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José Seripieri Júnior em palestra a jovens empresários na Fiesp, em 2013.
José Seripieri Júnior em palestra a jovens empresários na Fiesp, em 2013.| Foto: Julia Moraes/Fiesp/Divulgação

Sacoleiro, feirante, escrivão de polícia, delator da Lava Jato, amigo do presidente Lula e de ministros do STF, maior doador individual para o Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de 2022.

A trajetória de José Seripieri Júnior, que por R$ 11 bilhões se tornou o novo dono da Amil, é marcada, segundo ele próprio, por ousadia (“solta a flecha e vai correr atrás”), sorte (“estar no local certo na hora certa”), intuição e persistência (“enquanto companhia, obstinação; enquanto pessoa, intuição. Respeito demais minhas intuições. Prefiro errar andando do que acertar parado”).

As declarações acima foram dadas por Seripieri a jovens empresários reunidos na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) há dez anos, quando ele ainda era o CEO e dono da Qualicorp, empresa administradora de planos de saúde coletivos por adesão voltados a entidades profissionais. Uma modalidade que Seripieri praticamente criou sozinho no país no fim dos anos 1990, época em que as operadoras só faziam negócios com planos individuais ou empresariais.

Júnior, como é mais conhecido, saiu das manchetes do mundo corporativo para as páginas policiais e de política em 2020, quando foi preso pela Lava Jato em decorrência da operação Paralelo 23, que investigou pagamentos de caixa dois à campanha de José Serra ao Senado, em 2014. Ele teria feito doações não contabilizadas de R$ 5 milhões.

Acordo de delação de Seripieri está sigiloso até hoje

Acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois, ainda em 2020 teve um acordo de delação homologado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, prevendo pagamento de R$ 200 milhões como ressarcimento aos cofres públicos. Os termos e detalhes do acordo seguem em sigilo até hoje, apesar de terem vazado informações de que implicariam nomes de peso da política como Renan Calheiros e Romero Jucá.

Em novembro de 2022, Júnior voltou ao noticiário após dar carona a Lula num jatinho particular até a COP-27, no Egito. Ao comentar a “gentileza” do amigo, Lula justificou dizendo que tinha sido convidado a ir à COP, já como presidente eleito, e que Bolsonaro não ofereceu um avião da FAB para a viagem.

“Eu tinha um amigo que queria ir na COP e ele tinha um avião, e eu fui com ele. Um avião novo, de boa qualidade, com muita segurança, porque é importante lembrar que um presidente eleito tem que cuidar de sua segurança, sobretudo num país em que você tem bolsonaristas raivosos se espalhando pelo mundo afora”, justificou Lula.

Os antecedentes da amizade de Lula com Seripieri incluem várias visitas na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, quando o político esteve preso, e confraternizações na casa de veraneio do empresário em Angra dos Reis (RJ). Lula, o hoje vice-presidente Geraldo Alckmin, José Serra e Fernando Haddad estiveram no casamento do empresário, em 2014. Atualmente, Júnior integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Sustentável de Lula, o chamado Conselhão.

Compra da Amil tem valor recorde para pessoa física

E eis que, agora, o amigo do presidente volta às manchetes nacionais, dessa vez por uma jogada empresarial ousada, envolvendo a cifra astronômica de R$ 11 bilhões.

O valor, recorde numa transação envolvendo uma única pessoa física no país, foi o montante que Seripieri Júnior se comprometeu a pagar à americana United Health Group (UHG) pela compra com “porteira fechada” da Amil, terceira maior operadora de planos de saúde no Brasil, com 5,4 milhões de usuários e uma rede com 31 hospitais e 28 centros médicos. Seripieri desembolsou R$ 2 bilhões líquidos para adquirir a operadora e ainda assumiu dívidas de R$ 9 bilhões.

Oriundo de uma família de classe média, Júnior ficou milionário, e depois bilionário, vendendo planos de saúde para filiados a entidades de classe, como Crea e OAB, depois da falência da Golden Cross, empresa onde trabalhava como vendedor nos anos 1990. Antes, na infância e adolescência, tinha trabalhado como feirante e sacoleiro, buscando bugigangas no Paraguai.

O "comércio internacional" sepultou o sonho de ser médico, após reprovação em vestibulares. "Eu tinha uma razoável retirada em dinheiro de hoje, de 3 a 4 mil reais por mês. Para um moleque de 18 anos era tudo ótimo. Evidentemente que abandonei o cursinho porque com esse dinheiro na mão fica tudo mais fácil", lembrou.

Desde aquela época, ser bem relacionado fez a diferença para Júnior. Ele é filho de delegado de polícia, e o primeiro grande cliente dos planos de saúde coletivos por adesão da Qualicorp, coincidência ou não, foi a Associação de Delegados de Polícia de São Paulo.

Lula teria ajudado apenas como "eterno inspirador"

Após vencer a concorrência para comprar a Amil, o empresário agradeceu ao presidente Lula, a quem classificou como “meu eterno inspirador”. Questionado se o presidente teria ajudado no negócio, Júnior afirmou que a contribuição foi apenas com “inspiração e resiliência”.

