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Curitiba – Em momentos de crise, as agências de rating têm grandes chances de virar alvo de críticas duras do setor político. Isso porque elas têm a missão de transformar em uma nota o risco de investimento em uma nação. E é justamente nas horas mais delicadas, quando o cenário parece se deteriorar, que elas precisam tomar a decisão de rebaixar ou não a avaliação de um país. O Brasil vive um desses momentos, mas o escândalo do mensalão ainda não mexeu com as posições sobre o risco do país assumidas no início do ano pelas agências.

A diretora da área de rating soberano da agência Standard & Poor’s, Lisa Schineller, é a responsável pela avaliação do Brasil. Ela esteve em Curitiba na semana passada para participar de um evento. Lisa vive em Nova Iorque e pelo menos duas vezes por ano passa alguns dias em São Paulo ou Brasília. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela explica as razões que levaram à manutenção do rating brasileiro mesmo após a crise política. Um dos motivos é que o desempenho das contas externas tem servido como um "escudo" para a economia. Essa proteção é complementada por uma política fiscal austera.

A situação brasileira, porém, não é livre de riscos. O país ainda tem, na avaliação de Lisa, uma dívida pública alta, que tem se mantido acima de 50% do PIB devido à elevada taxa básica de juros. A analista diz que no ano que vem, em um cenário mais crítico, é possível que o mercado financeiro brasileiro enfrente um período longo de volatilidade. Mas, a princípio, nada que se iguale ao que ocorreu em 2002.

Gazeta do Povo – Há algumas semanas a senhora escreveu um relatório em que mantinha a nota para investimentos no Brasil. Mudou alguma coisa no cenário?Lisa Schineller – Em termos de performance econômica, podemos ver que há um desempenho muito bom no setor externo. Projetamos um superávit comercial de US$ 38 bilhões e um superávit em conta corrente perto de US$ 10 bilhões. No ano, o superávit primário está acima da meta estipulada, perto de 5% do PIB, e deve cair para perto do alvo (4,25% do PIB) até o fim do ano. Levamos em consideração que a economia crescerá um pouco acima de 3%. Esperamos que a inflação ceda durante o segundo semestre. O que vimos até aqui no lado econômico parece muito forte. A questão agora é sobre o que vem adiante. É importante que haja sinais de continuação da política pelo governo. Isso é essencial para que o setor privado invista em seus projetos e para que os consumidores tenham mais confiança.

Como a senhora analisa as últimas denúncias que atingiram o ministro da Economia, Antônio Palocci?Para o rating não é tão importante a pessoa no comando, mas o comprometimento com a política. O ministro Palocci tem uma reputação muito favorável nos mercados internacionais. Ainda é prematuro fazer uma avaliação mais profunda, mas o que importa para o rating e para os mercados é que, se houver uma mudança, ela seja seguida pela indicação de uma pessoa igualmente comprometida com a política econômica.

Ano que vem haverá eleições e há sinais de que o presidente Lula está perdendo apoio entre o eleitorado. Isso já influencia as perspectivas sobre o Brasil?Ainda é muito cedo para se pensar nas eleições de forma isolada. A dinâmica eleitoral é muito fluida. O PT está em um período de auto-análise, após as acusações contra alguns de seus membros. Haverá eleições para a direção do partido em setembro e nós vamos observar este evento para ver até que ponto o PT pode se unir novamente. Outro fator que pesará em 2006 é saber quem, na oposição, será escolhido candidato. É importante para o rating ver que tipo de política os candidatos apóiam.

Há risco de haver volatilidade nos mercados em 2006, como ocorreu em 2002?Em um cenário mais crítico, seja por razões de política interna ou de choques internacionais, haverá volatilidade. Ainda há vulnerabilidades do lado fiscal e na área externa, mas os fundamentos da economia brasileira melhoraram muito nos últimos dois anos. Notamos que o desempenho no setor externo, com superávit crescente, não é um fenômeno cíclico. É estrutural. Outro ponto importante é que os números da dívida pública caíram, há uma proporção maior de títulos colocados no mercado doméstico e o prazo de pagamento ficou maior. O setor privado também trabalhou para reduzir sua vulnerabilidade. A dívida total do governo ainda está alta, mas caiu bastante. Já foi de 62% do PIB e hoje está em torno de 51%, com a diferença importante de que a parcela atrelada ao dólar foi muito reduzida. Há também um problema do lado fiscal, que é uma proporção grande de papéis atrelados à taxa Selic.

Quais são os passos que o Brasil precisa seguir para atingir o "investment grade"?Usamos uma metodologia que olha a estabilidade política, fraquezas e pontos fortes da economia. Os dois principais pontos fracos no Brasil são as áreas fiscal e externa. Diversos indicadores do país estão piores do que a média dos ratings BB e BBB. A dívida do setor público, por exemplo, está em 51% do PIB, enquanto na média dos países com rating BB é 45% e naqueles com nota BBB é 30%. É preciso olhar os juros sobre a dívida, que hoje custam muito ao país. Cerca de 20% da arrecadação do Brasil é direcionada ao pagamento de juros. A média dos países com rating BB é 13% e nos com avaliação BBB é 5%. No lado internacional, a dívida externa, tanto pública como privada, é igual a 120% das exportações. A média é 50% para o rating BB. Como mudar esses números? É preciso tempo, trabalho duro e reformas, como no setor de seguridade social, para reduzir a dívida pública.

O que o país ganharia se passasse a ter investment grade?Um país com investment grade, em geral, tem números melhores e o mercado tende a depositar mais confiança na habilidade do setor público em ajustar suas políticas em caso de choques. O clima para investimentos no país melhora e há uma redução no custo dos empréstimos.

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