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Pochmann, Marinho e Mercadante: em contraposição às ideias mais moderadas de Haddad, os três defendem atuação intensa do Estado na economia e reversão de reformas aprovadas nos governos Temer e Bolsonaro. Além deles, Lula estaria cogitando Guido Mantega para a Vale.
Pochmann, Marinho e Mercadante: em contraposição às ideias mais moderadas de Haddad, os três defendem atuação intensa do Estado na economia e reversão de reformas aprovadas nos governos Temer e Bolsonaro. Além deles, Lula estaria cogitando Guido Mantega para a Vale.| Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil, Rafa Neddermeyer/Agência Gov, Wilson Dias/Agência Brasil

Nomes controversos na área econômica e ideias que trazem “ecos de uma era passada” – segundo a definição do jornal britânico “Financial Times” – ameaçam fazer sombra às iniciativas mais moderadas e acenos ao mercado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Ainda que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus aliados mais à esquerda defendam desde sempre políticas heterodoxas na economia, indicações recentes do presidente reacendem os temores de que ele esteja disposto a retomar de vez a chamada Nova Matriz Econômica (NME). Não por acaso, a B3 – bolsa de valores brasileira – caiu mais de 2% na quinta-feira (27), após a confirmação da escolha de Marcio Pochmann para a presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Essa inclinação mais aguda à esquerda ocorre depois de Haddad ganhar pontos, no Planalto e em setores do mercado, com o avanço do arcabouço fiscal e da reforma tributária no Congresso, a melhora nas projeções para o PIB (em comparação ao que se esperava no início do ano) e a elevação da nota de crédito do país pela Fitch – ainda que boa parte desses fatores não tenha relação direta com a atuação do governo, como ficou claro no comunicado da própria agência de classificação de risco.

Esboçada no segundo mandato de Lula e aprofundada no governo da também petista Dilma Rousseff, a Nova Matriz foi um conjunto de medidas econômicas tipicamente intervencionistas que levaram ao colapso das contas públicas, a uma recessão profunda e, por fim, ao rebaixamento da nota de crédito do Brasil em meados da década passada – classificação esta que, a muito custo, começou a melhorar há pouco.

Figuras como o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, e o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, defendem práticas adotadas nos tempos da Nova Matriz, como um papel mais ativo do Estado na economia e uma política industrial movida a subsídios, além de pregarem a revisão de reformas essenciais para a economia brasileira, como a trabalhista.

A eles, se soma agora a indicação de Marcio Pochmann ao IBGE, uma imposição Lula. Conhecido por declarações extravagantes, Pochmann foi acusado de aparelhar ideologicamente o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e promove aquilo que o "Financial Times" apelidou de "cartilha retrô" de Lula para a economia. Sua escolha – que passou por cima da ministra do Planejamento, Simone Tebet, responsável pelo IBGE – levanta temores de interferência na produção de dados do instituto.

Pochmann é um nome bem quisto pela ala mais à esquerda do PT, que quer aumentar o papel do Estado na economia e resgatar nomes sem aceitação no mercado financeiro. Na lista, também estariam uma eventual indicação de Guido Mantega à presidência da mineradora Vale – que deixou de ser estatal há mais de duas décadas – e mudanças na diretoria da Petrobras.

Segundo relatos de bastidores, o próprio Lula deseja emplacar Mantega na Vale. Analistas consideram pouco provável que a ideia prospere, pois o governo teoricamente só tem influência sobre duas das 13 cadeiras do Conselho de Administração da mineradora, pertencentes à Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil. Mas o mero fato de o ex-ministro ser cogitado já causa alguma perplexidade, ainda mais depois da escolha de Pochmann para o IBGE.

Não seria a primeira vez que Lula força uma substituição na Vale. A partir de 2009, ele fez pressão pública para a saída de Roger Agnelli do comando da mineradora, que acabou se concretizando em 2011, já no governo de Dilma Rousseff.

Ministro da Fazenda dos governos anteriores de Lula e Dilma Rousseff, Mantega foi um dos principais responsáveis pela Nova Matriz Econômica. Sua eventual indicação para a Vale seria considerada uma "interferência brutal" em uma empresa privada, disse Flávio Conde, analista da Levante Investimentos, à CNN Brasil.

Aloizio Mercadante no BNDES

O presidente do BNDES, um dos quadros históricos do PT e fundador do partido, foi pivô de tensões com o ministro Haddad no início do governo, em virtude de sua disposição de debater publicamente o arcabouço fiscal, à época em elaboração pela equipe econômica.

O atrito chegou a ligar o sinal de alerta no Palácio do Planalto, mas Lula optou por não interferir. As iniciativas chegaram a soar para o mercado como uma tentativa de Mercadante de se colocar à disposição do presidente como eventual sucessor de Haddad. As opiniões heterodoxas do dirigente do banco tendem a ser mal recebidas pelo mercado.

