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Durante mais de duas décadas, credores e investidores estrangeiros foram citados nas discussões políticas como vilões. Os compromissos da dívida externa e o risco de fuga de capital especulativo eram problemas que para os mais radicais deveriam ser simplesmente varridos do mapa. Os governos que encararam esses dois pontos de fragilidade não apelaram para o rompimento com o mercado financeiro e têm agora um caso de recuperação bem-sucedida para narrar: a dívida caiu e o país montou um esquema de proteção que reduz muito a probabilidade de um ataque especulativo.

O saneamento das contas externas do Brasil custou caro. Nos últimos 25 anos, os brasileiros acompanharam uma crise da dívida que levou a negociações de uma década com credores e organismos internacionais. Isso foi nos anos 80 e início dos anos 90. Depois, a população sentiu na pele os efeitos da saída de capital quando os ventos do mercado financeiro mudaram em 1998 e em 2002. Não é por acaso que a dívida externa e os investidores ganharam tanto espaço nas críticas aos governos.

"O Brasil teve experiências traumáticas porque apostou em cenários que não ocorreram", lembra o economista José Luiz Oreiro, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Uma dessas apostas foi na década de 70, quando a equipe econômica do regime militar viu nos abundantes petrodólares, emprestados a juros baixos, a chance de financiar o crescimento do país. Uma parte do plano deu certo e o PIB evoluiu a uma velocidade de até 12% ao ano. "Mas a tendência dos juros se inverteu em 1979 e a dívida ficou fora de controle", diz o economista.

A dívida externa só foi completamente renegociada no começo da década de 90, um pouco antes de ser lançado o Plano Real – que trouxe outra vulnerabilidade no lado financeiro. Um dos alicerces do plano foi a valorização da moeda e o financiamento de importações e investimentos com dinheiro de fora. A fonte começou a secar em 1997, o que levou à desvalorização do real em 1999 e, depois, em 2002. Nas duas vezes o governo brasileiro precisou negociar crédito com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Após a posse do presidente Lula, o Brasil viu surgir uma nova luz no cenário internacional, com investidores dispostos a aplicar recursos e a comprar os produtos brasileiros. "O país nunca atravessou um período tão favorável na área externa e isso não dependeu do governo", diz o economista Ernane Galvêas, que foi ministro da Fazenda no período mais duro da crise da dívida, no início dos anos 80.

O superávit comercial, que já acumula cerca de US$ 100 bilhões nos últimos quatro anos, e a entrada de investimentos foram suficientes para que o Tesouro e o Banco Central revertessem o quadro de vulnerabilidade externa. "Eles compram o excesso de dólares no mercado e ficam com caixa para gerir com folga os compromissos internacionais", afirma o economista Guilherme Loureiro, da Tendências Consultoria.

O BC passou a investir na quitação de dívidas antigas. "Parece que o governo quer apagar de vez da memória do mercado o histórico negativo", avalia o especialista em contas públicas Raul Velloso. Em poucas semanas, o Brasil pagou tudo que devia ao FMI e ao Clube de Paris (espécie de consórcio formado por nações credoras). Também começou em 2004 a resgatar ou trocar títulos da reestruturação da dívida, como os C-Bonds. Medida que faz sentido, segundo o economista Paulo Sandroni, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "São débitos com taxas mais altas do que o Brasil pode conseguir agora. A situação é muito favorável para que o perfil da dívida melhore."

Outra frente de atuação do BC é a redução da exposição ao câmbio. A dívida interna corrigida pela variação do dólar cai desde 2003 e está hoje perto de zero. A proteção contra as mudanças de humor do mercado é complementada pelo aumento das reservas cambiais, hoje em US$ 55 bilhões, e a compra de ativos que compensam as oscilações da moeda americana. O resultado é que hoje, dos cerca de US$ 115 bilhões da dívida externa do setor público, apenas US$ 16 bilhões não têm algum tipo de proteção. Valor que, aliás, tende a chegar a zero, de acordo com avaliação do Departamento Econômico do Bradesco.

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