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Stone abriu capital na Bolsa Nasdaq, em Nova York | Divulgação/Stone
Stone abriu capital na Bolsa Nasdaq, em Nova York| Foto: Divulgação/Stone

Unicórnios são bichos místicos, impossíveis de serem encontrados na natureza. Daí o termo ter sido adotado pelo mundo das startups para se referir às empresas que valem mais de US$ 1 bilhão. É um clube seleto de empresas — que, há um ano, não incluía nenhuma brasileira, parecia um sonho longínquo. Hoje são pelo menos cinco.

O ano de 2018 marcou o boom de unicórnios brasileiros As startups 99, PagSeguro, Nubank, Movile/iFood e Stone romperam a casa dos US$ 1 bilhão. Foram caminhos diferentes — por meio de venda, abertura de capital ou captação com investidores — mas trajetórias muito parecidas. Todas atacaram mercados locais, gigantescos e com muitas deficiências; e cresceram de forma agressiva, mas não de um dia para o outro.

Quem acompanha o mercado de startups considera o movimento como um símbolo de maturidade. Destas cinco empresas, que cresceram com força em pleno auge da crise econômica, mas também do chamado “ecossistema de inovação” brasileiro.

“O ecossistema é uma roda que um depende do outro para girar, explica a head de Ecossistema do Cubo Itaú, Renata Zanuto. De três anos para cá, por exemplo, é cada vez maior o número de grandes empresas que olham para as startups como forma de inovação, no Brasil.

Por outro lado as startups estão cada vez mais maduras, com maior capacidade de contribuir e vender para grandes empresas. Os cases de sucesso geram mais clientes, capitalizam as empresas, e inspiram a criação de novos negócios, o que mantém a roda girando.

Hoje o Brasil tem mapeadas mais de 10 mil startups distribuídas em cerca de 500 cidades, segundo dados da Abstartups. Também pipocam instituições que dão um colchão para o crescimento destas empresas, como coworkings e aceleradoras. Outro fator crucial é o desenvolvimento de um mercado de investimentos em startups.

A colaboração é uma das chaves para o sucesso do Vale do Silício, avalia Pedro Vieira, da Babel Ventures. A gestora de fundos de investimentos, fundada por brasileiras, atua exclusivamente no mercado norte-americano. “Aqui [no Vale] ninguém pisa no outro para ter sucesso, é um espaço muito colaborativo. O que vejo no Brasil é o início disso”.

Mercado de investidores

Nos casos de Nubank e Movile (dona do iFood), importantes fundos nacionais e estrangeiros participaram das rodadas de investimento que alavancaram as startups para mais de US$ 1 bilhão. Já as fintechs PagSeguro e Stone, ambas do chamado setor de “maquininhas”, optaram por abrir capital em bolsas de valores em Nova York, nos Estados Unidos.

Esta conexão com investidores estrangeiros tem um lado estratégico. O mundo das startups valoriza muito o chamado “smart money”, quandos os investidores têm algo mais a oferecer do que somente dinheiro. Quando uma empresa brasileira recebe grana de um investidor que se relaciona com os principais hubs de inovação ao redor do mundo, portas se abrem.

O investimento em startups geralmente ocorre em escalas. Começa no “anjo”, que aporta valores pequenos em negócios iniciantes; e vai até as séries A, B ou C, quando as empresas vão deixando de ser consideradas “de risco”.

Muitos fundos estrangeiros cobiçam startups brasileiras nesta ponta de cima. Mas unicórnios não nascem sozinhos. Como em uma pirâmide, é preciso que existam muitas startups em todas as fases de desenvolvimento para que surjam aquelas mais robustas.

Daí a importância de um mercado de investimentos de risco diversificado. Algo que, aos poucos, o Brasil vai construindo. Nos últimos dois anos o país começou a suprir alguns gaps, como o de investidores para rodadas seed e pré-seed, intermediária, que costuma englobar cheques entre R$ 300 mil e R$ 1,5 milhão.

As plataformas de investimento coletivo em startups, regulamentadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cumpre um pouco este papel. Também surgem fundos de growth, último estágio antes das startups saltarem para fundos de private equity ou abrirem capital na bolsa, com valores entre R$ 10 milhões e R$ 70 milhões.

Global e local

A ascensão dos unicórnios brasileiros dissipa, em parte, uma noção de que as startups brasileiras estariam limitadas por priorizar o mercado local. “Todas atacaram mercados imensos, que a maioria da população usa, e conseguiram mostrar sua força”, avalia Pedro Vieira, sobre as cinco “gigantes” brasileiras.

A resiliência de crescer no Brasil, no auge da crise, e com adversidades ao ambiente de negócios, já indica o potencial destas empresas. Além disso, o mercado brasileiro é visto como expansão na América Latina. A Didi, por exemplo, fez da 99 seu quartel-general para Latam. Mesmo a expansão para o México (sob a bandeira Didi) é coordenada a partir do Brasil.

