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Equipe de trabalho da startup britânica Entocycle.
O time da Entocycle, startup sediada em Londres, que usa o desperdício de alimento da pré-produção para alimentar larvas de mosca, que comem os resíduos e o convertem em proteína.| Foto: Andrew Testa/NYT

Se há um assunto vital, mas subestimado, na conversa sobre a mudança climática, é o desperdício: como defini-lo, como diminuí-lo, como lidar com ele sem gerar mais poluição no planeta ou na atmosfera. A questão ganhou alguma aceitação, seja na forma de proibições de canudos de plástico, seja na ansiedade com o aumento das pilhas de papelão relacionadas ao comércio eletrônico.

Mas os especialistas dizem que esses não são necessariamente os maiores problemas. Reduzir os danos causados pelos resíduos pode exigir a expansão da definição tradicional de resíduos – não apenas como o velho lixo, mas como o resultado da ineficiência em todos os tipos de sistemas, o que muitas vezes resulta em emissões de gases de efeito estufa, entre outros problemas.

Empresas e organizações em todo o mundo estão assumindo o desafio. Algumas estão usando materiais tradicionalmente considerados resíduos e transformando-os em algo inteiramente novo, muitas vezes não relacionado à sua finalidade original.

Outras estão evitando a criação de resíduos mediante mais eficiência e novas tecnologias. Eis três exemplos de esforços em andamento:

1. Entocycle, uma empresa britânica tentando revolucionar a indústria de ração animal.

2. Spinnova. Empresa na Finlândia que produz fibra de plantas para vestuário.

3. Tóquio 2020. A Comissão Organizadora dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos em Tóquio.

1. Entocycle, uma empresa britânica tentando revolucionar a indústria de ração animal.

Quando Keiran Whitaker trabalhava como instrutor de mergulho, testemunhando a destruição de florestas tropicais, muitas vezes por causa da produção de alimentos, decidiu que precisava começar a usar seu diploma de design ambiental.

"Estamos destruindo nossos ecossistemas naturais predominantemente para produzir monoculturas que entram na teia de alimentos industriais, e o que é ruim em terra é ainda pior embaixo d'água", disse ele, referindo-se à destruição de florestas tropicais e ao branqueamento de recifes de coral.

De acordo com um estudo de 2013 do Instituto do Meio Ambiente da Universidade de Minnesota, pouco menos de 4% das calorias das plantações globais são usados para alimentar os animais, na maior parte milho e soja cultivados em escala industrial. É uma forma particularmente ineficiente de alimentar as pessoas: são necessárias cerca de cem calorias de grãos para produzir apenas três calorias de carne bovina, ou 12 de frango.

Assim, ele está tentando consertar o sistema, principalmente mudando a comida que nossa comida come. O resultado é a Entocycle, startup de Whitaker sediada em Londres, que usa o desperdício de alimento local do pré-consumidor – que surge na fabricação de produtos alimentícios – para alimentar larvas de mosca, que comem os resíduos e o convertem em proteína.

Ele disse que cerca de 97% dos insetos são então triturados em uma farinha rica em aminoácidos, que, combinada com outros ingredientes, pode ser transformada em ração para animais. O excremento das moscas, conhecido como frass, pode ser usado como fertilizante agrícola. Por fim, a farinha de inseto pode ser consumida diretamente pelos seres humanos. (Isso pode enojar algumas pessoas, mas Whitaker disse que não tem problemas com insetos.)

Moscas usadas pela startup britânica Entocycle
Na Entocycle, as moscas comem resíduos e os convertem em proteínas, em uma sala controlada onde acasalam e produzem ovos. Se a ideia der certo, seria uma nova fonte, mais sustentável, de ração para animais| Andrew Testa/The New York Times

Timothy G. Benton, professor da Universidade de Leeds que está focado em segurança alimentar e sustentabilidade, disse duvidar que uma empresa como a Entocycle possa fazer o suficiente para transformar o sistema alimentar.

Mas Whitaker, o executivo-chefe, está mais esperançoso. Se seu modelo decolar (ainda não há produção em larga escala), mais terra poderia ser usada para alimentar as pessoas, e menos florestas seriam destruídas para terras agrícolas ou pastagens; a produção de fertilizantes, responsável por entre 1% e 2% das emissões globais de gases de efeito estufa, de acordo com um relatório do governo australiano, seria evitada, assim como a poluição de nutrientes criada pelo escoamento. Quantidades enormes de peixes selvagens são usadas para produzir ração animal, de modo que isso também poderia ajudar a aliviar a sobrepesca global.

"Como produzir comida suficiente para alimentar o mundo, e como produzir um ambiente seguro para vivermos? Eles parecem ser mutuamente exclusivos, mas precisam estar fundamentalmente ligados", disse Whitaker.

2. Spinnova. Empresa na Finlândia que produz fibra de plantas para vestuário.

Segundo seu governo, as florestas da Finlândia têm cerca de dez árvores para cada pessoa no mundo. Talvez não seja surpreendente, portanto, que uma empresa com o objetivo de reinventar a forma como fazemos roupa a partir de madeira seja finlandesa.

