O cidadão comum pode não fazer idéia do que ocorre diariamente nas bolsas de mercadorias de Chicago, Nova Iorque ou Londres. Mas de uma coisa pode ter certeza: os contratos que os operadores compram e vendem aos gritos têm influência das mais relevantes na vida de todo indivíduo. E, neste ano, essa influência voltou ao centro do debate econômico graças a um fenômeno que existe desde que os seres humanos decidiram trocar as sobras de suas colheitas pela primeira vez: a especulação.
Os movimentos bruscos dos preços de alimentos e matérias-primas, que primeiro subiram como foguetes e agora têm caído rapidamente, sugerem que operações meramente especulativas estão influenciando mais do que o comum os mercados futuros de commodities. É bem provável que, se a especulação não estivesse mais forte que o normal, as cotações desses produtos teriam avançado (e depois recuado) de qualquer forma. A questão é que, com ela, os preços parecem oscilado com mais força, reagindo de forma desproporcional aos eventos da "economia real".
Esse jogo cada vez mais imprevisível está longe de afetar apenas os investidores. As cotações sinalizadas pelos mercados futuros são uma importante referência para os preços dos alimentos que compramos nos supermercados, do aço e do plástico que abastecem as indústrias e dos combustíveis que movem nossos veículos embora, neste último caso, peculiaridades como o controle dos preços da Petrobras têm evitado aumentos da gasolina brasileira.
De forma geral, governos e empresas têm ferramentas para absorver ou limitar o encarecimento de insumos básicos, mas é quase inevitável que, cedo ou tarde, parte dos reajustes chegue ao bolso do consumidor final, por mais indiferente que ele fique ao sobe-e-desce dos gráficos das bolsas internacionais. No Brasil, a disparada dos produtos alimentícios já compromete o poder de compra da população. Somado a isso, o temor de que a indústria repasse ao varejo o aumento de seus custos fez o Banco Central elevar os juros. O resultado desse aperto são prestações mais caras e a provável redução do investimento industrial, do consumo e, conseqüentemente, do crescimento da economia no ano que vem.
Distorções
Embora o ato de especular faça parte de qualquer negócio, até autoridades dos Estados Unidos, país que abraçou como poucos o livre-mercado, estão achando que a situação passou do limite. Desde maio, o Senado norte-americano tem realizado audiências públicas com especialistas para tentar descobrir se a especulação estaria distorcendo os preços do petróleo. Até o megainvestidor George Soros foi convidado a dar sua opinião e reconheceu que é preciso endurecer as regras do mercado para impedir a formação de "bolhas de ativos".
"O custo dessas bolhas é altíssimo, porque afeta o preço de mercadorias fundamentais das economias, como os combustíveis e os alimentos, com impactos inflacionários globais. É óbvio que o crescimento acelerado de grandes países emergentes elevou a demanda por esses produtos e justifica o aumento dos preços. Mas uma valorização de mais de 80% em apenas um ano, como ocorreu em alguns casos, está longe de ser normal", diz o economista Antonio Prado, professor licenciado da PUC-SP e responsável pela representação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em Brasília.
João Basilio Pereima Neto, pesquisador do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que a população de baixa renda é a mais afetada, pois sua renda não segue o ritmo de aumento dos preços. "Um país pobre, na América Latina ou na África, inevitavelmente sofrerá o maior impacto. No caso de Brasil e Argentina, o efeito é dúbio, pois ambos são grandes exportadores de produtos básicos. Mesmo assim, os beneficiados são poucos."
Referência enganosa
Para Prado, mesmo os produtores de commodities podem ser prejudicados. "O mercado futuro tem a capacidade de sinalizar ao produtor a que preço ele poderá vender sua safra daqui a vários meses. Mas o aumento drástico da especulação tem distorcido a formação de preços, transmitindo sinais contraditórios", diz. Nesse caso, o rombo costuma aparecer quando a bolha estoura ou quando os fundos de investimento começam a "realizar lucros". Com isso, um agricultor que, há dois meses, planejou a compra de fertilizantes imaginando que venderia sua safra a preços recordes, agora vê os preços futuros em patamares até 20% mais baixos, dependendo do produto.
Colaboraram André Marques, Cinthia Scheffer, Franco Iacomini e Marisa Valério



