação da AMD, Billy Edwards. Estimativas recentes dão conta de que o Children’s Machine custe inicialmente US$ 135 (R$ 290).

A AMD, aliás, é uma das maiores entusiastas da criação de "diversas soluções que atendam as diferentes necessidades dos cidadãos." Seu programa 50x15, por exemplo, quer que 50% da população mundial tenha acesso à internet até 2015. Hoje, essa fatia mal chega aos 12%. Para isso, ela busca parceiros que levem adiante projetos inovadores para a inclusão digital. Na semana passada, uma equipe de estudantes do Centro Universitário Positivo (UnicenP) ganhou o concurso latino-americano Connecting the World, da AMD.

Sua grande rival, a Intel, acordou recentemente para essa proposta, com o Classmate PC, um equipamento portátil com a mesma finalidade do laptop de US$ 100 de Negroponte. O preço do produto, equipado com um processador Celeron M de 900 MHz, tela LCD de 7 a 8 polegadas, 256 MB de RAM e memória flash de 1 GB para a versão com Linux e 2 GB para a que utiliza Windows XP, ainda não foi divulgado, mas sabe-se que, assim como o OLPC, ele não será vendido em lojas – a aquisição poderá ser feita apenas por escolas e instituições de ensino. Parcerias com as nacionais Positivo Informática e CCE já foram fechadas para uma futura produção do Classmate.

O outro lado

A gigante dos microchips, cujos processadores Pentium viraram praticamente sinônimo de PCs, no entanto, é a grande beneficiada – ao lado dos fabricantes de PCs, como Dell, Amazon, Itautec e a própria Positivo, ressalte-se – pela política governamental de alívio tributário sobre desktops e notebooks "populares", em vigor desde o ano passado. A partir da implantação da medida, os preços dos computadores não parou mais de cair e hoje é possível encontrar desktops por menos de R$ 900 e notebooks por menos de R$ 2 mil. Não é à toa que as estimativas para o ano de 2006 são de 9 milhões de novos micros vendidos no Brasil, um crescimento de 47% sobre o volume do ano passado.

Os mais céticos em relação a esse programa dizem que ele não promove um verdadeira inclusão digital, apenas faz com que pessoas já familiarizadas com a informática possam comprar máquinas mais baratas – e, em seguida, frustrar-se com a baixíssima performance dos PCs populares. "Um programa de inclusão digital com foco na redução de preços favorece mais a indústria do que os usuários. Dizer que preços baixos podem ajudar na resolução do problema é como afirmar que um indivíduo estará alfabetizado quando ganhar uma caneta", ataca o diretor de mestrado de novas tecnologias da informação e comunicação da Universidad Nacional de Educación a Distancia (Uned), de Madri, Roberto Aparici.

Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Software (Abes), Jorge Sukarie, o Computador para Todos, como foi batizada a iniciativa de desoneração tributária, é bem-sucedido. Mais de 650 mil máquinas de menos de R$ 1,4 mil serão vendidas até o fim do ano, o que representa 7,2% do mercado. "Não é pouca coisa, trata-se de um projeto de sucesso", frisa.

José Antônio Scodiero, diretor-geral da AMD para a América Latina, reforça as críticas dizendo que governos não devem especificar configurações das máquinas a serem beneficiadas. De fato, pesquisa divulgada no mês passado pelo instituto de pesquisa Ipsos informa que 3 em cada 4 compradores de um PC popular troca o sistema operacional Linux (requisito obrigatório no programa federal) pelo Windows – pirata, na maioria dos casos, pode-se supor. "O Estado já chegou a especificar marcas de processador em licitações. O governo nem sempre entende do assunto e, por isso, não deve especificar o que as pessoas devem adquirir", conclui Scodiero. Ao fim e ao cabo, toda essa discussão só pode trazer benefícios naquele que é um dos principais desafios sociais da atualidade: fazer com que mais e mais pessoas, de diferentes classes e regiões geográficas tenham acesso fácil à grande rede de informações.

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