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Confira a íntegra do discurso da Catalina Botero na cerimônia em que recebeu o Prêmio da ANJ de Liberdade de Imprensa, durante o 10º Congresso Brasileiro de Jornais:

Muito obrigada.

Estou muito feliz de estar aqui hoje, na 10ª edição do Congresso Brasileiro de Jornais, recebendo esta generosa homenagem que me honra e aviva o meu compromisso.

Queria começar fazendo um agradecimento especial à Associação Nacional de Jornais, a seu Presidente, Carlos Fernando Lindenberg Neto, seu Vice-Presidente, Francisco Mesquita Neto, seu diretor executivo, Ricardo Pedreira, e sua diretoria, por este honroso reconhecimento ao trabalho da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão.

Neste sentido, não creio que é preciso explicar, neste auditório, por que a existência de uma Relatoria Especial de Liberdade de Expressão no sistema interamericano de proteção de direitos humanos é importante. Não me parece que seja necessário, como infelizmente ocorre em outros lugares, explicar a importância de defender a liberdade de expressão para consolidar e aprofundar a democracia.

Tampouco creio que para explicar a necessidade de que exista uma Relatoria como esta seja preciso recordar os momentos magníficos que todos temos – ou deveríamos ter – na memória, nos quais a coragem de alguns jornalistas e meios de comunicação nos revelaram complexas tramas de corrupção ou graves violações de direitos humanos.

Histórias que em muitos casos ajudaram a gerar a indignação coletiva e a mudar, para melhor, o curso dos acontecimentos.

Prestar uma homenagem a esses jornalistas e à sua coragem será sempre uma obrigação moral não apenas em relação a eles e às vítimas dos atos que eles denunciaram, mas também às futuras gerações.

Também não posso deixar de mencionar a importância para a democracia, e para a Relatoria, dos jornalistas que todos os dias escrevem histórias não tão espetaculares, mas também fundamentais para ampliar nossos horizontes culturais.

Histórias que nos permitem entender e adotar as melhores decisões em todos os temas que nos dizem respeito em nosso âmbito pessoal ou como membros de uma comunidade política.

A Relatoria se justifica justamente porque defende essa imprensa aberta e livre que nos aproxima do que parecia distante, que nos desencobre o que parecia oculto e nos esclarece o que parecia confuso. E muitas vezes também, e para o bem da compreensão humana, que nos mostra a complexidade do que parecia simples. A Relatoria se justifica para defender essa espécie particular e imprescindível de literatura diária, que surge da paixão, do rigor e da honestidade de jornalistas que arriscam suas vidas em zonas de combate ou que investigam arquivos e cifras para nos explicar guerras que são feitas em outras línguas, para revelar abusos de autoridade ou para anunciar o nascimento de um novo livro de poesia.

Defender essa imprensa é o trabalho que tenho procurado fazer. Porém, estou consciente de que se trata de uma tarefa incomensurável. De que defender a liberdade de expressão hoje na região implica em enormes obstáculos e dificuldades. De que temos recursos e instrumentos supreendentemente limitados para realizar o trabalho que nos cabe. E por tudo isso, também estou consciente de que tenho uma enorme dívida para com muitas pessoas.Deixo, porém – se me permitem dizê-lo –, uma Relatoria que sai fortalecida após tantas batalhas, e que com certeza poderá aumentar o seu impacto em toda a região; em particular, nos lugares onde o crime organizado ou o espírito autoritário tentam calar a imprensa livre ou impedir o acesso dos cidadãos às informações, e das minorias ou dos opositores à esfera da opinião pública.

Mas antes de terminar, neste auditório em particular, gostaria de lembrar por alguns minutos a especial relevância da imprensa escrita: os jornais, os periódicos.Hoje em dia, há muitas formas de se fazer o jornalismo. A televisão e o rádio são extraordinariamente importantes, e as redes sociais e o jornalismo cidadão, em muitos lugares ou momentos, são as únicas formas de jornalismo possíveis quando a imprensa foi capturada ou silenciada pelo poder. Mas existe algo que caracteriza a imprensa escrita, algo que vai além do prazer de abrir o jornal e mergulhar nele a cada manhã, com o desejo de que ninguém nos interrompa.