A segunda e a terceira fibras têxteis mais comuns já são feitas de plantas – algodão e rayon de viscose.

A maioria do rayon de viscose é feita de polpa de madeira, mas o processo de fabricação normalmente usa tantos produtos químicos em quantidades tão vastas que alguns peritos dizem que o tecido não deve de fato ser visto como uma fibra vegetal natural.

Além disso, a produção tradicional de rayon está sendo associada a práticas florestais prejudiciais. A Rainforest Action Network descobriu que cerca de 120 milhões de árvores das florestas existentes são cortadas para têxteis a cada ano.

Surge então a Spinnova, uma empresa de fibra têxtil finlandesa fundada por dois ex-físicos, Janne Poranen e Juha Salmela, que trabalhavam em desenvolvimento e pesquisa de papel e celulose no centro nacional de pesquisa da Finlândia.

Depois de aprender como as aranhas fazem a seda, Salmela questionou se poderia ser possível fiar a fibra vegetal da mesma maneira.

É possível. A Spinnova usa um método mecânico para produzir fibras, atualmente em fase piloto. Seu processo usa cerca de 99% menos água do que a produção de algodão (um estudo mostrou que são necessários cerca de 10.978 litros de água para fazer uma calça jeans), sem quaisquer produtos químicos prejudiciais.

Eles utilizam polpa extraída de madeira brasileira, em parceria com a Suzano, uma das maiores produtoras mundiais de celulose de papel do mundo e uma das acionistas da Spinnova. As práticas florestais e a polpa de madeira produzidas são certificadas como sustentáveis pelo Forest Stewardship Council. Isso também beneficia o clima, porque as florestas (especialmente as bem geridas) absorvem muito do dióxido de carbono liberado na atmosfera. A Spinnova planeja usar resíduos agrícolas e roupas descartadas para produzir fibras.

A Lenzing, fabricante de fibras têxteis à base de madeira, que utiliza um processo de produção química de circuito fechado, é um dos acionistas da Spinnova. A Spinnova também recebeu apoio da Marimekko, uma rede de lojas finlandesa.

"A sustentabilidade é nosso principal condutor. Para mim, sempre foi extremamente importante você não ter de pensar por que está fazendo o que está fazendo. É totalmente novo e totalmente sustentável para todo o mundo", disse Poranen.

3. Tóquio 2020. A Comissão Organizadora dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos em Tóquio.

Embora o Japão tenha um sistema de reciclagem relativamente sofisticado, como em outros países, existe o problema com os resíduos eletrônicos, ou o e-lixo.

Ele é o resultado da eliminação de vastas – e cada vez maiores – quantidades de aparelhos, incluindo celulares, computadores e TVs, que podem vazar produtos químicos perigosos no meio ambiente.

A Comissão Organizadora dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos pensou que poderia chamar a atenção para o problema fabricando as medalhas dos jogos do próximo ano – cerca de 500 – a partir de metais recuperados do e-lixo.

Em mais de 1.500 municípios do Japão e em cerca de 2.400 lojas de eletrônicos NTT Docomo, cerca de 42.640 toneladas de eletrônicos descartados foram coletadas, incluindo mais de cinco milhões de celulares, de acordo com Masa Takaya, porta-voz das Olimpíadas de Tóquio em 2020.

Em junho de 2018, os organizadores já haviam coletado bronze suficiente; em outubro, tinham mais de 93% do ouro e 85% da prata, disse ele, acrescentando que a comissão organizadora acredita que será capaz de fazer todas as medalhas com os itens doados.

A recuperação desses metais também evita mineração adicional, que é ambientalmente destrutiva e consome muita energia.

A indústria de reciclagem, em que as pessoas desmontam dispositivos e removem o cobre, o ouro e outros materiais, tem consequências negativas para a saúde, de acordo com a "The Lancet", e produtos químicos tóxicos inadequadamente descartados também podem entrar no ambiente, causando poluição. E o problema pode piorar. Esperava-se que cerca de um terço da população global teria um telefone conectado à internet até 2017, de acordo com um relatório da eMarketer. Nos Estados Unidos, a casa típica tem 65 aparelhos eletrônicos, de acordo com um estudo do Conselho de Defesa de Recursos Naturais.

Essa iniciativa não resolverá a crise dos resíduos eletrônicos – que provavelmente virá de governos e empresas, afirmou Vanessa Gray, da União Internacional de Telecomunicações, uma agência das Nações Unidas especializada em informação e tecnologia de comunicação. Mas, segundo ela, a atenção para a questão é importante, porque muitas pessoas nem mesmo sabem o que é e-lixo e por que ele é relevante.

"Só por esse aspecto, a história das Olimpíadas é muito boa. No fim, isso mostra que a maneira como fazemos as coisas no momento tem consequências terríveis para a sociedade, no que se refere aos efeitos negativos para a saúde e aos impactos óbvios nas mudanças climáticas", afirmou ela.

"É hora de uma atualização do sistema."

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