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Crise hídrica pressiona inflação e pode ameaçar avanço do PIB no médio prazo
| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A crise hídrica, marcada pelo baixo nível dos reservatórios das usinas e pelas poucas chuvas, pode travar o crescimento da economia brasileira no médio prazo e pressionar mais a inflação, que já é muito impactada pela alta das commodities no âmbito internacional.

Relatório produzido pelo Santander em maio sinaliza que os problemas climáticos, principalmente no Centro-Sul do país, poderão causar um aumento de até 50% no preço da energia elétrica.

Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontam que a média de energia armazenada nos hidrelétricas chegou, em abril, ao nível mais baixo desde 2015. Os níveis estão próximos aos de 2014, ano de racionamento de consumo de água, e 2001, ano do apagão. E 70% da matriz energética brasileira, segundo o órgão, tem origem hidrelétrica.

Um alerta de emergência hídrica para o período de junho a setembro foi emitido pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) para os estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. É a primeira vez em 111 anos de serviços meteorológicos no Brasil que a medida é tomada.

Na sexta-feira (4), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) alertou para a possibilidade de “restrições” no abastecimento de energia em três regiões do país ainda neste ano. No sábado (5), o ONS recuou e afirmou que medidas adotadas pelo governo e órgãos ligados ao setor elétrico vão garantir o fornecimento.

Segundo as analistas Tatiana Nogueira e Maira Maldonado, da XP Investimentos, essa situação é reflexo de fatores conjunturais e estruturais. “As chuvas entre setembro do ano passado e abril deste ano ficaram muito abaixo da média prevista para o período, revelando-se a pior afluência dos últimos 91 anos, devido à influência do fenômeno La Niña que teve início em julho de 2020 e deve estar próximo do fim”, afirmam, em relatório.

Elas lembram que, além da questão conjuntural, “aparentemente estamos vivendo um novo regime de chuvas no país.” A média mensal dos reservatórios recuou de 70% entre 2001 e 2011 para cerca de 35% desde 2014. “Se este novo regime persistir, pode ser um limitador ao crescimento potencial do Brasil”, complementam.

O cenário ruim nos reservatórios coincide com a demanda crescendo por causa da retomada da economia. A indústria, grande consumidor, já se recuperou das perdas causadas pela pandemia.

A área de agronegócio do Itaú BBA destaca que a questão ganha contornos piores pelo fato de que, na maior parte da Bacia do Paraná, as chuvas nos próximos três meses, que já são escassas normalmente, deverão seguir este padrão, o que agravará a condição dos reservatórios, representando riscos para o abastecimento de energia e também no agronegócio.

Impacto pequeno no curto prazo

Segundo a Ativa Investimentos, na prática, o alerta pouco deverá afetar os preços imediatamente e, consequentemente, a inflação. Nos últimos 12 meses, os custos de energia para o consumidor tiveram uma alta de 5,32%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A corretora estima que reajustes extraordinários podem ser concedidos e esse risco se eleva com o agravamento da crise, mas não se trata de nada que seja preponderante.

Tatiana e Maira, da XP, apontam que, por enquanto, não existem riscos de escassez e racionamento de água ou energia. Elas consideram que a elevação nos custos, mesmo em magnitude pequena, tende a controlar a demanda, reduzindo a pressão sobre os reservatórios. “A crise hídrica atual é claramente um risco para a inflação, mas não para atividade econômica de curto prazo”, ressaltam.

A economista Júlia Passabom Araújo, do Itaú, também avalia que o racionamento é pouco provável, uma vez que as térmicas asseguram a sustentabilidade do sistema no período de estiagem (até novembro de 2021). Sem o acionamento extra delas, o nível dos reservatórios poderia chegar a 14,5% em novembro. O principal risco, na avaliação da economista, é chuva abaixo da média no próximo período de umidade, que vai de novembro de 2021 a março de 2022.

“A geração térmica mais elevada visa garantir que os reservatórios cheguem no seu ponto mais baixo, em aproximadamente 24% do total, em novembro. Chuvas próximas da média histórica durante o período úmido devem levar reservatórios para próximo de 52% da sua capacidade em março de 2022, assegurando, portanto, a sustentabilidade do sistema para o próximo ciclo”, afirma.

O impacto da crise hídrica nas elétricas

Analistas de mercado apontam que a adoção de medidas restritivas ao consumo de energia elétrica, por causa da crise hídrica, afetaria de forma mais intensa as ações de geradoras, sobretudo aquelas com maior presença de hidrelétricas, como Cesp, AES Brasil, Engie e Eletrobras.

“Com o declínio dos reservatórios, o ONS autoriza o despacho autoriza o despacho de usinas termelétricas para garantir a segurança energética do país. Como consequência, a geração das usinas hidrelétricas é reduzida com objetivo de desacelerar o esgotamento dos reservatórios durante o período seco. Com isso, as geradoras precisam comprar energia no mercado de curto prazo, para honrar com seus contratos. No entanto, a compra dessa energia ocorre em um momento em que ela tem preços elevados como resultado do acionamento das usinas termelétricas, que, por sua vez, são mais caras”, aponta a analista Maira Maldonado, da XP, em relatório.

Companhias que além de gerar, também distribuem energia, mas que apresentam relevante grau de dependência de receitas de geração – como Copel, Energias do Brasil e CPFL – também poderiam ser fortemente afetadas com a ocorrência desse cenário.

“Adicionamos ainda que a ocorrência de eventos extremos possivelmente se desdobraria em revisões baixistas quanto à capacidade de produção e geração de valor de outros setores, atingindo as correntes expectativas quanto a capacidade de produção de riqueza nacional, devendo os agentes atuantes do setor elétrico, com o objetivo de evitar a ocorrência de maiores interferências no processo de recuperação econômica nacional, optar, prioritariamente, por medidas paliativas, como a maior adição de termelétricas, importação de energia ou até mesmo a aplicação de medidas tarifárias, como a consolidação de bandeira vermelha, antes de aplicar ações mais drásticas, como a execução de um plano de racionamento”, escrevem analistas da Ativa Investimentos.

Cenário diferente de 2001

O cenário da crise hídrica é completamente diferente de 2001, quando houve racionamento de energia. Segundo a ONS, naquele ano, 89,6% da energia gerada no Brasil era de origem hidráulica. De lá para cá, o sistema ficou mais interligado – passando de 60 mil km para mais de 140 mil km de linhas de transmissão – e houve um aumento de 233% na potência instalada, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Para evitar a restrição de oferta, apontam as especialistas, é possível substituir a fonte energética acionando termelétricas, ou importar energia da Argentina ou Uruguai, sem limitação de quantidade e preços.

Outro fator que contribuiu para evitar um cenário pior, de acordo com o professor Adilson de Oliveira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é a pandemia de Covid-19, que influenciou na estagnação na economia. Com as projeções de crescimento de até 5,5% na economia em 2021, o PIB já está voltando aos patamares pré-pandemia.

A expectativa é de que a geração de energia hidráulica perca importância nos próximos anos. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que, em 2029, cerca de 20% da capacidade instalada será de energia eólica, um patamar ligeiramente superior às térmicas.

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