Os jornais, diferentemente de outros meios de comunicação, podem inquirir e contar histórias que requerem uma árdua investigação, submetida a rigorosos princípios e cuja publicação não está limitada ao brevíssimo espaço de outros formatos. Essas histórias, por seu rigor e sua densidade, não costumam ser soterradas pela quantidade imensa e às vezes caótica de informações que circula na internet. Nesse sentido, para dizer o mesmo de modo mais claro, em um mundo de grandes transformações nos processos comunicativos e de uma vertiginosa circulação de informações, a primeira página continua sendo "a primeira página".

Essa primeira página que está aí, escrita, que não é atualizada a cada três minutos nem é consumida no breve período de uma manchete de meios audiovisuais. Essa primeira página que está na mesa da sala de jantar, na hora do café da manhã, na banca da esquina, no ônibus, na casa dos amigos ou nos escritórios oficiais. Em um mundo de velocidades nunca antes vistas, a primeira página teima em continuar aí. Escrita. Indelével.

E poucas coisas podem ter o mesmo impacto que ela tem sobre os funcionários públicos corruptos, sobre os políticos que se ligam ao crime, que abusam do seu poder, que traem os valores e os princípios democráticos.

Mas outra característica singular da imprensa escrita é que ela nos obriga a percorrer caminhos que outros formatos evitam, mas que são fundamentais se queremos realmente atuar como cidadãs ou cidadãos bem informados. Qualquer pessoa que queira chegar, por exemplo, à seção de "esportes" ou "moda" de um jornal, deve passar, ainda que de modo rápido e superficial, por manchetes de economia, cultura, guerra e paz; deve passar, ainda que rapidamente, pelas opiniões políticas similares ou divergentes das suas. Isso não acontece em outros meios, nos quais a informação pode ser severamente filtrada, segmentada, direcionada e selecionada.Por isso, não posso concordar com quem acredita que a imprensa escrita pode ser substituída por mensagens de 140 caracteres.

As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular ao processo comunicativo, e têm inclusive propiciado novas formas de participação, de construção da esfera pública, de mobilização cidadã. Mas mesmo essas novas maneiras de exercer a cidadania e de ampliar a democracia requerem, em minha opinião, o trabalho lento, rigoroso e complexo do jornalismo profissional dos jornais. Em uma democracia, temos a necessidade do jornalismo profissional.

Nesse sentido, devo confessar que existe uma razão muito mais íntima, muito mais pessoal, para defender a imprensa livre dos ataques vociferantes de funcionários públicos autoritários ou corruptos, de mercados vorazes, de fanáticos violentos.Peço desculpas por essa confissão em um fórum desta importância.

A verdade mais íntima é que não suporto o autoritarismo e admiro até o fim as pessoas livres, o jornalismo independente, o pensamento crítico.

Por essa razão, e porque creio que temos o direito de viver em uma democracia, não estou disposta tão facilmente a deixar que alguém tome de nós o prazer da leitura dos jornais. O direito de me enfurecer com informações ou ideias que vejo como absurdas ou injustas; de mudar de opinião se um colunista me convence de que eu estava equivocada; de me comover com uma crônica sobre a beleza que existe no mundo, e que foi captada em um texto que sinto o prazer de ler vagarosamente... E reler.Não deixarei tão facilmente que me tomem esse prazer e me obriguem a ler o que os funcionários do Estado considerem correto.Quero continuar lendo os jornais que escolher e quero que haja mais opções, e não menos. E quero poder ter acesso a eles em liberdade e desfrutá-los pela manhã, se tiver sorte, acompanhados de um bom café colombiano… ou brasileiro, recém-moído.Por todas essas razões, dediquei cada dia desses seis anos de minha vida à defesa do jornalismo livre. Desse jornalismo honesto e valente que milhões de leitores, assim como eu, esperam de um jornal, como um milagre em letras de forma. Dessa literatura única e necessária, fruto da inteligência, da sensibilidade e da tenacidade de pessoas que assim como todas e todos vocês, escolheram o ofício que García Márquez denominou "o melhor ofício do mundo".

Muito obrigada à Associação Nacional de Jornais por este prêmio e por ajudar a defender e manter o vigor da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão.

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