Mercadante, em março, desmentiu que tivesse atritos com Haddad. O presidente do banco garantiu total lealdade ao ministro e parceria nas discussões sobre medidas fiscais. Mas também ressaltou que o BNDES não iria se omitir nas discussões sobre o que considera melhor para o país.

Mercadante chegou a defender a concessão de subsídios a setores como forma de incentivar a produção e reagir a investidas externas. Segundo ele, seria uma prática comum da Europa. Em entrevista em maio à TV Cultura, disse que, se bem aplicados “no que é prioridade, discutidos com transparência, [os subsídios] têm sentido histórico e relevante.”

Mercadante também cogitou uma redução da Taxa de Longo Prazo (TLP), que serve de referência para concessão de crédito da instituição. A justificativa é de o banco precisaria voltar a ser o indutor da indústria e da inovação tecnológica. Segundo Mercadante, a TLP estaria tirando a competitividade do BNDES.  A medida, em meio a um cenário de juros elevados, tenderia a aumentar os encargos para empresas e pessoas físicas que não têm acesso a linhas subsidiadas.

Luiz Marinho no Ministério do Trabalho

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, é crítico contumaz de inovações trazidas pela reforma trabalhista, implementada em 2017 pelo governo Michel Temer.

O assunto foi tema de uma das primeiras declarações dele como ministro do Trabalho. Segundo ele, era preciso revisar a reforma trabalhista para “corrigir os erros e modernizar a legislação”. A expectativa dele é de que esse assunto volte à tona neste segundo semestre.

O governo vem atuando pelas bordas e conseguiu, em junho, aprovar dois projetos que se antecipam no propósito de alteração das leis trabalhistas na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado. Se aprovadas em definitivo pelo Congresso, elas acabariam com a possibilidade de extinção do contrato por acordo entre empregado e empregador e limitariam a duração do contrato de trabalho de tempo parcial a 25 horas semanais.

Em entrevista neste mês ao portal Metrópoles, Marinho classificou de “prima-irmã do trabalho escravo” a possibilidade, aberta pela reforma trabalhista, de ampliar a terceirização de atividades. Apesar da crítica, ele não se referiu a uma possível revogação integral da reforma trabalhista. No entanto, mencionou que o governo vem trabalhando em um projeto com centrais sindicais e entidades patronais para encaminhar ao Congresso.

Em março, Marinho criticou as plataformas de intermediação de serviços por “não gostarem de um processo de formalização” de quem trabalha como motorista de aplicativo. O ministro afirmou que não se preocuparia com uma eventual saída do Uber do país e argumentou que os Correios poderiam assumir esse papel.

Outra proposta pretendida por Marinho para o segundo semestre é um projeto de lei para mudar o saque-aniversário do FGTS, modalidade implantada em 2019, no governo de Jair Bolsonaro (PL), que é usada como garantia de uma das linhas de crédito mais baratas do país.

Marcio Pochmann no IBGE

Formado em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e com doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcio Pochmann foi, entre 2007 e 2012, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Sua gestão à frente do instituto, braço do Ministério do Planejamento encarregado de fornecer consultoria técnica e institucional, foi marcada por críticas e acusações de intervencionismo e aparelhamento político do órgão, com afastamento de gestores tidos como "neoliberais" e incentivo a textos simpáticos à atuação mais intensa do Estado na economia.

A indicação ao IBGE, responsável pelo Censo e pelos cálculos oficiais de inflação e PIB, foi alvo de críticas de economistas ortodoxos e enfrentou resistências dentro do governo. "É um perigo para as estatísticas", disse o economista Edmar Bacha, presidente do instituto nos anos 1990, à CNN Brasil.

Pochmann já criticou o sistema de pagamentos instantâneos Pix, criado pelo BC e lançado em outubro de 2020, dizendo que a instituição deu "um passo na via neocolonial a qual o Brasil se encontra ao continuar seguindo o receituário neoliberal".

A mais recente polêmica foi a crítica às reformas trabalhista e previdenciária, que segundo ele teriam colapsado o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O rombo chega a R$ 4 bilhões e Marinho está pedindo uma solução para o problema ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Em 2008, Pochmann defendeu uma reforma tributária que extinguisse o PIS e a Cofins. Os dois tributos seriam compensados com a maior progressividade do Imposto de Renda, que passaria a ter 12 faixas de tributação, chegando a 60% para rendimentos acima de R$ 50 mil. Também propôs a cobrança de 1% do Imposto sobre Grandes Fortunas.

O novo presidente do IBGE já defendeu, ainda, a exploração do espaço sideral pelo Brasil.

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