• Carregando...
 |
| Foto:

No Cristo Rei, um símbolo da euforia

Um dos exemplos mais emblemáticos do descontrole do boom imobiliário de Curitiba é o residencial Botânica, de 560 apartamentos, no bairro Cristo Rei. As cinco torres que cresceram em ritmo lento na paisagem do Jardim Botânico foram lançadas com alarde ainda em 2007 pela então incorporadora Abyara. O plantão de vendas tinha até palco, que recebeu, em fins de semana, artistas como Sandy e Junior e Rita Lee.

A previsão inicial de entrega das primeiras unidades do Botânica era janeiro de 2010. Dois anos depois, sem que nada saísse efetivamente do chão e em meio aos efeitos da crise financeira internacional, a Abyara foi comprada pela Agra e pela Veremonte, do empresário espanhol Enrique Bañuelos de Castro, formando a Agre. A holding, além da Agra e da Veremonte, também reuniu a Klabin Segall, do Rio de Janeiro. A compra foi estimada em quase R$ 38 milhões e rendeu aos novos donos cerca de R$ 430 milhões em dívidas que a Abyara tinha com bancos. A Abyara foi uma das primeiras empresas imobiliárias a ingressar na bolsa – sua ação chegou a ser cotada a R$ 38, mas em 2009, no período das vacas magras, ficou na faixa dos R$ 4.

Durante a crise da Abyara-Agre, a JL Construtora, de Cascavel, assumiu a obra, estimada, então, em R$ 236 milhões. No ano seguinte, a Agre foi adquirida pela PDG Realty.

Ainda no fim de 2009, sem dinheiro suficiente para tocar a obra, a JL fechou com a Caixa o que é até hoje o maior contrato de financiamento à produção de imóveis do Sul do país, no valor de R$ 78 milhões, com prazo, segundo o diretor da empresa, João Luiz Félix, de 32 meses, prorrogáveis por mais quatro meses. "Ou seja, o [novo] cronograma proposto pela JL em parceria com a Caixa está em dia, com previsão de entrega total para dezembro de 2012. Já entregamos duas torres e iniciamos a entrega da terceira. As demais serão entregues na sequência", diz Félix. Hoje há 17 famílias morando em uma das torres, mas ainda não foi constituído condomínio e não há síndico escolhido. (FZM)

Poucas construtoras admitem problemas

Todas as construtoras citadas foram procuradas pela reportagem. Algumas aceitaram conversar e falar sobre o período de dificuldades, como a Baú e a Doria, outras preferiram se manifestar por nota, via assessoria de imprensa, e poucas admitiram os problemas.

A PDG Realty enviou nota sobre seus empreendimentos citados. Esclarece que "a primeira fase do empreendimento Bella Vita foi entregue dentro do prazo estabelecido em contrato e que a segunda fase encontra-se em processo de finalização, também dentro do prazo". Em relação ao Reserva das Torres, afirma que a entrega em fevereiro de 2011 foi feita dentro dos limites do contrato e que os supostos problemas de construção – os moradores relatam paredes tortas, canos entupidos e infiltração na garagem – tiveram ajuste já "alinhados com o síndico do condomínio". No condomínio Club San Marino, a vistoria foi feita com quatro meses de atraso, "mas a empresa ressarciu os clientes".

A MRV também se manifestou por nota, informando que "no ano de 2008, com a retração do mercado de construção civil, sofreu com a escassez de mão de obra de todo o setor, que acabou impactando no cronograma dos empreendimentos (...) em Curitiba". A empresa também diz que de lá para cá realizou várias ações internas para impedir novos atrasos.

A Gafisa esclareceu que seus três empreendimentos citados "já foram entregues e que, na época, os clientes foram devidamente posicionados sobre os motivos que levaram aos atrasos." Já a Tenda disse que a primeira fase do FIT Marumbi, empreendimento no Guaíra que teve quase um ano de atraso, foi entregue, mas não diz qual a previsão para a segunda fase.

Até o fechamento desta reportagem, Invespark, Cyrela e Incons não se manifestaram. (FZM)

Entre as consequências mais graves dos atrasos das construtoras está a continuidade da correção do valor do imóvel, normalmente pelo Índice Nacional dos Custo da Construção (INCC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), além do pagamento de juros. Em muitos casos, as prestações sobem bem além do que o consumidor tinha previsto e colocam em risco até a possibilidade de financiamento do imóvel.

Isso está acontecendo com a revisora Bruna Cruz. Em junho de 2011, ela comprou um apartamento no Bella Vita Luna, condomínio da LN e da PDG Realty, no Campo Comprido, em Curitiba. Lançada em 2009, a obra já estava em andamento e com entrega prevista para maio de 2012. "Porém, até hoje não peguei as chaves e a nova previsão é dezembro, depois de já ter sido outubro. Nunca falaram para mim que ia atrasar, eu tive de correr atrás para descobrir que ia demorar", relata Bruna. Segundo ela, a construtora teria se comprometido a pagar pelo atraso acima dos 180 dias de tolerância previstos em contrato. "Mas o pagamento da multa não é suficiente, porque continuo a pagar juros por uma obra que já deveria ter terminado", ressalta.

Segundo Bruna, devido à demora na assinatura do contrato de financiamento do banco, o apartamento, que custou R$ 155 mil, foi corrigido em mais R$ 5 mil, pelo INCC. "Foi diluído na entrada, mas é um dinheiro jogado fora", lamenta.

O funcionário público Rodrigo Ribeiro de Aguiar passou pelo mesmo problema. Em janeiro de 2009, comprou um apartamento no Spazio Cabernet, edifício da construtora MRV no Santa Cândida. O contrato continha três "possibilidades" de entrega: oficialmente era junho de 2010, mas também poderia ser 12 meses após a assinatura do financiamento ou até 180 dias após um desses dois prazos.

Na prática, a construtora não conseguiu cumprir nenhum. O apartamento de Aguiar foi entregue apenas em março de 2011. O funcionário público, que morava de aluguel, ficou enrolado em dívidas que não deveria mais estar pagando desde junho de 2010, como o aluguel e a taxa de juros da obra.

Para compensar o prejuízo, Aguiar acionou a Justiça, pediu indenização por dano moral e a devolução do valor pago pelo aluguel e juros da construção. Ele ganhou na primeira instância, mas a construtora recorreu. "A MRV alega que no período faltava mão de obra. Mas por que a empresa continuou com os lançamentos? Depois do meu condomínio, vi vários por toda a cidade", reclama.

"Hipotecado"

No caso da psicóloga Cristia­­ne Maria da Silva, até a forma de financiamento encontrou entraves. Ela e o marido compraram dois apartamentos no Reserva das Torres, outro condomínio da LN e da PDG, no Uberaba, ainda em 2008. Previam usar cartas de consórcio para pagar, mas na hora da quitação levaram um susto: o terreno estava hipotecado pelo Itaú e, por isso, só poderiam financiar por esse banco. "Ninguém me disse que eu teria de, obrigatoriamente, financiar pelo Itaú", conta.

A psicóloga conta que, após o pagamento da hipoteca, o empreendimento permitiu realizar o pagamento com o consórcio. Mas ela teve de pagar R$ 1,5 mil para levantar uma nova documentação e viu seu imóvel disparar de R$ 156 mil para R$ 191 mil (alta de 22%). O casal conseguiu resolver a situação de um dos imóveis – assinou a escritura na semana passada –, mas não sabe o que vai ser do outro.

Interatividade

Você também teve problemas com obras atrasadas? Conte sua história.

Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br

As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]