
O risco de um calote grego que afete grandes bancos europeus e a decepção com a aparente falta de ação das autoridades europeias provocaram ontem um dia de tensão que lembrou momentos da crise global de 2008 e espalhou temores muito além da Europa.O real sofreu a maior variação em 13 meses e o euro atingiu a pior cotação em oito anos. O dólar mostrou algumas das variações mais bruscas do dia: oscilou entre R$ 1,79 e R$ 1,89 no momento de maior estresse. No final do dia, foi trocado por R$ 1,849, salto de 2,83%, o maior desde março de 2009.A Bovespa afundou 6,4% em seu pior momento, mas também se recuperou perto do fechamento: o índice Ibovespa cedeu 2,31%, praticamente anulando os ganhos acumulados desde o início de fevereiro.
A derrocada foi generalizada: a Bolsa de Nova Iorque deu um longo mergulho de 9% no meio do dia, assustando investidores em todo o mundo. Encerrou o dia com perdas mais modestas, de 3,20%.
Mais tarde, agências internacionais relataram que uma possível falha técnica ou humana em uma ordem de mercado pode ter afetado o pregão americano por conta dela, a bolsa eletrônica Nasdaq informou que cancelará as ordens executadas entre 14h40 e 15h (hora local).
Na Europa e na Ásia, as bolsas caíram entre 0,9% e 3%.
Há meses, a Grécia se tornou "a bola da vez" de especuladores, ao vir a público a fragilidade de suas contas públicas. A União Europeia e o FMI costuraram o maior pacote de ajuda financeira da história recente (de 110 bilhões de euros).
Europa endividada
O que os mercados sinalizaram ontem é que essa ajuda pode não ser suficiente para salvar a economia europeia de um colapso, cujo estopim seria a supostamente inevitável moratória grega (a dívida pública do país é mais de duas vezes o valor do resgate bilionário).
Uma consequencia direta do não pagamento será um forte abalo sobre o sistema financeiro europeu, que detém 80% das dívidas do país. Bancos alemães e franceses (que respondem por 50% do montante) perderiam dinheiro e ficariam com menos capital, uma espiral que poderia redundar em seguros de crédito mais caros e juros mais altos.
A fragilidade grega pode contagiar os também endividados Espanha, Portugal e Itália, provocando estrago muito maior: somente a Itália tem uma economia seis vezes maior que a Grécia; e o que a Espanha deve aos bancos alemães (US$ 238 bilhões) já equivale a mais do que toda a dívida grega.
Muitos analistas culparam o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, pelo nervosismo que derrubou as bolsas. A autoridade europeia provocou uma onda de frustração ao declarar que o BC não pretende adquirir títulos de dívida de países da zona do euro, ativos que recheiam a carteira de muitos bancos e sofrem um processo de depreciação, num cenário de desconfiança generalizada sobre a capacidade dos países em saldar seus compromissos financeiros.
Pacote
Ontem, o Parlamento grego aprovou um plano de redução do déficit fiscal do país hoje em 13,6% do PIB, quando o ideal é que seja inferior a 3% nos próximos três anos.
O arrocho foi imposto pela UE e pelo FMI como uma condição para a liberação do pacote de ajuda. Aprovado por 172 dos 300 deputados, o plano foi recebido com pedradas e coquetéis molotov por dezenas de milhares de gregos, em campana na frente do Parlamento. Três pessoas morreram em protestos contra o arrocho na quarta-feira.
Analistas
Instabilidade continua no longo prazo
As incertezas que pairam sobre a Grécia e seus eventuais impactos em importantes países vizinhos devem continuar afetando a bolsa brasileira ao longo do ano, segundo especialistas. Para eles, no entanto, apesar da provável persistência da volatilidade no câmbio, a histeria vivida ontem no mercado não deve se repetir na mesma intensidade nos próximos meses. Ainda assim, como o Brasil acumulou alta nos últimos meses no setor, o país deverá estar na rota direta dos efeitos da crise europeia, na opinião do economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini. "O Brasil não está blindado. Assim como surfou na onda do mercado durante os bons momentos, agora deve sofrer o impacto", avalia. Para ele, o movimento "cruel" da bolsa ontem não deve perdurar nas próximas semanas.