Próximos passos

A febre dos unicórnios brasileiros é fruto de uma convergência de fatores. Poucos meses antes do anúncio da 99, quando a Netshoes abriu capital na Nasdaq e foi avaliada em US$ 560 milhões, meio unicórnio, a chance de uma empresa brasileira “chegar lá” parecia muito distante.

Mas muita coisa mudou de 2017 para 2018. O ecossistema ganhou musculatura, e as cinco startups que romperam US$ 1 bilhão não estão sozinhas no grupo de empresas brasileiras disruptivas.

“No Brasil a gente fica disputando o sonho de ser uma empresa de US$ 1 bilhão, mas dá para fazer muito mais, tenho certeza de que vamos ter várias empresas de mais de US$ 10 bilhões e algumas de mais de US$ 30 bilhões em breve”, avaliou o CEO da Movile, Fabricio Bloisi, em conferência com jornalistas no mês de novembro.

A tendência é que em 2019 este movimento se consolide ainda mais. “Isso é nítido aqui no Cubo. Recebemos muitas grandes empresas para conhecer startups e vemos que essa aproximação entre elas é cada vez maior”, avalia Renata Zanuto.

Essa conexão deve acelerar o desenvolvimento do ecossistema de inovação brasileiro. Que, até agora, andou muito com as próprias pernas. Além disso, as grandes empresas presentes no Brasil funcionam como uma porta de entrada para startups operarem fora do país. Caso da parceria da GoEpik com a Renault brasileira, que já foi implantada em plantas da montadora em outros países.

Cases

99

Quem abriu a porteira dos unicórnios foi a 99, em janeiro, com o anúncio da venda para a Didi Chixing. A jogada fez parte de um movimento estratégico dos chineses de expandir na América Latina a partir do principal mercado da região, o brasileiro, o que é considerado crucial para bater de frente com a Uber

A Didi tinha se associado ao negócio meses antes, quando liderou um investimento de US$ 100 milhões na 99. A aquisição se concretizou com a compra das fatias controladas por outros fundos investidores (Riverwood Capital, Monashees, Qualcomm Ventures, Tiger Global e Softbank).

Pagseguro

Também em janeiro, o sistema e maquininhas PagSeguro realizou a maior oferta inicial de ações (IPO) de uma empresa brasileira na Bolsa de Nova York (NYSE). Pelo menos US$ 2,3 bilhões foram arrecadados com a venda dos papéis.

Foi o maior IPO no mercado americano desde a oferta de ações do Snapchat, que levantou US$ 3,4 bilhões em março de 2017. O valor de mercado da PagSeguro chegou a cerca de US$ 9 bilhões (quase dez vezes o mínimo necessário para ser considerada um unicórnio).

Stone

O sucesso da ação impulsionou outra fintech de maquininhas, a Stone, a também abrir mercado nos Estados Unidos, desta vez na Bolsa tecnológica Nasdaq. Foi um IPO badalado, que chamou a atenção de investidores de renome internacional, e com uma precificação inicial de ação (US$ 24), acima do teto da previsão (US$ 23).

A Berkshire Hathaway, de Warren Buffet, atingiu 11,3% do capital da companhia. A gestora Madrone Partners, qeu cuida de parte da fortuna da família Walton, dos herdeiros do Walmart, que já era acionista da Stone, aproveitou o IPO para aumentar sua posição e atingiu a marca de 20,08%. O braço financeiro da Alibaba, Ant Financial (considerada a maior fintech do mundo), também entrou no negócio.

Nubank

O Nubank passou a valer mais de US$ 1 bilhão após uma nova rodada de investimentos, de US$ 150 milhões, liderada pelo fundo DST Global, do megainvestidor russo Yuri Milner. Foi a sexta desde a fundação da startup, em 2013.

Fundado em 2013, o Nubank já gera lucro operacional (não líquido) e já emitiu cinco milhões de cartões de crédito, o que a posiciona como uma das principais emissoras do país. Em outubro, a fintech passou a ser avaliada em US$ 4 bilhões após vender uma fatia minoritária para a Tencent, considerada a líder da revolução nos meios de pagamento na China.

Movile (iFood)

A Movile, dona de aplicativos como iFood e Playkids, anunciou, em novembro, que o iFood recebeu o maior investimento em uma startup brasileira da história. Foram US$ 500 milhões em uma tacada só (sendo US$ 100 milhões do caixa da própria Movile).

A empresa aproveitou para revelar que “já passou de US$ 1 bilhão faz tempo”, mas que optou por não fazer alarde, já que não abre para o público quanto vale. Hoje o iFood também atua no México e na Colômbia, e tem meta de ser líder no delivery de comida na América Latina e chegar a um bilhão de clientes.

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