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Relatório do INSS relativo ao pagamento de benefícios previdenciários informa que, em dezembro do ano passado, o número de salários-maternidade pagos a gestantes que ganham entre 10 e 18 salários mínimos, ou seja, a partir de R$ 9.980, foram apenas oito; na faixa dos 20 a 30 salários mínimos, foram apenas dois. No período, o instituto pagou mais de 53.500 benefícios diretamente a contribuintes mães. Esses números se referem aos pagamentos feitos pelo INSS diretamente aos profissionais, ou seja, não foram feitos por empresas que, ao concederem o benefício, compensam depois em tributos pagos mensalmente.

Em 2016, segundo relatório do instituto, na faixa entre 20 e 50 salários mínimos, foram pagos apenas 14 benefícios às profissionais gestantes em todo o ano. Esses números também não consideram os pagamentos feitos pelas empresas. A quantidade pequena de benefícios destinados a gestantes pelo INSS com salários mais altos sinaliza algo que muitas profissionais já perceberam: o número de mulheres em cargos de liderança nas grandes corporações ainda é pequeno e a decisão de ser mãe impacta também nisso.

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Dados divulgados no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que elas ainda estão em menor número no comando das empresas. Segundo o levantamento, em quatro anos o número de mulheres caiu de quase 40% para 38% - em 2016, era de 39,1% em cargos gerenciais, enquanto os homens ocupavam 60,9% de postos decisórios. O mesmo instituto revela também, em levantamento apresentado no ano passado, que as mulheres em média estudam mais que os homens. Na população acima dos 25 anos com ensino superior completo, em 2016, as mulheres representavam 33,9%, enquanto os homens, 27,7%. 

Segundo especialistas, por não encontrarem ambientes sensíveis à necessidade de ser mãe e profissional, e uma agenda que permita a flexibilização de horários, muitas acabam deixando a carreira em corporações para empreender.

Dados do estudo Global Entrepreneurship Monitor 2017, dirigido no Brasil pelo Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae) com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBPQ) de 2017 revelam que, se as taxas de empreendedorismo total por gênero ainda apontam homens como ligeiramente mais empreendedores que as mulheres, ao isolar os dados e analisar os empreendedores iniciais: eles representam 19,9%, enquanto elas chegam a 20,7%. A estimativa foi calculada a partir de dados da população brasileira de 18 a 64 anos no Brasil em 2017: cerca de 135,4 milhões, segundo dados do IBGE.

“Você dá conta?”

Advogada há 20 anos e professora de direito da PUCPR, Vivian Cristina Lima Lopez Valle tem o próprio escritório. Mãe de três filhos, se considera uma empreendedora por ter aberto a própria empresa, o que lhe permitiu conciliar as atividades profissionais ao contato constante com os filhos durante a primeira infância. 

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Ela conta que uma das primeiras perguntas que ouviu da banca examinadora quando foi aprovada para um mestrado, em 2000, era se daria conta das atividades acadêmicas sendo mãe de três filhos, e do intervalo que havia dado na carreira para acompanhar de perto o desenvolvimento das duas meninas e do caçula, então com 2,5 anos. “Isso não me impediu de ser aprovada em primeiro lugar. Mas a pergunta já denota uma certa análise que com homens não é feita”, avalia. Ainda assim, percebe o machismo no meio acadêmico menor que no corporativo.

“A mulher que chega aos postos de comando é uma mulher muitas vezes sem família, mais ‘masculinizada’, não como identidade de gênero não feminina, mas como mulher vista como a que tem mão de ferro, pulso firme, que não expressa muita emoção”, comenta. 

“De maneira geral, seja pela carreira ou não, mulheres estão postergando a maternidade. É uma questão geracional. A média de idade das mães está subindo a cada ano”, observa Mônica Hauck, sócia fundadora da Solides Tecnologia e especialista em tecnologia para gestão de pessoas. Segundo o IBGE, desde 2013 cresce o número de mães entre 30 e 39 anos de idade. Entre 2016 e 2017, o número de mães com menos de 30 anos caiu de 74,3% para 64,9%. Entre 2007 e 2017, a proporção de filhos de mães com até 19 anos foi de 20,22% para 15,95%.

Mônica Hauck, sócia fundadora da Solides Tecnologia e especialista em tecnologia para gestão de pessoas.Divulgação

Postergar a maternidade e empreender são opções

Ao observar o mercado de trabalho, Mônica diz perceber pelo menos dois caminhos sendo traçados pelas mulheres. Um deles é a postergação da maternidade, já que as mulheres perceberam que, em organizações mais tradicionais, o fato de ser mãe a torna menos competitiva. O outro é o empreendedorismo, que oferece às mulheres a flexibilidade que uma empresa à moda antiga não oferece.