Júnior esteve no casamento de Lula e Janja e seria também próximo de Geraldo Alckmin e de Alexandre de Moraes, que na época de ministro de Justiça, frequentava a casa dele nos Jardins, em São Paulo, segundo o colunista Guilherme Amado.

No citado depoimento a jovens empreendedores na Fiesp, Seripieri relatou boa parte da trajetória pessoal e empresarial. Contou que na infância ficou muito gago, condição que ainda o acomete levemente ao falar em público, mas que era crônica até os 21 anos, a ponto de ter dificuldade para conseguir amigos ou namorada na escola. “Como é que você canta uma menina adolescente sendo gago? É um problema. Eu não tenho uma estatura tão avantajada, então, tinha todos os predicados para não dar certo”, disse.

Ainda sobre a gagueira, Júnior contou que na época em que vendia seguro de saúde pelo telefone todos os colegas da sala paravam para “ver o gago tentando vender”. “Era um desastre, e obviamente eu não vendia”, relatou, destacando que só conseguiu vencer a dificuldade quando foi tentar vendas na rua, no “xaveco porta a porta”, gastando sola de sapato.

Já milionário, Seripieri Júnior não sabia o que era Ebitda

Na conversa na Fiesp, Júnior confessou que passou muita vergonha quando explicava para gestores de fundo de investimentos o que era a Qualicorp, mas não soube responder ao ser perguntado do Ebitda da empresa (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização).

“Eu não sabia o que era Ebitda em 2007. Fui aprender. Hoje a gente conversa com investidores, eles acham que eu entendo. Não entendo nada. Aprendi a falar aqueles nomes bonitos feito ventríloquo, mas o pessoal tá comprando os papéis da Qualicorp”, brincou. “Só não tem jeito para preguiça e ausência de inteligência, para o resto, se não sabe, vamos aprender”, sublinhou.

Pode ter sido útil para Júnior aprender o que é o Ebitda, visto que os números da Amil apontam para um faturamento de R$ 26,3 bilhões no ano passado, mas com um Ebtida negativo de R$ 1,6 bilhão. Um dos maiores desafios da Amil são os planos de saúde individuais, deficitários, que a UHF já tinha tentado vender separadamente, mas foi barrada pela ANS. Esses planos são tabelados e não podem ser rescindidos pela operadora. Uma das condições da UHF na venda para Júnior foi de que ele assumiria todas as dívidas, passadas e futuras da Amil.

Em troca de acusações nas delações premiadas, o ex-ministro da Fazenda de Lula, Antonio Palocci, acusou Seripieri Júnior de ter sido beneficiado por resoluções da Agência Nacional de Saúde (ANS) que regulamentaram a venda de planos coletivos em 2009.

De acordo com Palocci, citado por "O Antagonista", as resoluções possibilitaram a “falsa coletivização, com ascensão do Grupo Qualicorp”. O diretor-presidente da ANS que assinou as resoluções, Maurício Ceschin, tinha sido superintendente da Qualicorp.

Resoluções da ANS teriam beneficiado Seripieri Júnior

Segundo o delegado da Polícia Federal que investigava o caso, arquivado por ordem da Justiça, “suscita-se que as duas resoluções da ANS tenham sido determinantes para o crescimento da administradora de benefícios Qualicorp, uma vez que tais normativas regulamentaram e impulsionaram uma modalidade de comercialização ao passo que, ao contrário, poderia ter sido desautorizada ou minorada; ainda modalidade na qual a companhia era especializada; e também por permitir uma conjuntura de regras de mercado que praticamente move os usuários comuns, isso é, aqueles não vinculados a empresas, para o nicho contratante de planos por adesão intermediados pela administradora de benefícios”.

Em sua defesa, Júnior disse que as resoluções da ANS regulamentaram uma situação que “já existia há décadas e a regulamentação trouxe mais concorrência para um mercado que a Qualicorp tinha maior controle”.

Ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, preso na 35ª fase da Operação Lava Jato, em setembro de 2016
Ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, preso na 35ª fase da Operação Lava Jato, em setembro de 2016| Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo

Empresário diz que contou com sorte e destino

No depoimento de dez anos atrás, ele já havia dado uma explicação para os “ventos favoráveis” à Qualicorp.

“Eu peguei essa veia e fui nela enquanto o plano todo caminhava para o segmento exclusivo de planos individuais (...). E aí é um pouco de sorte, do destino, a gente estava no local certo na hora certa. A gente já vinha caminhando desde lá de trás com os planos por afinidade", contou. "Sem querer, a gente começou a vender plano para quem não tinha condição de comprar um plano individual, que era caro, por um lado, e por outro lado o sujeito não era empregado de uma empresa que em todo ou em parte pagava ou subsidiava o plano dele, como os funcionários públicos.”

Na esfera dos bons relacionamentos de Júnior, o relatório arquivado pela PF por ordem judicial confirmou o patrocínio da Qualicorp à Touchdown, de Luis Claudio Lula da Silva, o Lulinha, nos valores de R$ 1,2 milhão em 2013 e R$ 600 mil em 2014.

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