“A mulher precisa da flexibilidade. Se ela não encontra no mercado corporativo, provavelmente vai partir para outras opções de carreira. Vai empreender, trabalhar como consultora ou encontrar formas de trabalho em que ela possa conciliar as atividades profissionais com a vida pessoal”, explica. “Percebo mulheres começando consultoria ou abrindo o próprio negócio tendo a maternidade como pano de fundo.”

Foi o que levou Vivian a abrir seu escritório de advocacia. Hoje, com os filhos entre 13 e oito anos, foi a possibilidade de flexibilizar a agenda em sua própria empresa que a permitiu seguir estudando e chegar ao doutorado, conciliando vida acadêmica, familiar e profissional. 

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“A mulher precisa ter um ambiente propício”, acrescenta Mônica. “Hoje a mulher é uma mão de obra até mais qualificada, ela estuda mais que o homem. Não é estratégico perder essa mão de obra. Algumas empresas têm se sensibilizado e criado um ambiente para que a mulher possa exercer também a sua maternidade”, aponta. 

A especialista em gestão humana lembra que, no passado, era normal encontrar mulheres que faziam uma escolha entre a carreira e a maternidade. Hoje, elas querem carreira e maternidade. E que isso exige que as empresas se adaptem a essa cultura, parte do conceito de diversidade.

“É uma questão de mentalidade corporativa: quanto mais você fala em diversidade, mais você entende que precisa de mulheres em cargos de liderança.”

Segundo Mônica, na empresa em que é sócia, as mulheres ocupam metade dos cargos de liderança. E a política salarial é definida por cargo, não por gênero. Mas ela critica o fato de ainda ver poucas mulheres em posições gerenciais no setor de tecnologia, onde atua. 

‘Overdose’ corporativa

“Nas últimas duas décadas a mulher começou a experimentar uma ‘overdose’ do mundo corporativo e das consequências danosas disso”, analisa Daviane Chemin, coordenadora do GBA de Gestão de Pessoas do ISAE Escola de Negócios. “Porque ela tinha que se provar mais que o homem, fazer uma jornada ainda maior para mostrar competência. Os impactos disso na vida pessoal e maternidade, na conjugação da vida familiar, foram muito danosos”, acrescenta.

Proprietária da D Chemin Resultados Humanos, Daviane entende, no entanto, que as mulheres, pela experiência que adquiriram nessa adversidade, já estão conseguindo decidir se querem uma carreira mais longa dentro de uma única empresa ou optar por atividades diversas que compõem de forma satisfatória a renda familiar. “Quando uma mulher resolve empreender, ela pode tanto prestar serviço para uma corporação, como consultoria, por exemplo, e ter junto com isso outros empreendimentos. A versatilidade da mulher permite que ela possa compor um arranjo de trabalho bem diferente do que existe nas corporações normais”. O que também pode contribuir para o número ainda pequeno de mulheres em cargos mais altos e decisórios.

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A exceção do salário-maternidade

Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2003 confirma uma liminar de 1999, tornando o salário-maternidade uma exceção. Diferentemente dos demais benefícios previdenciários, gestantes ou mães de filhos adotivos com salário médio superior a R$ 5.839,45 – o teto do INSS – podem receber valores acima do teto. Exemplo: se uma executiva cujo salário é de R$ 20 mil solicitar o benefício, ela vai receber o mesmo salário ao longo dos 120 dias estabelecidos. Porque o cálculo depende da modalidade de contribuição. A segurada empregada ou trabalhadora autônoma recebe renda mensal equiparada à remuneração integral; a empregada doméstica tem direito ao benefício igual ao último salário; a segurada especial recebe a média da contribuição anual e as demais seguradas têm direito à média das últimas 12 contribuições mensais.

O artigo 7º da Constituição Federal estabelece que os direitos trabalhistas presentes na Constituição Federal incluem “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias”.

Há, no entanto, o teto do funcionalismo público, estabelecido pela remuneração do ministro do STF, hoje em R$ 39.500, que não pode ser ultrapassado. Assim, se uma profissional empregada recebe R$ 50 mil, vai receber do INSS R$ 39.500, e cabe à empresa contratante arcar com a diferença.

“Nesse aspecto, se privilegia mais a proteção à mulher, à gestante, ao filho, do que à estabilidade do sistema”, pondera Kristian Pscheidt, professor de direito da Uniandrade, ao lembrar que, seja qual for a remuneração mensal, a alíquota máxima de contribuição será de 11%.

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